O fantasma do presidente Getúlio Vargas assombra a vida nacional desde a sua morte, em 1954. Na semana passada, depois de uma breve invernada, ele voltou, trazido pelos ventos da notícia do falecimento em Paris da socialite brasileira Aimée de Heeren. Considerada a brasileira mais bonita, elegante e charmosa de seu tempo, sabe-se agora, com 99,9% de certeza, que Aimée era a “bem-amada” a que Getúlio se referiu em seus diários. Escritos nos períodos em que Getúlio foi presidente, eles contam em detalhes o tórrido romance. A ISTOÉ, a pesquisadora Celina do Amaral Peixoto, neta de Vargas, preferiu evitar a polêmica. “Não é anormal entre os homens públicos brasileiros ter relações extraconjugais”, lembrou ela.

Registrado em tom apaixonado e grave nos diários do presidente, o romance com Aimée foi intenso e arriscado. Nasceu, floresceu e terminou entre 1937 e 1938, quando Getúlio passava da condição de presidente para a de ditador do Estado Novo. Aimée, nascida na família Sá Sotto Maior, era casada com o chefe de gabinete do líder. A primeira anotação sobre a bem-amada data de 17 de abril de 1937, antevéspera do aniversário dele, logo após ter sido apresentado à Aimée e sua irmã.

Uma ocorrência sentimental de transbordante alegria, definiu Getúlio sobre a primeira vez que a viu. O primeiro encontro, definido como “uma boa hora furtiva”, mereceu anotações em 26 de abril. Três dias depois, já é um homem perdidamente apaixonado quem escreve:
Terminado o expediente, saí à tardinha para um encontro longamente desejado. Um homem no declínio da vida sente-se, num acontecimento destes, como banhado por um raio de sol, despertando energias novas e uma confiança maior para enfrentar o que está por vir.
Em seguida à reflexão, o medo:
Será que o destino, pela mão de Deus, não me reservará um castigo pela ventura deste dia?
Casado com d. Darci e já pai de três filhos, naquele 1937 Getúlio contava 55 anos de idade. Aimée tinha 38. Era dona de beleza clássica, inteligente e discretamente ambiciosa. Como se diz hoje, o presidente estava caído por ela:
Após os despachos fui ao encontro de uma criatura que de tempos a esta parte
está sendo todo o encanto da minha vida
, anotou sobre os dias 13 e 15 de outubro de 1937.
O Estado Novo viria em novembro e, coincidência ou não, o fato é que o ritmo dos encontros se acelerou a partir da renovação de poderes de Vargas.
Fui ver a bem-amada (23 de novembro).
Segui para a Guanabara e fui ver a bem-amada (7 de dezembro).
Aniversário de Dona Darcy e das formaturas de Alzira e Lutero. À noite, recepção e baile. Mas a outra, que veio, era a flor mais bela da festa. Estava elegantíssima (12 de dezembro).
O fôlego para o amor parecia interminável:
Terminado o expediente fui ver a bem-amada. Derivativo para uma vida de trabalhos e hostilidades (16 de dezembro).
Fui ver a bem-amada. Regressei antes da noite (24 de dezembro).
Fui depois ver a bem-amada (28 e 29 de dezembro).
Fui ver a bem-amada. E isto encheu a minha tarde (23 de janeiro de 1938).
Depois fui ver a bem-amada (26 de janeiro).
Depois fui ver a bem-amada, talvez a despedida, e foi magnífica (4 de fevereiro)!
Ufa! Getúlio classificou seu sentimento por Aimée como “mais forte que eu poderia esperar”. Como um amante que tem de driblar situações para estar ao lado da amada, o presidente talvez se sentisse como um adolescente:
O local, a vigilância, as tentações que a rodeiam e assediam não me permitem falar-lhe nem esclarecer situações equívocas e perturbadoras (…). Posso ser forçado a uma atitude inconveniente.
Getúlio se referia a uma passagem por Poços de Caldas, onde ambos estavam acompanhados de seus respectivos pares. De volta ao Rio, ousaram. Quem narra é o próprio Getúlio:
Levanto-me cedo e vou ao rendez-vous previamente combinado. O encontro deu-se em plena floresta, à margem de uma estrada. Para que um homem da minha idade e da minha posição corresse esse risco, seria preciso que um sentimento muito forte o impelisse. E assim aconteceu. Tudo correu bem. Voltei feliz e satisfeito, sentindo que ela valia esse risco e até maiores.

O amor perpassa os diários até o último dia de 1938. Aimée torna-se a “fina razão de viver” do presidente. Dela, mais tarde, também se encantaria o jornalista Assis Chateaubriand. Na década de 1940, Aimée se separou do marido brasileiro e casou, no Exterior, com um magnata do comércio, o conde de Heeren. Dividindo-se entre Paris e Nova York, fluente em seis línguas, ela brilhou nos salões do grand monde. A “luminosa aventura” do mais importante dos presidentes brasileiros morreu em 13 de setembro. De acordo com o New York Social Diary, tinha 103 anos. Nunca admitiu, e não negou, ter sido a amante secreta do poderoso Getúlio.


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