Na terça-feira 24, onze dias depois dos atentados terroristas perpetrados pelo Estado Islâmico em Paris, os ânimos das nações mais poderosas do mundo foram de novo postos à prova quando o governo da Turquia decidiu derrubar um caça Su-24 pertencente à Rússia após este supostamente invadir espaço aéreo turco durante missão na Síria. Os relatos do que aconteceu são contraditórios. A Turquia diz que enviou, durante cinco minutos, dez mensagens ordenando que o avião se afastasse do território. Como os pedidos não foram atendidos, caças F-16 destruíram a aeronave. As autoridades russas dão uma versão diferente e afirmam que o jato não invadiu o espaço aéreo vizinho, sem representar ameaça ao país. O incidente embaralha a estratégia não só das duas nações diretamente afetadas, mas de todos os envolvidos no conflito civil sírio e no combate ao Estado Islâmico, incluindo os Estados Unidos e a União Europeia.

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CONFLITOS
Aviões franceses se preparam para o ataque (acima), explosão no Iraque (abaixo), 
 a derrubada do avião russo (à dir.) e protestos na embaixada turca em Moscou:
tensões tornam o xadrez diplomático mais complicado 

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Há cerca de dois meses a Rússia entrou com força na Guerra da Síria. Seu objetivo é combater o Estado Islâmico e os rebeldes que ameaçam o regime do ditador Bashar al-Assad, aliado de Moscou. Entre as milícias de oposição ao regime estão guerrilheiros turcomenos, que contam com o apoio de Ancara. Durante essas missões, as forças russas realizavam constantes incursões aéreas próximas à fronteira da Turquia. A derrubada do Su-24 – que foi ordenada pelo presidente turco Recep Tayyip Erdoğan – representa o ponto de ebulição de tensões que já colocavam os dois países em rota de colisão. A rapidez com que a decisão foi tomada sugere que a Turquia só esperava a oportunidade para mandar um recado ao rival. Também explica por que a Rússia considerou o ataque como uma “emboscada” e a razão pela qual o presidente Vladimir Putin classificou o episódio de “facada nas costas”. “O conflito entre a Rússia e a Turquia poderá aumentar ”, diz Chuck Freilich, cientista político e ex-analista do Ministério de Defesa de Israel. “Não militarmente, mas diplomaticamente, com um pequeno teatro bélico.”

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Mais importante do que isso são as consequências para o conflito na Síria e o combate ao Estado Islâmico. A Turquia é membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Em tese, deve ser defendida pelos demais componentes do bloco (como Alemanha, Estados Unidos, França e Reino Unido) em caso de ofensiva inimiga. Para piorar, apesar de todas as principais nações do mundo estarem de mãos dadas no discurso contra o Estado Islâmico na Síria, elas possuem posições bem diferentes sobre Assad. Os russos apoiam o ditador lutando contra rebeldes, enquanto o Ocidente é contrário a ele. “A entrada da Rússia na equação síria mudou o equilíbrio do jogo”, afirma Hussein Kalout, professor de Relações Internacionais na Universidade de Harvard. “O país está ganhando terreno e encurralando o Estado Islâmico em áreas estratégicas.”

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ALIANÇA
Encontro entre Barack Obama e François Hollande: o presidente francês
pediu ao americano para intensificar os ataques contra o EI

Após o incidente aéreo, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, pediu “calma” aos envolvidos. Como é incerto se o bloco compraria briga com a Rússia, a tendência é que trabalhe para atenuar as tensões. O principal interessado nesse equilíbrio é a França, que vem tentando construir uma coalizão internacional contra o Estado Islâmico. O presidente François Hollande se reuniu com líderes globais nesta semana, repetiu o discurso de Stoltenberg e pediu aos líderes do Ocidente o estreitamento da aliança com a Rússia no combate ao Estado Islâmico. Na reunião de Hollande com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, o americano não segurou as críticas a Putin em defesa da Turquia. A declaração vai contra os planos da França, cujos cidadãos quintuplicaram os alistamentos nas Forças Armadas desde os atentados e exigem uma resposta também do governo.

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Outros aliados mostraram-se um pouco mais abertos do que os Estados Unidos. Após reunião com Hollande, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, passou a trabalhar para convencer o Parlamento a autorizar ataques aéreos ao Estado Islâmico na Síria. Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel disse que ajudaria os franceses, apoiando no Congresso a proposta para se unir à campanha militar. O presidente francês também se reuniu com os representantes de Itália, China e Rússia. Hollande afirmou que, na conversa com Putin, definiu a troca de informações transmitidas pelos serviços de inteligência, a coordenação de ataques e a promessa de que ambos só atacariam alvos terroristas, e não grupos rebeldes. De acordo com Henri Barkey, diretor do Programa para o Oriente Médio do Centro Woodrow Wilson, o Estado Islâmico eventualmente será derrotado, mas o principal é combater as raízes do fundamentalismo. “Esta é uma batalha a longo prazo contra uma ideia, e não apenas contra uma organização”, disse.

Fotos: Ali Mukarrem Garip/Anadolu Agency; KIRILL KUDRYAVTSEV/AFP PHOTO, Andrew Harnik/AP Photo