O departamento de jornalismo da rede estatal de televisão  norte-coreana não é conhecido por seus furos de reportagem. No entanto, na segunda-feira 9, a locutora com expressão jubilante noticiou literalmente uma bomba: o país acabara de realizar com sucesso seu primeiro teste nuclear subterrâneo. Foi uma surpresa – das mais desagradáveis, para dizer o mínimo – para o mundo. A Agência Central de Inteligência (CIA), mais uma vez, ficava sabendo pela tevê da inclusão de mais um membro no chamado “clube atômico”. Até mesmo a China, aliada e patrona do regime do bizarro ditador Kim Jong Il, só foi avisada do fato 20 minutos antes de ele ocorrer. Com um único petardo – avaliado pelos especialistas como sendo de pequeno porte – o governo de Pyongyang explodia premissas aceitas em todo o mundo.

A primeira delas era a de que os chineses conseguem controlar seu vizinho
cliente e abrir caminhos para o entendimento através da conversa. Foi para o beleléu também a convicção americana de que conseguiria manter o programa nuclear norte-coreano abaixo do patamar bélico, com Pyongyang apenas falando grosso e fazendo ameaças. A Coréia do Sul, que vinha tentando o apaziguamento de relações de seus irmãos, se dá conta de que suas investidas são mais difíceis do que se imaginava. Ironia da história: o embaixador sul-coreano na Organização das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, é quem sucederá Kofi Annan na secretaria geral da ONU. É ele quem descascará o abacaxi nuclear plantado em solo norte-coreano. “O gênio está fora da garrafa. Agora é preciso conversas francas, diretas e com soluções inovadoras para que não haja proliferação de bombas nucleares a partir de Pyongyang”, disse Ban a ISTOÉ. “É necessário conter a todo custo uma reação em cadeia, em que outros países da região procurem se armar da mesma forma.” Sabe-se, por exemplo, que o Japão seria capaz de produzir uma bomba atômica em apenas seis meses.

Da Casa Branca se ouviam os urros do presidente George W. Bush. Analistas não se entendem. A começar pelo tamanho da bomba: sul-coreanos e franceses acreditam que sua potência era entre 0,5 e um quiloton (500 a 1.000 toneladas de dinamite), enquanto os russos falaram em 5 e 15 quilotons. E os americanos colocaram a marca em 20 quilotons, equivalente à bomba lançada pelos EUA em Hiroshima em 1945. Depois disso partiu-se para os planos futuros: o que fazer? A China, país de tradição diplomática milenar, usou expressões muito duras ao condenar seu cliente (o termo “insolente”, empregado por Pequim, é reservado a inimigos). Mas a retórica foi imediatamente seguida de esforços para que a ONU não se decida a aplicar contra a Coréia do Norte sanções econômicas, como um bloqueio naval do país. “Isso implicaria uma tragédia humanitária. E a China não quer também arcar com a conseqüência de ter seu território invadido por uma massa de refugiados famélicos”, diz Tim Stevenson, do Centro de Estudos Asiáticos de Nova York. Ele acredita também que Kim Jong Il tenha aprovado o teste subterrâneo para acalmar seus falcões na área militar, além de mostrar força na área da política externa. “Desta forma, Kim obriga as potências que tentavam impedir a expansão de seu programa a entabularem novas negociações. Só que agora ele está numa posição de maior força”, diz Stevenson.

O que se tem como certo é a volta dos testes nucleares, que estavam em moratória internacional desde 1996, quando a França irritou o mundo com seus testes no atol de Mururoa. Mas esta inatividade já estava com os dias contados, pois o governo Bush ordenou a revitalização do programa nuclear americano, com remodelação dos aparatos e estoques nucleares do país. “Os Estados Unidos passaram anos desmontando seu arsenal nuclear. Muitos aspectos do programa estão com prazo de validade quase vencido”, diz David Samuel, especialista na área. E as pessoas capazes de revitalizar e manter o arsenal estão ficando velhas ou morrendo. Este é um trabalho que precisa ser passado de uma geração para a outra. “Em 2006 começou-se a trilhar o caminho para esta passagem de tocha e já foram gastos US$ 6,5 bilhões no processo. Em 2007 já se terão novos sistemas no arsenal nuclear, com gastos de US$ 35 bilhões nos próximos quatro anos”, afirma Samuel. “E os testes subterrâneos são estágios necessários neste processo.”