Pouco mais de trezentos quilômetros e quatro meses separam a série de atentados que matou 130 pessoas em Paris, na França, em 13 de novembro de 2015, das explosões que atingiram Bruxelas, na Bélgica, na semana passada. Na manhã da terça-feira 22, ao menos 31 vítimas morreram e 300 ficaram feridas depois que terroristas acionaram bombas na área de check-in do Aeroporto Internacional de Zaventem e na estação de metrô de Maelbeek, próxima à Comissão Europeia e ao Parlamento Europeu. 

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Desepero: A explosão no aeroporto internacional de Bruxelas ocorreu na área
de check-in. Antes, portanto, dos controles policiais mais rígidos

 
Os homens-bomba foram identificados como os irmãos Khalid e Ibrahim el-Bakraoui, ambos com antecedentes criminais. Em junho de 2015, Ibrahim foi deportado da Turquia para a Holanda por ligações com redes de jihadistas estrangeiros, mas permaneceu fora do radar das autoridades belgas. Um terceiro suspeito, Najim Laachraoui, estava sendo procurado até o fechamento desta edição – e talvez seja ele o elo que une os ataques de Bruxelas e Paris. “O terrorismo atingiu a Bélgica, mas o alvo foi a Europa,” disse o presidente da França, François Hollande. 
 
O Estado Islâmico (EI) assumiu a autoria das ações. Ainda que numa dimensão aterrorizadora, os ataques não foram exatamente uma surpresa. A Bélgica, que tem pouco mais de 11 milhões de habitantes, é o país com o maior número per capita de jihadistas na Síria e no Iraque. Estima-se que, nos últimos anos, entre 500 e 600 belgas radicalizados viajaram para esses países, onde aprenderam técnicas para construir bombas e fazer o maior número de vítimas possível num atentado. Alguns deles voltaram dispostos a espalhar horror pela Europa. 
 
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A imagem de uma câmera de segurança mostra os suspeitos ao chegarem ao local

 
Por causa do Acordo de Schengen, amplamente questionado após a crise dos refugiados e agora novamente em xeque, a circulação de pessoas é livre em 30 países europeus. Mais do que a vulnerabilidade do continente, os ataques da semana passada expuseram as limitações do estado de emergência a que os europeus se acostumaram desde novembro do ano passado e do trabalho conjunto com os vizinhos franceses, que, há duas semanas, resultou na prisão de Salah Abdeslam, co-autor dos ataques de Paris e amigo de Laachraoui. 
 
“A captura de Abdeslam foi um sucesso temporário”, disse à ISTOÉ Steven Blockmans, diretor do Centro de Estudos de Política Europeia, em Bruxelas. “A cooperação entre as autoridades belgas e francesas tiveram algum saldo positivo, mas, como vimos, foram incapazes de prevenir os atentados de Bruxelas. É difícil saber quão ampla e profunda é a colaboração entre os países justamente pela natureza secreta dos serviços de inteligência.” Um relatório de 1º de março do Conselho da União Europeia mostrou que muitos Estados-membros não tinham conexão eletrônica com a Interpol em todas as suas fronteiras e que o compartilhamento de informações não refletia a dimensão real da ameaça terrorista. 
 
Ainda de acordo com o documento, as bases de dados europeias contabilizam apenas 2.786 militantes estrangeiros verificados, quando “estimativas bem fundamentadas” mostravam que “cerca de 5 mil cidadãos europeus viajaram para a Síria e o Iraque para se juntar ao EI e outros grupos extremistas.” Mais: 90% dessas informações vêm de cinco países-membros, numa demonstração de que o engajamento no combate ao terrorismo tem alcance limitado. Por fim, a tradução de nomes árabes para o alfabeto latino causa muitas dissonâncias, o que significa que um suspeito pode estar numa lista, mas pode passar incólume pelas autoridades por causa da ortografia.
 
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Vítimas: Cerca de 300 pessoas foram feridas pelas bombas.
Entre elas, o ex-jogador de basquete brasileiro
Sebastien Bellin (foto)

 
A percepção da ameaça que o EI representava ao continente europeu, segundo Matthew Levitt, diretor do programa Stein sobre Contraterrorismo e Inteligência do Instituto Washington, dos Estados Unidos, mudou na semana seguinte aos ataques contra a redação do jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, e a um mercado kosher em janeiro do ano passado. Na ocasião, policiais belgas foram baleados quando executavam um mandado de busca em Verviers, a pouco mais de uma hora de Bruxelas. “Eles souberam que os atiradores eram membros de uma célula terrorista que vinha planejando um ataque significativo no país”, afirma. 
 
“O incidente deixou claro às autoridades que a Bélgica em si tinha em mãos um problema maior do que imaginava.” Como em outros países europeus, o radicalismo na Bélgica tem as raízes em sociedades onde os muçulmanos vivem marginalizados e o Estado falha em promover oportunidades iguais aos imigrantes. Não por acaso, o nível de educação é menor e o desemprego é maior entre essa parcela da população, que, a exemplo do que acontece com os negros, é super-representada nas cadeias. 
 
Relegados aos guetos, os jovens sem perspectivas são terreno fértil para os recrutadores. “Eles acabam atraídos pela ideologia e propaganda de grupos que os fazem se sentir poderosos,” afirma Adam Baron, pesquisador do programa do Oriente Médio do European Council on Foreign Relations, na Jordânia. “Os policiais europeus estão evidentemente sobrecarregados diante do tamanho desse desafio.” A ele, soma-se o fácil acesso para a compra ilegal de armas. 
 
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Luto: Homem se lamenta em praça da capital belga, onde cidadãos se reuniram
para fazer um minuto de silêncio em homenagem às vítimas

 
A geografia explica o restante da história. Viajar da Europa para a Síria é muito mais simples do que viajar a um país como o Afeganistão. Basta pegar um avião par a Turquia e de lá cruzar a fronteira. A polícia europeia, Europol, identificou um “comando de ações externas” do EI para treinar homens capazes de realizar ataques sofisticados no Ocidente – pelo menos 400 combatentes teriam sido treinados para essa função, segundo a agência de notícias Associated Press. 
 
A internacionalização das ações do grupo tem se intensificado nos últimos meses em decorrência dos reveses que os radicais têm sofrido no campo de batalha. Desde setembro de 2014, quando os Estados Unidos passaram a liderar uma coalizão ocidental que realizou bombardeios contra os extremistas, os territórios controlados pelo EI encolheram de 20% a 40%, dependendo da fonte, e eles perderam mais de 10 mil soldados, segundo o Exército americano. No fim do ano passado, os jihadistas perderam o controle de Ramadi, uma das cidades mais importantes do Iraque. 
 
“O EI enfrenta não só perdas territoriais, mas também de receita com as vendas de petróleo”, diz Andrew Terrill, professor do Instituto de Estudos Estratégicos do U.S. Army War College, da Pensilvânia. “Para compensar isso, eles aumentaram os impostos sobre a população. Atacar a Europa é uma forma de mostrar que ainda são relevantes e podem continuar inspirando radicais.” Se o EI falhar nessa tarefa, corre o risco de ser ofuscado por outra organização rival, como um dia eles fizeram com a Al Qaeda, responsável pelo 11 de setembro, argumenta Terrill.
 
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