Carismático, autêntico e, por vezes, populista, o pré-candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, Bernie Sanders atrai em seus comícios até cinco vezes mais simpatizantes que a pré-candidata favorita, Hillary Clinton. Mas até poucas semanas atrás, ninguém o levava a sério. No domingo 17, durante um debate transmitido pela tevê, o senador por Vermont roubou a cena e agora, a uma semana do início das primárias, ele se tornou uma ameaça real para a ex-secretária de Estado. Como mostram as pesquisas, Sanders chegou a ficar em primeiro em Iowa, mas é em New Hampshire que ele tem ampliado a diferença. Na semana passada, segundo a CNN, o democrata tinha 60% das preferências no Estado, enquanto Hillary ficava com 33%. É justo dizer que, na média das pesquisas, ela aparece 13,2 pontos à frente dele, mas, há um ano, essa vantagem era de quase 50.

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”VOVÔ GENTE BOA"
Aos 74 anos, Bernie Sanders atrai os jovens com um discurso idealista

A comparação com as primárias de 2008 é inevitável. No início do ciclo eleitoral daquele ano, Barack Obama, então um senador desconhecido, parecia ter poucas chances frente à experiência e às conexões da ex-primeira-dama no Partido Democrata. Obama surpreendeu com carisma, uma boa estratégia de campanha e se tornou o presidente dos EUA por oito anos. Agora, alguns analistas temem ter subestimado o potencial de Sanders, como fizeram com Obama. “Ele tem sido tratado com certa condescendência pela imprensa e por Hillary justamente porque não parecia uma ameaça séria”, disse à ISTOÉ Philip Wallach, analista do Instituto Brookings, de Washington.

O apelo de Sanders, sobretudo entre os jovens, estaria no fato de ele se concentrar em assuntos facilmente compreensíveis e usá-los bem para dialogar com os eleitores mais frustrados com o estado da economia e da sociedade. “Como Donald Trump faz pela direita, Bernie Sanders captura a raiva daqueles que nunca estiveram muito envolvidos na política”, diz Virgínia. A analista financeira Monica Boska, de Chicago, se encaixa nesse perfil. Aos 32 anos, ela vai participar pela primeira vez do processo político. “Quanto mais eu via o pouco que o Congresso fazia por nós, mais eu me desinteressava”, afirma. “Quando vi Bernie na tevê, tudo fez sentido para mim. Nos últimos 30 anos, ele lutou pelas famílias pobres e trabalhadoras desse País.”

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ACUADA
Hillary ainda deve explicar sua responsabilidade no escândalo de Benghazi

Entre os maiores obstáculos que Sanders tem que superar para se tornar o candidato democrata está o financiamento de sua campanha. Não está claro como ele se viabilizaria sem o dinheiro dos Super PACs, aos quais o senador se opõe. A estrutura dos Super PACs, comitês que podem receber doações ilimitadas de empresas, ficou muito associada à corrupção nos últimos anos, mas foi fundamental para eleger os candidatos em pleitos cada vez mais caros. Em 2012, tanto a campanha de Obama quanto a de seu adversário, Mitt Romney, custaram mais de US$ 1 bilhão. Bem longe disso, o pré-candidato tem sustentado as peças de propaganda com a ajuda de voluntários e pequenos doadores. A média das contribuições é de US$ 30.

Segundo Virgínia Sapiro, professora de Ciência Política da Universidade de Boston, embora Sanders seja competitivo em New Hampshire e Iowa, dois Estados-chave por serem os primeiros, é improvável que ele derrote Hillary em outras votações. “Ela terá mais ‘super-delegados’ na convenção”, afirma. “Hillary já tem o apoio de 192 governadores e membros do Congresso, e ele só três.” Para Philip Wallach, sua idade (74 anos) e sua carreira como um autodenominado “democrata socialista” também dificultam sua nomeação para as eleições majoritárias, em novembro. “Em breve, Sanders terá que lidar com críticas mais graves”, avalia.

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Para viabilizar a candidatura, Sanders ainda precisará ampliar o discurso para além da base liberal dos democratas e convencer as mulheres, os negros e os latinos, parte relevante do eleitorado, de que ele faria mais por eles do que Hillary. Como passou boa parte da vida defendendo um Estado rural de pouco mais de 600 mil habitantes, o segundo menos populoso do País, o senador pode ter dificuldades nessa empreitada. Ainda assim, Sanders pode ser a resposta que os analistas procuravam alguns meses atrás, quando se perguntavam quem poderia parar Hillary. Com dificuldades para se desvincular do escândalo em que se transformou o atentado à Embaixada americana em Benghazi, Líbia, quando era secretária de Estado, a democrata pode ser vítima de sua própria experiência na política – e, mais uma vez, ceder sua candidatura a alguém bem menos conhecido que ela.