OLHO NA ELEIÇÃO
Em sua casa, Maluf brinca de piloto no videogame,
enquanto escolhe o melhor caminho para nova disputa eleitoral

O deputado Paulo Maluf (PP – SP) é um dos políticos mais controvertidos do País e um dos principais protagonistas da história recente do Brasil. Boa parte do que viveu ao longo de 41 anos de vida pública Maluf relata, agora, em Ele, Paulo Maluf, trajetória da audácia, livro escrito pelo jornalista Tão Gomes Pinto a partir de depoimentos feitos pelo deputado. Na maior parte do livro de 240 páginas, obtido com exclusividade por ISTOÉ, Maluf tenta desfazer a imagem de preposto do regime militar. Não é tarefa fácil. Durante os 21 anos em que os generais ditaram os destinos do País, Maluf sempre esteve no poder, como presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), secretário de Estado, prefeito nomeado e governador de São Paulo eleito indiretamente. Maluf nunca subiu nos palanques que exigiam o fim da ditadura e foi o candidato do partido do governo contra o oposicionista Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em 1985. Mesmo com esse passivo, ele insiste que “jamais foi o preferido pelos generais de plantão no Palácio do Planalto”. Para justificar a tese, relata a sua versão sobre os bastidores do poder com o qual conviveu bem de perto. Ao descrever os conchavos promovidos pelos generais, muitos deles sem prova testemunhal, Maluf procura transparecer que sua trajetória política devese mais à insistência pessoal do que propriamente aos laços que mantinha nos altos escalões da caserna.

ABANDONADO POR FIGUEIREDO
“Paguei alto o preço de ser rotulado como o candidato dos militares sem nunca tê-lo sido efetivamente”, diz Maluf, referindo-se à disputa no Colégio Eleitoral em 1985. O deputado relata no livro que várias vezes ouviu de Delfim Netto a história de que em reuniões com ministros o general presidente, João Figueiredo, dizia: “Esse turco não sentará em minha cadeira.” Segundo Maluf, o candidato de Figueiredo era o próprio Figueiredo, que queria usufruir mais dois anos no Palácio do Planalto, mas, como o quadro político impedia qualquer manobra para prolongar o mandato, os militares jogavam suas fichas no ex-ministro Mário Andreazza. Maluf conta que enfrentou o general e acabou impondo a sua candidatura pelo PDS. “Percorri o Brasil, derrotei Andreazza na convenção do partido e acabei abandonado por meus próprios companheiros, que liderados pelo presidente apoiaram silenciosamente Tancredo Neves, que já tinha José Sarney como vice. Eu tinha idéias mais arrojadas que o Tancredo, mas ele ficou com o marketing da Nova República e eu com o rótulo de candidato dos militares”, diz Maluf.

O RELÓGIO E A PRISÃO
No capítulo intitulado “No fundo, desejavam me humilhar”, Maluf descreve sua prisão em setembro de 2005. Ele passava o feriado do Dia da Pátria na casa da família em Campos do Jordão. Sabia que a PF havia gravado algumas conversas telefônicas entre ele e seu filho Flávio sobre um doleiro conhecido por Birigüi. Segundo o deputado, o doleiro estaria tentando lhe extorquir. De acordo com a PF, Birigüi revelou ter feito remessa ilegal de recursos dos Maluf (pai e filho) ao Exterior. Maluf queria sossego, mas estranhou a presença de repórteres na porta da casa. Desconfiado, telefonou para os advogados Ricardo Tosto – hoje envolvido no escândalo do BNDES – e José Roberto Leal. Ficou sabendo por Tosto que corria o boato de que ele e Flávio seriam presos. Maluf deixou Campos do Jordão no carro usado por seus seguranças, um Santana cinza-claro. Estava acompanhado por um segurança e pelo motorista e se dirigiu à casa de Tosto, em um condomínio fechado. Na sala de visitas do advogado, disse: “Não admito ser algemado e só entro morto em um camburão.” Em seguida, emocionado, Maluf perguntou aos advogados se eles tinham um relógio velho. Deixou com Tosto a carteira, uma agenda e seu relógio de ouro de estimação. Colocou no pulso o relógio emprestado para se dirigir à sede da PF. “Não vou levar esse relógio para a PF”, disse. Daquele momento em diante, Maluf passou 40 dias confinado em uma cela com 12 metros quadrados, dois beliches de cimento e um cano com água fria como chuveiro. Uma situação inusitada para um ex-prefeito, exgovernador e quase presidente que, como revela no livro, tem o hábito de passar os dias de folga em hotéis de luxo de Paris ou de outras capitais européias.


COMPANHEIRA Maluf nunca deixa de mencionar a mulher,
Sylvia, com quem está casado há 53 anos

FILHO HUMILHADO
Na cadeia, recorda-se Maluf, a comida era horrível. O deputado, no entanto, assegura que o problema não estava na alimentação em si: “A diferença entre o arroz cru e um arroz bem soltinho e molinho está na boa vontade de quem o prepara”, diz. Maluf afirma que o que mais o afetou foi a humilhação a que fora submetido seu filho. Sua versão é a de que os agentes da PF decidiram fazer com o filho o que não conseguiram fazer com o pai: divulgar a imagem de um Maluf algemado. O deputado conta que ao chegar à sede da PF em São Paulo disse ao delegado Protógenes Queiroz que Flávio estava em uma das fazendas da família em Dourado (SP). Segundo ele, os advogados combinaram que Flávio se apresentaria às 7 horas do dia seguinte. No entanto, segundo Maluf, às 6 horas os agentes da PF invadiram a fazenda para prender o empresário. Flávio propôs aos policiais que usassem seu próprio helicóptero para se deslocar até São Paulo. Eles concordaram. No caminho Flávio ordenou ao piloto que pousasse na fazenda do advogado José Roberto Batocchio, que o acompanhou. Em São Paulo, os policiais se recusaram a usar o heliporto da Polícia Federal. Alegaram razões de segurança e pousaram no Centro Empresarial do Morumbi. Logo que desembarcou Flávio foi algemado na presença de um repórter de TV. “Fizeram da prisão de meu filho um espetáculo. Não queriam cumprir uma ordem judicial, queriam circo, queriam me humilhar”, diz o deputado.

Registros de 41 anos de uma carreira polêmica, marcada por
grandes obras e muitas denúncias

MAURICIO SIMMONETTI

TRAIÇÃO DE PAULO EGYDIO
No livro, Maluf se coloca com um político “ignorado” pelo próprio partido, a Arena, legenda criada pelo governo militar para representar o sistema dos generais e ao qual foi filiado até sua extinção. Ele conta que em 1974, depois de ter sido prefeito nomeado de São Paulo e quando finalizava sua gestão à frente da Secretaria Estadual de Transportes, queria ser candidato da Arena ao Senado, tinha apoio de prefeitos e de delegados do partido no interior. Mas no início do ano recebeu a informação de que os militares já tinham definido a eleição. O futuro presidente da República seria o general Ernesto Geisel, o futuro governador de São Paulo seria Paulo Egydio Martins e para disputar a vaga no Senado pela Arena o candidato seria Carvalho Pinto. Maluf, então, foi a Brasília para conversar com Geisel. Segundo o deputado, o diálogo foi breve:

– General, o senhor quer ganhar a eleição ou quer que Carvalho Pinto seja o candidato ao Senado?

– Como assim? Nas pesquisas que temos o Carvalho Pinto é o preferido para o Senado.

– Não ganha, general. As pessoas querem renovação. Maluf relata que dias depois desse breve encontro, em março de 1974, foi convidado por Paulo Egydio para uma reunião em Campos do Jordão. Maluf foi de helicóptero e levou consigo o senador José Sarney. Queria uma testemunha, testemunha, mas Paulo Egydio pediu que a conversa fosse reservada.

– Apóie o Carvalho Pinto e você continua trabalhando comigo. Em que área você se sentiria confortável?, quis saber o futuro governador.

– Gosto das coisas que estou fazendo. Se eu puder continuar como secretário dos Transportes, melhor, respondeu. Maluf desistiu da sua candidatura e mergulhou na campanha de Carvalho Pinto, que perdeu a eleição para Orestes Quércia, do MDB. Dias depois, Maluf foi chamado à casa de Paulo Egydio. Segundo o deputado, na conversa regada a uísque, o governador lhe ofereceu um cargo em uma empresa que na prática não existia. “Não estou procurando emprego e muito menos salário. Emprego e salário tenho como diretor da Eucatex. O que eu almejava era um cargo onde pudesse construir alguma coisa”, disse Maluf.

BRIGA COM A MÃE
Durante toda a narrativa, Maluf demonstra enorme apreço à família. Relembra a trajetória dos pais e descreve em detalhes os almoços de domingo. Diz, por exemplo, que mesmo já como governador não ocupava a cabeceira da mesa, lugar que era reservado ao irmão mais velho, Roberto, principal responsável por conduzir as empresas da família. “Essa é a postura de respeito a meus pais”, conta Maluf. Mas uma história sem testemunhas que possam confirmá-la revela pelo menos uma áspera conversa com a mãe. Maluf diz que logo que assumiu a prefeitura em 1969 recebeu um pedido de dona Maria Estéfano, por telefone.

– Você pode me fazer um ato de caridade?, perguntou Maria Estéfano.

– Pois não, mãe, respondeu o então prefeito.

– É para o Jorginho (pessoa que prestara serviço na casa dos Maluf). Ele tem seis filhos, está passando necessidade e queria uma banca no Mercado Municipal.

– Avisa ao Jorginho que ele nunca terá uma banca no Mercado, porque lá só se é admitido por concurso. E mais, se souberem que indo à sua casa podem conseguir uma banca no Mercado, farão fila em sua porta. Quem fizer um pedido por seu intermédio jamais será atendido. Segundo o deputado, a mãe não ficou satisfeita com o que ouviu e só depois de algumas semanas as relações voltaram ao normal. “Fiz isso apenas para preservá-la”, diz. Maria Estéfano morreu em 1989 e no livro Maluf não revela o nome completo de Jorginho.

INÍCIO INESPERADO
Paulo Maluf foi nomeado pelo general Costa e Silva presidente da Caixa Econômica Federal em 1967, quando tinha 35 anos. Era um cargo de confiança do regime militar, mas no livro o deputado procura demonstrar que a nomeação não representava um alinhamento automático com a ditadura. Ele argumenta que não era o escolhido pelo general presidente e que só foi nomeado em razão de um deslize infantil do rival. Na época, Maluf contava apenas com a simpatia de Delfim Netto, futuro ministro da Fazenda, a quem conhecera na Associação Comercial de São Paulo.

O que estava acertado pelo presidente é que a CEF seria comandada por Antônio Ribeiro de Andrade. Segundo os relatos de Maluf, às vésperas da posse, Andrade acompanhava Costa e Silva num fim de semana em Petrópolis. No sábado à tarde, um repórter solicitou uma entrevista com o presidente, que se recusou a falar. Andrade foi conversar com o repórter e disse que o presidente estava empenhado em finalizar os planos de governo. O repórter, então, perguntou o que fariam à noite. Andrade respondeu descontraído: “À noite vamos jogar pôquer.” A informação ganhou destaque no jornal do dia seguinte. Costa e Silva ficou furioso. Andrade perdeu o cargo e para presidir a Caixa prevaleceu a indicação de Delfim.

Dois anos depois, novamente com o apoio de Delfim, Maluf foi nomeado prefeito de São Paulo pelo governador Abreu Sodré. Mais uma vez, conta Maluf, não era ele o candidato preferido dos militares. Até dezembro de 1968, Sodré trabalhava pela indicação de seu secretário da Fazenda, Luiz Arrobas Martins. Mas durante uma reunião na sede do governo paulista Martins fez críticas ao poder central. O conteúdo da reunião chegou a Brasília e o governador precisou trocar de candidato. Maluf se tornou a única opção viável.

INFÂNCIA RICA
Em seus relatos, o ex-governador faz questão de dizer que nasceu em berço abastado. Conta do prazer de morar em uma ampla residência num dos bairros mais nobres de São Paulo – aliás a casa onde reside até hoje. Descreve as ruas tranqüilas da região, onde brincava com os filhos do empresário José Ermírio de Moraes e não deixa de citar o Colégio São Luiz, comandado por padres jesuítas e na época um dos mais caros do Brasil. “A influência da Igreja foi muito grande em minha vida. Aos 11 anos tinha a convicção de que seria padre”, afirma.

ANA PAULA PAIVA/AG. ISTOÉ

CARROS VELOZES
Em diversas passagens do livro o deputado cita os carros da família e assegura que a sua paixão por automóveis velozes e luxuosos vem desde a infância, quando era levado à Eucatex em reluzentes Lincoln Continental. Lembra também das inúmeras vezes em que acompanhou a mãe para fazer compras e que nessas ocasiões saía da garagem um possante Rolls- Royce. Quando tirou a carteira de motorista, aos 18 anos, Maluf ganhou seu primeiro carro: um Jaguar vermelho. O deputado, hoje com 76 anos, continua um amante dos carros e da velocidade. Sempre que possível pilota seu Porsche em autódromos e não costuma fazer feio.

O livro que será lançado na segunda- feira 16 de junho pela Ediouro narra a versão de Maluf para os fatos recentes que marcam a história do País. Pode-se acreditar ou não nessas versões, mas o certo é que Paulo Maluf continua a ser um político amado e odiado.

 

ORGULHO Maluf mora na mesma casa há mais de 40 anos e reúne a família todos os domingos

Na quarta-feira 28, o deputado Paulo Maluf (PP-SP) estava eufórico. No almoço, recebeu 87 deputados e o ministro de Coordenação Política, José Múcio, em seu apartamento de Brasília para uma feijoada. Entre os presentes estavam o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, e o líder do PT, deputado Henrique Fontana. “Esse almoço mostra que o fato de ter sido preso não abalou meu prestígio, não é?”, disse Maluf à ISTOÉ minutos depois do almoço, quando falou sobre o livro que conta a sua versão da história recente do País.

ISTOÉ – Como surgiu a idéia do livro?
Paulo Maluf – Em 13 de maio completei 41 anos de vida pública. Muitos tentaram brecar minha carreira, mas enxerguei o futuro em ações como a exploração do petróleo e acabei processado por isso. Chegou a hora de contar a minha versão para os fatos.

“Se ser preso é um galardão de ex-presidente, ainda tenho chances”

ISTOÉ – O livro não é uma peça para uma futura campanha eleitoral?
Maluf
– Pode ajudar. Mas não pensei nisso. Decidi escrever antes mesmo de definir que serei candidato a prefeito.

ISTOÉ – Mesmo depois de ser preso e com vários processos, o sr. vai mesmo enfrentar nova campanha eleitoral?
Maluf
– Fui vítima de muitas injustiças e se a prisão tivesse relevância política o presidente da Câmara não estaria almoçando em minha casa. Washington Luiz terminou seu governo e foi preso e deportado. Getúlio seria preso se não tivesse se suicidado. Juscelino foi preso e o presidente Lula também foi preso. Se ser preso é um galardão de ex-presidente, ainda tenho chances. Só falta colocar a faixa presidencial.