Nos últimos dias, o governo deflagrou uma ofensiva descarada e sem precedentes na tentativa de interferir na autonomia de investigação da Polícia Federal. Ao lado do Ministério Público Federal e de outros órgãos de fiscalização, a corporação é responsável por desvendar o maior esquema de corrupção do País. Durante a campanha, Dilma orgulhou-se de apoiar a Lava Jato e garantir as condições necessárias para que a força-tarefa destinada a apurar os desvios na Petrobras pudesse atuar. 

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Na mira: Polícia Federal vira alvo do PT e de Lula. Associação dos delegados se revolta

 
“A corrupção não aumentou. O nosso governo investiga e pune mais do que os outros”, repetiu a então candidata como um mantra. Não passaram de palavras ao vento. A partir do momento em que as investigações atingiram o governo e o ex-presidente Lula esteve na iminência de ser preso, a PF virou alvo. A senha foi dada pelo próprio Lula. Acuado pelos recentes desdobramentos da Lava Jato, o petista foi flagrado em ligações telefônicas, monitoradas com autorização do juiz Sérgio Moro, desferindo duras críticas à atuação dos investigadores. 
 
Num dos grampos, o petista afirmou ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ), outro alvo da Lava Jato, que delegados da Polícia Federal não podem “desrespeitar político” e criticou a autonomia dos policiais. “O problema é que nós temos que fazer nos respeitar. O delegado não pode desrespeitar um político, um senador, um deputado, sabe? Não tem sentido”, disse Lula. A fala do ex-presidente, embora pronunciada num telefonema privado, expôs a clara disposição do PT em impor obstáculos às ações dos agentes federais. Não por acaso, as declarações de Lula viraram palavra de ordem no Planalto e no PT. 
 
Um dia após tomar posse, o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, a quem a polícia está subordinada, desferiu o mais duro ataque à corporação em pelo menos 20 anos. Disse em entrevista que trocaria a equipe inteira de uma investigação caso fosse detectado algum “cheiro” de vazamento de informações. “Cheirou vazamento por um agente nosso, a equipe será trocada, toda. Não preciso ter prova. A Polícia Federal está sob nossa supervisão”, disse Aragão. As declarações soaram como uma afronta dentro do QG da PF. Um golpe baixo. 
 
Atuando numa outra frente, mas na mesma ação coordenada, a senadora Gleisi Hofmann (PT-PR) criou um projeto para acabar com os vazamentos em delações premiadas. A proposta é sob medida para proteger companheiros do PT e ela própria, citada na delação do senador Delcídio do Amaral (MS). Na ótica nada republicana de Lula e de integrantes do governo, a PF é uma instituição a ser controlada. Adotando a já conhecida tática da vitimização, o ex-presidente petista atribui a integrantes da corporação uma “obsessão” em prendê-lo e os responsabiliza por vazamentos à imprensa de investigações contra ele e seus familiares. 
 
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Liberdade para investigar?: Delegado exibe camiseta em protesto contra
o empenho do governo em tirar a autonomia da PF

 
Não só na Lava Jato, mas também na Operação Zelotes, que apura um esquema de corrupção no Carf, o tribunal de recursos da Receita Federal. A Zelotes apura pagamentos realizados por um lobista a Luís Cláudio Lula da Silva, um dos filhos do ex-presidente. Foi a partir do momento em que o escritório de Luís Cláudio sofreu uma devassa da PF que Lula começou a operar nos bastidores para miná-la dentro do governo. Àquela altura, o ministro da Justiça era José Eduardo Cardozo, que passou a ser fritado de maneira inclemente pelo ex-presidente. 
 
Em entrevista concedida a ISTOÉ em outubro de 2015, Cardozo afirmou ninguém estava acima da lei, dando a entender que não ia poupar ninguém. Depois, pela delação de Delcídio, soube-se que Cardozo até tentou ajudar Dilma a interferir em determinadas ações da Lava Jato, mas não logrou êxito. No final de fevereiro, o marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas petistas, foi alvo da Operação Acarajé. A prisão de Santana e sua mulher Mônica colocou de vez o Planalto no epicentro do Petrolão. 
 
A ação dos policiais fez com que a pressão contra Cardozo chegasse a níveis insustentáveis dentro do governo, e a presidente Dilma decidiu substituí-lo. Desde então, o clima na PF é péssimo. Azedou de vez depois das declarações de Eugênio Aragão. Numa avaliação dos investigadores da Lava Jato, o conteúdo das conversas monitoradas entre Lula e aliados bem como as afirmações do novo ministro da Justiça deixaram clara a intenção de o ex-presidente em buscar mudanças na equipe encarregada de apurar a corrupção na Petrobras. 
 
Uma saída para alcançar tal objetivo passaria por mudanças na Diretoria-Geral da PF. Uma das missões do ministro Eugênio Aragão à frente da pasta da Justiça é estudar alternativas para substituir o delegado Leandro Daiello no comando da corporação – a convite de Cardozo, Daiello está à frente da PF desde o primeiro mandato de Dilma Rousseff. Em nota, o ministério informou que Daiello não será substituído. O comunicado cumpriu mera formalidade de tentar mostrar à opinião pública que não há mudança em curso, o que seria vista como intervenção. 
 
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Balanço: Na última semana, a Lava Jato completou dois anos. Em coletiva,
força-tarefa comemorou os resultados.

 
Nos bastidores, a história é outra. Em reação aos ataques que a PF vem sofrendo, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) saiu em defesa da corporação. A entidade não descarta ingressar com medidas judiciais e administrativas se considerar que houve arbitrariedade por parte do titular da pasta da Justiça, ao ameaçar trocar os investigadores. Enquanto isso não ocorre, a oposição se apresenta para a tarefa. O deputado Raul Jungmann (PE) protocolou, em nome do PPS, mandado de segurança no STJ pedindo que Aragão seja impedido de transferir qualquer policial que atue na Lava Jato. 
 
O parlamentar alegou que as declarações do ministro demonstram a “vontade do governo federal de sufocar o andamento da operação”. Na terça-feira 22, a ministra Assusete Magalhães do STJ pediu explicações a Aragão em 72 horas. No final da semana, a Associação dos Delegados se insurgiu contra articulação do Planalto. “A informação de que o diretor-geral da PF poderá ser trocado em razão do descontentamento do governo com a atuação republicana, isenta e imparcial da Polícia Federal, demonstra a fragilidade da instituição e a necessidade urgente de aprovação da PEC 412/2009”, afirmou a associação. 
 
A PEC 412/2009 tramita no Congresso para dar autonomia orçamentária, administrativa e funcional à Polícia Federal. Percebe-se, pelo tempo de tramitação, que não é assunto consensual no Parlamento. Políticos temem o empoderamento da PF. A Lava Jato é o exemplo melhor acabado disso. Os delgados federais defendem ainda a necessidade de previsão legal de mandato fixo para o cargo de Diretor-Geral. De acordo com a direção da ADPF, as manifestações populares de oposição ao governo demonstraram que a população quer uma “Polícia Federal de Estado, firme e atuante contra a corrupção e o crime organizado”. 
 
Naturalmente, isso não inclui o ex-presidente Lula e seus aliados: “Você ouviu o delegado da Polícia Federal ontem dizendo que quer autonomia, que a troca de ministro é interferência política?”, perguntou Lula ao senador Lindbergh Farias, numa referência ao delegado Carlos Eduardo Sobral, presidente da ADPF, que criticou a substituição de Cardozo na pasta da Justiça. “Esse delegado tem que tomar no c…, esse delegado tem que ser afastado para não falar merda”, afirmou Lula. 
 
“Todo mundo quer autonomia… Quem está precisando de autonomia nesse Pais é a Dilma. Que tem o Tribunal de Contas em cima dela, tem o Ministério Público em cima dela, tem a Polícia Federal em cima dela, tem a Justiça…, to certo? Todo mundo quer autonomia, autonomia, vai tomar no c…”, disse o ex-¬presidente, com seu linguajar habitual. Como se nota, não há pudores no PT quando o objetivo é atingir a instituição.
 
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