09/10/2015 - 20:00
Quando um vendedor ambulante ateou fogo ao próprio corpo num protesto contra a repressão policial e a pobreza numa cidade da Tunísia, em dezembro de 2010, a revolução começou. Uma onda de manifestações pró-democracia se espalhou pela nação e por países vizinhos do Oriente Médio e Norte da África engrossada por jovens ansiosos por um futuro sem ditadura, corrupção e miséria. O movimento entrou para a história como a Primavera Árabe. Quase cinco anos depois, a Síria afunda numa guerra civil que gerou a maior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial, a Líbia se divide entre dois grupos rivais incapazes de dialogar, o Egito é governado por nova ditadura militar cada dia mais intolerante e o Estado Islâmico (EI) encontra espaço para expandir seu terror.Só há uma uma exceção a esse saldo negativo: a Tunísia, justamente o lugar que detonou a Primavera Àrabe. “Em muitos desses países, a luta por democracia e direitos humanos chegou a impasse ou sofreu reveses”, disse Kaci Kullmann Five, presidente do comitê do Nobel, ao premiar o Quarteto de Diálogo Nacional da Tunísia na sexta-feira 9 com o Nobel da Paz, em Oslo, Noruega. “A Tunísia, no entanto, tem visto uma transição democrática com base numa sociedade civil vibrante, com exigências de respeito aos direitos humanos fundamentais.”
PRÊMIO
Acima, manifestações na Tunísia, em 2011, plena Primavera Árabe. Abaixo, o
Quarteto de Diálogo Nacional (do alto, da esq. para a dir.): Houcine Abbassl,
Wlded Bouchamaoul, Abdessattar ben Moussa e Fadhel Mahfoudh
Formado pela União Geral Tunisiana do Trabalho, a Confederação da Indústria, Comércio e Artesanato, a Liga dos Direitos Humanos e a Ordem dos Advogados do país, o grupo conseguiu unir o país quando uma nova crise política se aproximava. Em 2011, os primeiros protestos levaram à queda do ditador Zine El-Abidine Ben Ali, abrindo espaço para a ascensão do partido islamita Ennahda ao poder. Donos de uma plataforma religiosa, os representantes do Ennahda também se tornaram alvos da insatisfação popular e só aceitaram deixar o Parlamento com a intermediação do Quarteto de Diálogo Nacional, em 2013. Em janeiro do ano seguinte, uma nova Constituição entrou em vigor e, em outubro, um partido secular ganhou as eleições.
A estabilidade política alcançada pelo grupo premiado evitou uma crise mais violenta, como a que ocorreu no Egito, mas está longe de ser sinônimo de uma paz duradoura. A Tunísia ainda convive com muçulmanos radicais e muitos deles são cooptados pelo Estado Islâmico. Em junho, um homem armado com fuzis matou 38 pessoas, a maioria turistas, em hotéis de luxo no balneário de Sousse. Dois meses antes, 19 pessoas morreram num atentado a um museu em Túnis, capital do país. Uma lembrança de que celebrar a paz é importante, mas lutar para mantê-la é ainda mais.
Fotos: FETHI BELAID e Yoshikazu TSUNO/AFP PHOTO; JUSTIN TALLIS/MEGAN MORR/MAX ENG