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ISTOÉ – O que significa para o senhor a Natura receber, em quatro categorias (ranking geral, governança, meio ambiente e comunidades), o prêmio de Empresa mais Consciente de 2015?

Roberto Lima – Receber o prêmio de Empresa mais Consciente de 2015 é motivo de enorme satisfação para a Natura. É muito importante termos critérios e metodologias que permitam dar visibilidade e transparência aos critérios de escolha que conduzem a uma avaliação rigorosa dos modelos de negócio das empresas mais respeitadas do Brasil. Ao mesmo tempo, a premiação reforça nosso compromisso com uma agenda de desenvolvimento sustentável que parte da dimensão econômica, mas que alcança também as dimensões sociais e ambientais inseridas de fato em nosso modelo de negócios.

ISTOÉ – A Natura tem como missão promover o bem estar pelo comportamento empresarial, pela qualidade das relações que estabelece e por seus produtos e serviços. Qual é o desafio de cumprir esta missão numa conjuntura de crise econômica, como a que vivemos agora no Brasil? Como ser consciente na crise?

Lima – Primeiramente, é preciso ter consciência de que o Brasil tem um histórico de altos e baixos, mas seu mercado costuma se mostrar mais forte do que as crises. Mesmo em tempos desafiadores como os de hoje, há sinais positivos. No curto prazo, a perspectiva é bastante difícil, claro, mas no médio prazo o Brasil continua sendo um dos grandes mercados consumidores do mundo, com uma vantagem competitiva para desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento de uma economia verde e inclusiva.

O atual momento de instabilidade na economia brasileira nos obriga a ser ainda mais eficientes e criativos na conciliação de investimentos em inovação de produtos, infraestrutura e desenvolvimento de tecnologia com as nossas metas de sustentabilidade. A crise é passageira, mas a agenda do desenvolvimento sustentável é uma construção permanente. A crise tem este aspecto positivo: ela é um teste real de nosso compromisso com a sustentabilidade. E, no caso da Natura, acreditamos que atravessar períodos de turbulências fortalece as bases desse nosso compromisso, faz com que sejamos obrigados a refletir constantemente sobre os aspectos mais essenciais de nosso modelo. Durante a crise não é momento de se rever posicionamentos ligados à sustentabilidade, mas de aprofundá-los.

ISTOÉ – A Natura é pioneira na construção dos valores para uma empresa consciente. Que frutos a empresa colhe com essa história plantada há tantos anos?

Lima – Ao longo de nossa história, a agenda de propósitos da Natura tem se materializado em diversas iniciativas e produtos conectados com a sustentabilidade. Fomos pioneiros no uso de refis nos anos 1980, e nos anos 1990, lançamos a linha de produtos Crer para Ver, comercializada pelas nossas consultoras para um fim exclusivo de investimentos em educação. Também apoiamos a formação do Instituto Ethos, entidade essencial para o fortalecimento da responsabilidade social corporativa no Brasil.

Em 2000, avançamos no uso sustentável de produtos e serviços da sociobiodiversidade brasileira ao lançarmos a linha Ekos, a partir da valorização da cultura tradicional e do patrimônio genético nacional. Desenvolvemos, na época, um modelo de negócios inédito até então, com impacto socioeconômico aliado à preservação ambiental, com repartição de benefícios entre comunidades agroextrativistas da Amazônia. Em 2011, lançamos o Programa Amazônia, com o compromisso de contribuir com a região pan-amazônica para o desenvolvimento de seu enorme potencial sociobiodiverso e impulsionar a geração de negócios sustentáveis como alternativa para a região. Evoluímos para uma estratégia de vegetalização de nossas formulações, substituindo uma série de insumos de origem não renovável em nossas fórmulas. Atualmente, nosso índice de vegetalização é de 82%. Desde dezembro de 2006, a Natura não realiza testes em animais durante o desenvolvimento dos produtos ou de matérias-primas, para avaliar sua segurança e eficácia.

Em 2014, lançamos nossa nova Visão de Sustentabilidade, que direciona nossos negócios para a geração de impacto positivo social, ambiental, econômico e cultural até 2050, com metas e compromissos para 2020. Em resumo, ao longo de nossa história, a Natura consolidou a convicção de precisamos de fazer bem mais do que apenas reduzir ou neutralizar nosso impacto. A construção de nossos valores está intrinsecamente ligada à construção e ao desenvolvimento de nossos produtos e serviços. A própria empresa é o principal fruto colhido desses sólidos valores construídos nas últimas décadas.

ISTOÈ – Palavras de Yvon Chouinard, dono da marca Patagonia e um dos pais da causa do Capitalismo Consciente, citadas em seu livro “Lições de um empresário rebelde: “As empresas podem fazer coisas boas e lucrar sem vender suas almas”. Como presidente da Natura, o senhor compartilha dessa visão? De que modo e por que a Natura põe em prática hoje o conceito do capitalismo consciente?

Lima – Compartilho totalmente da visão do Yvon Chouinard, por quem tenho grande respeito. Somos parceiros da Patagônia no Sistema B, temos grande convergência de valores e trocamos frequentemente experiências com eles.Defendemos o conceito de capitalismo consciente porque, para a Natura, a ambição de crescer, ampliar lucros e gerar valor para os acionistas, como qualquer empresa privada, deve ser exercida de maneira virtuosa, criando riqueza também para a sociedade como um todo. É este princípio que norteia o comportamento empresarial da Natura e fundamenta a Visão de Sustentabilidade da companhia.De modo prático, a Natura investe em um modelo de desenvolvimento que valoriza a floresta em pé e a sustentabilidade dos seus povos, com os quais estabelece vínculos por meio de oportunidades de negócios socialmente justos, ambientalmente corretos e economicamente viáveis.

ISTOÉ – Lançada em 2014, a nova visão de sustentabilidade da Natura reúne um conjunto de diretrizes estratégicas para construção de impacto positivo até 2050. Está inserida na estratégia do negocio e pretende transformar a Natura em uma empresa geradora de impacto positivo em todas as dimensões de suas atividades. Isso significa que sua atuação deve ajudar a tornar o meio ambiente e a sociedade melhores, ultrapassando o atual paradigma de apenas reduzir e mitigar impactos. A estratégia é revolucionária, mas como ultrapassar, na prática, a utopia de um grande desejo de melhorar o meio ambiente e a sociedade num mundo ainda tão descomprometido com esses valores?

Lima –Na realidade, vemos um crescente despertar para a urgência das questões socioambientais. Cada vez mais, constatamos maior engajamento de governos, empresas e cidadãos. Somos parte desse movimento e nosso modelo de negócios mostra que é possível conciliar lucro com geração de valor para a sociedade. E para criar valor para a sociedade como um todo, perseguimos reduções significativas de emissões de gases de efeito estufa, estabelecemos novos paradigmas na relação com comunidades agroextrativistas e na remuneração justa de seus serviços e dos ativos da biodiversidade. Um bom exemplo do esforço da empresa em seu compromisso ambiental é o do “Programa Carbono Neutro”. De 2007 a 2013 reduzimos de 4,18 kg para 2,79 kg a emissão de Gazes de Efeito Estufa (GEE) para cada quilo de produto faturado. Isso significa que reduzimos em 33,2% nossas emissões relativas (GEE) alcançando o compromisso que firmamos em 2007 de buscar alternativas para reduzir nosso impacto em mudanças climáticas em 33%. A Natura se prepara agora para reduzir, até 2020, outros 33%, tendo como base o ano de 2012. As empresas mais conscientes percebem que há uma necessidade cada vez maior de participar da vida da sociedade em que se situam em outras dimensões além da econômica. Nas últimas décadas, cresceram muito as medidas e iniciativas para compensar e mitigar o que eram conhecidas como “externalidades negativas” do processo produtivo. Estamos avançando para buscar incorporar essas externalidades dentro do processo produtivo. Como parte dessa incorporação, buscaremos inverter o que era dano em restauração tanto em aspectos sociais quanto ambientais. Essa é a proposta de nossa visão. Acreditamos que a sociedade irá escolher cada vez mais apoiar aqueles que compartilham dessas crenças.

ISTOÉ – Na prática, o que é ser uma empresa consciente hoje? Ainda se rema muito contra a maré? Quais são as maiores dificuldades de se implementar na prática os valores que a empresa defende?

Lima – Ser uma empresa consciente hoje é ter a certeza de não estar só. Claro que ainda há muito a se fazer, mas a cada dia vemos mais companhias comprometidas com a sustentabilidade. Ao fim do ano passado, a Natura se tornou a primeira empresa a receber a certificação B Corp já com capital aberto. Com a certificação, buscamos reforçar um movimento global de companhias que prezam pela integração do resultado financeiro à geração de resultado socioambiental. Obviamente, há muitas dificuldades. No Brasil, poderíamos ter mais incentivos, mas vemos um aumento da carga tributária, para citar caso recente que impacta nosso setor. Além disso, corremos o risco de a Lei do Bem ser suspensa, o que afetará os investimentos em inovação. No entanto, também é preciso reconhecer avanços importantes no país, como a sanção da Lei da Biodiversidade. Com a lei, que torna mais simples o processo de acesso e traz regras claras e fluxos mais ágeis, esperamos a disseminação do uso sustentável da biodiversidade brasileira, com valor agregado e aumento do volume de repartição de benefícios. Ainda é necessário construir uma moldura institucional ampla que apoie as empresas que busquem construir suas atividades nesse rumo.

ISTOÉ – O que mudou para a Natura, uma empresa líder em higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, ao receber o certificado B Corp no ano passado e entrar para um grupo restrito de empresas no Brasil com essa certificação? O que significa isso hoje para a empresa? O senhor poderia contar algum fato pitoresco ou uma história divertida do dia em que recebeu esta supernotícia? A comemoração foi sustentável ou ecológica?

Lima – Como disse anteriormente, queremos fortalecer um movimento crescente de conscientização e busca de soluções para um futuro mais equilibrado e justo, do ponto de vista econômico, social e ambiental. A conquista da certificação B Corp reforçou nossa crença de que devemos sim buscar o lucro, base de nossa operação, mas que este não deve ser a finalidade única de nossa existência. Lembro-me perfeitamente do dia em que recebemos a certificação das mãos do Jay Coen Gilbert, co-fundador da B-Lab. Na mesma ocasião, lançávamos nossa nova Visão de Sustentabilidade e estavam ao meu lado os fundadores da Natura, Luiz Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos. Foi um dia emocionante. Havia assumido o cargo de Diretor-Presidente há pouco mais de três meses em uma empresa que sempre admirei e que naquele instante se desafiava a ir além ao se comprometer com metas tão ousadas. Para quem gosta de bons desafios como eu, a Natura é um lugar para ser feliz.

ISTOÉ – O senhor poderia citar o melhor exemplo da Natura, entre seus tantos projetos, que simbolize a razão de ser de uma empresa consciente?

Lima – Quero citar um exemplo bem prático e que me dá muito orgulho. Neste ano, lançamos uma nova linha de cuidados para o corpo, Ekos Ucuuba, que materializa inovação verde e desenvolvimento sustentável em um produto com poder de hidratação formidável. O destino natural da ucuubeira era ser cortada para virar cabo de vassoura. Cada árvore era vendida por R$ 15 reais depois de derrubada e hoje, tendo os frutos comprados pela Natura, gera o equivalente a R$ 60 reais por ano para as famílias, que passaram a ter um incentivo concreto em não apenas manter as árvores existentes, mas em plantar novas mudas para ampliar os retornos às comunidades. É uma conta que faz sentido para toda a sociedade.

ISTOÉ – Qual seria para o senhor o melhor exemplo no trabalho governança, que seja a razão do premio? Qual seria o melhor exemplo em meio ambiente e, respectivamente, o melhor exemplo do trabalho de vocês nas comunidades?

Lima – Acredito que são a soma de diversas ações desenvolvidas ao longo dos anos, de maneira transparente e em sintonia com as questões urgentes do mundo contemporâneo e do desenvolvimento socioambiental. Em diversos casos, fomos pioneiros. Com o nosso Relatório Anual, que detalha os indicadores de desempenho da companhia, abrangendo os aspectos econômicos, sociais e ambientais, fomos os primeiros da América Latina a incorporar as diretrizes da GRI, em 2000. A Natura é uma empresa carbono neutro desde 2007, com esforços intensos para minimizar sua pegada de carbono em todas as etapas de produção e para compensar suas emissões de CO2. Também somos pioneiros na repartição de benefícios no Brasil. Buscamos alcançar 10 mil famílias nas cadeias produtivas da Pan-amazônia (em 2014, atingimos mais de 2.100 famílias) e movimentar R$ 1 bilhão em volume de negócios na região até 2020. Além disso, em parceria com a Coca-Cola e a Ipsos, a Natura desenvolveu o Índice de Progresso Social para comunidades da Amazônia, um diagnóstico social inédito do território, que será essencial para medir nosso impacto na região.

 

ISTOÉ – Como ser uma empresa consciente sem ser uma empresa ecochata?

Lima – É preciso sair do discurso e ir à prática, engajar sua rede de relações em sua proposta de valor, com ações concretas e ganho para todos. No nosso caso, o desafio é mostrar que a beleza pode e deve ser sustentável. A nossa linha SOU é um exemplo de que podemos fazer escolhas conscientes sem abrir mão do prazer de cuidar de nós mesmos. As embalagens de SOU usam 70% menos plástico e emitem 60% menos CO2 do que embalagens convencionais, e os produtos são aproveitados até a última gota. Sustentabilidade começa com as nossas escolhas.

 

ISTOÉ – Qual é a previsão dos novos projetos para o ano que vem?

Lima – A Natura segue confiante na venda direta, mas também visualiza oportunidades em outros canais, como o digital, no qual demos início ao Rede Natura com bons resultados. A própria venda direta receberá novas ferramentas digitais que irão ampliar e melhorar sua atividade. Temos testes importantes em curso em outros canais, sobre os quais ainda não posso dar informações por sermos uma empresa de capital aberto.