"Seremos mais respeitados perante as instituições internacionais. A mudança sairá dos nossos laboratórios para o mundo", diz Valderez Lapchik, responsável técnica do biotério do Instituto Nacional de Farmacologia, o Infar, em São Paulo. A novidade à qual a cientista se refere chegou com a lei 11.794, sancionada na semana passada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela regulamenta os experimentos com animais no País e cria um comitê de ética para que as cobaias sejam protegidas.

A ideia é garantir condições ideais de higiene nos laboratórios, nota de corte para a validação dos mais variados tipos de pesquisas. "Sempre fizemos pesquisas com animais no Brasil, mas nem todos os laboratórios apresentavam as condições ideais para um experimento seguro", diz Valderez. Em um experimento para a criação de uma vacina, por exemplo, qualquer descuido na filtragem do ar pode trazer um contágio que altere o resultado da pesquisa. "Por isso renomados pesquisadores brasileiros deixavam o País", diz ela.

Ao que tudo indica, esse quadro quase amador realmente já faz parte do passado. E essa nova realidade, segundo a qual a ética no tratamento aos animais dita as regras, acabou causando um efeito colateral no comportamento de nossos cientistas.

Por mais paradoxal que possa parecer, muitos pesquisadores tratam suas cobaias com o mesmo tipo de carinho dispensado aos animais de estimação. "Fico o dia todo no laboratório. Quando vou para casa, para preparar o jantar da minha família, fico pensando se eles estão bem. Às vezes, nem durmo direito", diz a pesquisadora Gui Mi Ko, responsável pelo Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais para Medicina (Cedeme), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É dela a responsabilidade de zelar por milhares de roedores espalhados por seis andares de um prédio da universidade. Nos animais reside a esperança de avanços importantes – assim como ocorreu na descoberta da vitamina C, em diversos estudos sobre o cérebro de mamíferos e no tratamento da catarata, para ficarmos em poucos exemplos.

"Eles me reconhecem", diz Gui. Segundo a pesquisadora, um equipamento capaz de indicar se o animal está desconfortável ou sentindo dores sempre é utilizado durante suas pesquisas: "Também aplico anestesia antes do experimento. O bem-estar do animal está em primeiro lugar." Atitude semelhante é tomada por Marimélia Porcionatto, professora de biologia molecular do Departamento de Bioquímica da Unifesp. Ela e sua equipe tentam entender como o cérebro funciona e buscam tratamentos para lesões cerebrais por meio da genética. "Depois das cirurgias, os camundongos ficam em observação até voltarem da anestesia. Fizemos miniedredons para aquecêlos", diz Marimélia.

Nenhum animal, no entanto, supera os macacos no quesito apego. Culpa de suas feições quase humanas e da fácil comunicação entre as espécies. Eles são o objeto de estudo do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, diretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, nos EUA. Surpreendentemente, o cientista chega a batizar suas cobaias. Idoya, uma simpática macaco-rhesus fêmea, merece atenção especial.

Em um de seus experimentos, Nicolelis conseguiu fazer com que a macaca, residente nos EUA, comandasse um robô no outro lado do mundo, ou seja, no Japão. Quando a macaca se movia, a máquina fazia o mesmo. As experiências com Idoya podem permitir que milhões de portadores de deficiências tenham chances concretas de reconquistar a mobilidade, uma das frentes de pesquisa de Nicolelis, já cotado para o Prêmio Nobel.

"Toda lei representa amadurecimento. A sociedade brasileira precisa saber que o nosso trabalho é fundamental", diz Valderez. Ela lembra que os pesquisadores que não cumprirem as normas de ética poderão pagar uma multa de R$ 50 mil e ter seus laboratórios fechados. Segundo a nova lei, apenas profissionais cadastrados no comitê de ética poderão usar animais em laboratório. Além disso, as cobaias deverão ser mantidas em biotérios tecnologicamente preparados. "Poucas instituições poderão arcar com o custo. Sairão os amadores e ficarão somente os profissionais", diz a pesquisadora.