Conhecer um país diferente e ter a possibilidade de ajudar pessoas de outras culturas sem pedir nada em troca promete ser uma experiência inesquecível. Por isso, o chamado turismo solidário já é praticado por uma pequena, mas crescente, parcela de adolescentes e adultos do Brasil e do mundo. Nos últimos tempos surgiu uma segmentação dessa modalidade de turismo motivada pelos tristes acontecimentos internacionais: são os voluntários que acolhem os refugiados. A estudante brasileira Gabriela Shapazian, 16 anos, é um deles. Moradora do Alto de Pinheiros, bairro nobre na Zona Oeste de São Paulo, a adolescente está passando as férias na Ilha de Lesbos, na Grécia, a dez quilômetros da Turquia, onde atua como voluntária auxiliando as pessoas que, ao fugirem da guerra em busca de um lugar melhor para viver, arriscam a vida. A experiência, apesar de curta – serão ao todo 45 dias na costa grega –, já produziu mudanças significativas na vida da jovem, que irá cursar o terceiro ano do Ensino Médio em 2016. Se antes ela pretendia fazer Relações Internacionais, resolveu mudar de carreira e prestar Psicologia. “Não da para descrever o sentimento que é estar aqui”, diz. “Com a psicologia, eu vou conseguir ter um contato maior com as pessoas.”

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DOAÇÃO
Acima a estudante de São Paulo Gabriela Shapazian, 16 anos, recepciona
um migrante na Grécia. Abaixo, o professor João Vitor, 18,
na Alemanha, com um pequeno refugiado

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Diferentemente dos imigrantes, que entram em um país estrangeiro por escolha, os refugiados buscam abrigo em outras regiões por medo de permanecerem em seu local de origem, geralmente destroçado por guerras com outras nações ou conflitos internos. É o caso da Síria, do Afeganistão e da Somália, mergulhados em extrema pobreza e violência. Para tentar chegar à Europa, famílias inteiras atravessam o Mar Mediterrâneo em barcos improvisados e, como se vê pelas trágicas imagens que chegam, muitas não sobrevivem à viagem. Mesmo assim, esses migrantes preferem pagar milhares de dólares à rede de coiotes responsáveis pela rota de entrada de imigrantes ilegais a continuar vivendo de forma miserável. Segundo um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), 50% dos refugiados entraram na Europa por Lesbos, na Grécia. Foi esse o destino escolhido por Gabriela para passar as férias de verão.

A questão da Síria sempre foi um assunto recorrente nas conversas entre a estudante e a mãe, a analista de comunicação Kety Shapazian, 48 anos. “Minha mãe virou uma ativista desde o começo da primavera árabe e fez muitos contatos e amigos sírios”, diz Gabriela. “A gente viu a oportunidade e não pensou duas vezes em vir para cá.” Kety está em Lesbos desde o dia 9 de dezembro e recebeu a filha no dia 16, após a estudante passar duas semanas com a avó na Itália. As duas chegam ao Brasil no próximo dia 2. Mãe e filha só tinham o dinheiro para a passagem de Kety, mas no aniversário da adolescente, em 8 de novembro, ela foi presenteada pela tia com a viagem. Sem o apoio de uma agência de intercâmbio ou uma organização não governamental, elas chegaram ao campo de refugiados, anunciaram que queriam ajudar e por lá ficaram — primeiro se alojaram em um hotel cuja diária era 40 euros (R$181,20), depois se mudaram para a casa de uma moradora de Lesbos, que aluga o quarto por 20 euros (R$ 90,60) a noite. Da janela do aposento, conseguem enxergar a Turquia, ponto de parada antes de chegar à Grécia.

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Os trabalhos em Lesbos não param. Os voluntários tiram o colete salva-vidas e cobrem com um cobertor seco os refugiados que chegam nos barcos, os levam para um abrigo, oferecem roupas limpas, conversam e brincam com as crianças. E se a Grecia é a porta de entrada para a Europa, a Alemanha é o destino preferido pelos refugiados. Dos 244 milhões de migrantes internacionais, 12 milhões estão lá. Só em 2015, o país recebeu 1,1 milhão deles. No ano passado, Sigmar Gabriel, vice-chanceler alemão, disse em entrevista à emissora pública ZDF que a economia alemã é forte e o país poderia aceitar um número desproporcional de imigrantes. Sabendo disso, a ONG Jovens Com Uma Missão (Jocum), de Recife (PE), levou em novembro do ano passado um grupo de 12 pessoas para a cidade de Bad Blankenburg, no leste da Alemanha, para trabalhar com a integração dos refugiados. Eles passaram 25 dias desenvolvendo atividades como danças, pintura, dobradura, jogos de futebol e xadrez, principalmente com as crianças. Eles também cozinhavam para as famílias que estavam lá. “A experiência foi tremenda e impactante”, diz Mati Gali, diretor da ONG. “Famílias venderam tudo o que tinham para salvar suas vidas.”

O professor de inglês João Victor, 18 anos, estava entre os 12 integrantes da Jocum que embarcaram na jornada rumo à Alemanha e essa, segundo ele, foi uma das mais incríveis experiências que já viveu. “Quando aquelas pessoas perceberam que nós estávamos lá para ajudar de coração, elas começaram a ser completamente receptivas com a gente”, afirma. O pernambucano João Victor e a paulista Gabriela tiveram a mesma impressão da vivência com os refugiados. Eles não falavam a mesma língua, mas conseguiam se comunicar perfeitamente por meio de sorrisos e carinhos. “A linguagem que a gente se comunicava era a do amor”, diz João Victor. Lá, ele e os outros voluntários dormiam em um galpão, com colchões que eles mesmos compraram, e passaram noites de muito frio. A Jocum ficou tão satisfeita com a experiência que pretende mandar em maio um novo grupo para a Alemanha.

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O turismo solidário tem sido bastante procurado pelos brasileiros nos últimos anos. Segundo Fernanda Zocchio Semeoni, diretora de produções, produtos e operações da Experimento Intercâmbio Cultural, o intercâmbio voluntário proporciona uma vivência num país estrangeiro e o contato mais próximo com a comunidade local, o que vira conhecimento e traz o entendimento mais profundo de uma cultura diferente. “Um aspecto importante a ressaltar é a necessidade de haver comprometimento do intercambista com a responsabilidade assumida, pois seu trabalho, apesar de voluntário, tem impacto decisivo na vida de muitas pessoas.” Diversas agências especializadas em intercâmbio ou turismo oferecem essa opção. O turismo específico para ajudar refugiados ainda não está na agenda dessas empresas, mas como os jovens dessa reportagem mostraram, é possível realizar essa missão por conta própria. E as férias solidárias podem produzir lembranças tão ou mais calorosas que os mais ensolarados verões juvenis.

 

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Fotos: Maciej Moskwa/TESTIGO