Liderado por Estados Unidos e Japão, o maior acordo de livre comércio da história foi assinado na semana passada por líderes de 12 países reunidos em Atlanta. Sob o Tratado Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), essas nações, responsáveis por 40% da economia global, não só reduzirão barreiras e subsídios – no caso dos EUA, serão 18 mil impostos a menos cobrados sobre seus produtos –, como uniformizarão regras de produção e propriedade intelectual. Com tamanha ambição, as conversas para o TPP demoraram oito anos. Pode parecer muito, mas o Mercosul, do qual o Brasil faz parte, negocia com a União Europeia pelo dobro do tempo, e até agora nenhum consenso saiu do papel. Ao inaugurar uma era de acordos megaregionais (estão em andamento também conversas entre Estados Unidos e União Europeia, e entre Japão, China e Coreia do Sul), o TPP expõe mais uma vez o isolamento da política comercial brasileira.

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PARCERIA
Shinzo Abe, premiê do Japão, e Barack Obama, presidente dos EUA,
foram os maiores entusiastas do acordo assinado em Atlanta

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“O Brasil é o maior perdedor, em especial o setor agrícola”, afirma o pecuarista Pedro de Camargo Neto, consultor em comércio e política agrícola. “Ficou tão ruim para o País que, entre os representantes do setor, já se especula que teremos que aderir ao acordo no futuro, mas em condições piores que as de agora.” Com a preferência do comércio entre os países do bloco, as exportações brasileiras podem encolher até 2,7%, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas. A situação lembra pouco o Brasil de 2003 que, às vésperas de mais uma reunião da Rodada Doha, em Cancun, liderou um grupo de países em desenvolvimento dispostos a enfrentar os EUA, a União Europeia e seus subsídios na Organização Mundial do Comércio.

Nos próximos dez anos, o impacto do acordo para o PIB mundial pode chegar a US$ 223 bilhões, nos cálculos do Instituto Peterson para a Economia Internacional. Para a terceira maior economia global, o Japão, isso representa um alívio contra a estagnação. Os efeitos, contudo, podem levar mais tempo para acontecer do que o primeiro-ministro, Shinzo Abe, gostaria. Ainda que as tarifas sobre as autopeças sejam retiradas logo, o imposto cobrado sobre a importação de carros japoneses nos EUA só será eliminado daqui a 25 anos. No Vietnã, as mudanças têm potencial enorme com a liberação da internet e a criação de leis trabalhistas.

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Do lado de fora, a China observa com cautela. “Esse tratado sempre foi visto pelas autoridades americanas como uma maneira de conter a influência chinesa na região”, disse à ISTOÉ Craig VanGrasstek, professor de política comercial na Universidade de Harvard, nos EUA, e dono da consultoria Washington Trade Reports. No entanto, segundo ele, essa visão não é compartilhada pelos outros países signatários. “Pelo contrário, a maioria deles já tem acordos comerciais com Pequim.” O Chile possui um desde 2006, o Peru desde 2009 e a Austrália assinou o seu há quatro meses. O ponto-chave é calcular quanto o TPP influenciará futuros acordos. “Se não escrevermos as regras comerciais, a China escreverá”, disse o presidente americano, Barack Obama.

O texto da parceria ainda deve passar pelo legislativo de cada país-membro. Em Washington, o Congresso tem 90 dias para analisá-lo. “Nos últimos dias, as patentes de medicamentos se tornaram um tema central”, afirma VanGrasstek, de Harvard. O professor lembra que, há três décadas, o debate em torno desses acordos era exclusivamente sobre exportações, importações e empregos. Mas, com o tempo, ele passou a envolver assuntos muito mais sociais e políticos que comerciais – e, por isso, mais polêmicos para os congressistas. Para firmar o acordo, Obama teve que se distanciar de uma parte de seus apoiadores históricos, como os sindicatos e ambientalistas, para quem o tratado ignora o fenômeno do aquecimento global, incentiva o comércio de combustíveis fósseis e dá mais poder aos maiores poluidores do mundo. Mas, ainda que o texto passe sem dificuldades pelo Congresso, os analistas americanos levantam dúvidas sobre sua aplicação. Em campanha para as eleições presidenciais do ano que vem, os pré-candidatos líderes das pesquisas, a democrata Hillary Clinton e o republicano Donald Trump, se mostraram contrários ao TPP.

Fotos: MANDEL NGAN/AFP; Pablo Martinez Monsivais, Elaine Thompson – AP 


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