Quando um vendedor ambulante ateou fogo ao próprio corpo num protesto contra a repressão policial e a pobreza numa cidade da Tunísia, em dezembro de 2010, a revolução começou. Uma onda de manifestações pró-democracia se espalhou pela nação e por países vizinhos do Oriente Médio e Norte da África engrossada por jovens ansiosos por um futuro sem ditadura, corrupção e miséria. O movimento entrou para a história como a Primavera Árabe. Quase cinco anos depois, a Síria afunda numa guerra civil que gerou a maior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial, a Líbia se divide entre dois grupos rivais incapazes de dialogar, o Egito é governado por nova ditadura militar cada dia mais intolerante e o Estado Islâmico (EI) encontra espaço para expandir seu terror.Só há uma uma exceção a esse saldo negativo: a Tunísia, justamente o lugar que detonou a Primavera Àrabe. “Em muitos desses países, a luta por democracia e direitos humanos chegou a impasse ou sofreu reveses”, disse Kaci Kullmann Five, presidente do comitê do Nobel, ao premiar o Quarteto de Diálogo Nacional da Tunísia na sexta-feira 9 com o Nobel da Paz, em Oslo, Noruega. “A Tunísia, no entanto, tem visto uma transição democrática com base numa sociedade civil vibrante, com exigências de respeito aos direitos humanos fundamentais.”

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PRÊMIO
Acima, manifestações na Tunísia, em 2011, plena Primavera Árabe. Abaixo, o
Quarteto de Diálogo Nacional (do alto, da esq. para a dir.): Houcine Abbassl,
Wlded Bouchamaoul, Abdessattar ben Moussa e Fadhel Mahfoudh

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Formado pela União Geral Tunisiana do Trabalho, a Confederação da Indústria, Comércio e Artesanato, a Liga dos Direitos Humanos e a Ordem dos Advogados do país, o grupo conseguiu unir o país quando uma nova crise política se aproximava. Em 2011, os primeiros protestos levaram à queda do ditador Zine El-Abidine Ben Ali, abrindo espaço para a ascensão do partido islamita Ennahda ao poder. Donos de uma plataforma religiosa, os representantes do Ennahda também se tornaram alvos da insatisfação popular e só aceitaram deixar o Parlamento com a intermediação do Quarteto de Diálogo Nacional, em 2013. Em janeiro do ano seguinte, uma nova Constituição entrou em vigor e, em outubro, um partido secular ganhou as eleições.

A estabilidade política alcançada pelo grupo premiado evitou uma crise mais violenta, como a que ocorreu no Egito, mas está longe de ser sinônimo de uma paz duradoura. A Tunísia ainda convive com muçulmanos radicais e muitos deles são cooptados pelo Estado Islâmico. Em junho, um homem armado com fuzis matou 38 pessoas, a maioria turistas, em hotéis de luxo no balneário de Sousse. Dois meses antes, 19 pessoas morreram num atentado a um museu em Túnis, capital do país. Uma lembrança de que celebrar a paz é importante, mas lutar para mantê-la é ainda mais.

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Fotos: FETHI BELAID e Yoshikazu TSUNO/AFP PHOTO; JUSTIN TALLIS/MEGAN MORR/MAX ENG