O início não poderia ter sido mais poético. O adolescente trabalhava como aprendiz de torneiro mecânico na Fiat Lux para ajudar a família, que havia deixado Rolandia, no interior do Paraná, em busca de dias melhores na capital paulista. O dom artístico foi descoberto durante o trabalho pesado na fábrica, local onde o garoto desenhava escondido. Logo ele passou a decorar com painéis de papel craft os refeitórios da indústria, que nos fins de semana se transformavam em salão de baile. E não demorou para a diretoria querer investir em sua educação formal – em vão, pois todo o dinheiro recebido ia para a família, muito pobre. Mas não importava. O menino Elifas Andreato já sabia que seria um artista. Se deu conta disso quando viu a série ‘Meninos de Brodosqui’, de Candido Portinari. “Percebi que eles, os meninos, eram iguais a mim e que eu podia pintar como ele.” Cinquenta anos depois, o homem conhecido por assinar as capas de discos dos nomes mais importantes da música popular brasileira, no momento em que estavam no auge, ganha uma exposição que procura contemplar todas as suas facetas, inclusive sua luta contra a ditadura militar.

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MÚSICA Elifas
Andreato (abaixo) e três capas de discos célebres de sua autoria,
para Elis Regina, Clementina de Jesus e Adoniran Barbosa

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Organizada por temas, a exposição é uma aula de história da cultura recente do País, conduzida por mãos ousadas, criativas, habilidosas, mas, sobretudo, humildes. “Essa mostra é uma forma de eu agradecer a todos os artistas com quem pude trabalhar”, diz Andreato, que prefere se colocar nos bastidores. “Nunca tive a pretensão de fazer nada superior às obras que ilustrei.”

O paranaense, que fez apenas um curso de alfabetização de adultos aos 15 anos, não recusa o rótulo de artista engajado, comumente atribuído a ele. “Eu nunca fugi da responsabilidade de registrar o meu tempo”, afirma. Mas prefere o termo humanista. “O que me comove é o ser humano. Sou engajado nas questões humanas”, diz Andreato, que continua em plena atividade, aos 69 anos, com um atelier na Zona Oeste de São Paulo. E diz não ter uma forma de expressão artística preferida. “A minha identificação é com o conteúdo. As coisas precisam fazer sentido para mim para conseguir executá-las.” Segundo o professor de design da Fundação Armando Álvares Penteado, Paulo Sampaio, o fato de Andreato ser totalmente autodidata, sem ter sequer freqüentado uma instituição de ensino, faz com que sua obra seja livre de qualquer influência. “Os desenhos dele não seguem nenhuma escola, são muito pessoais”, diz Sampaio, que considera o paranaense um dos maiores designers do País.

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POLÍTICA
Mural ‘A Verdade’, contra o assassinato do jornalista Vladimir Herzog,
uma das muitas obras contra a ditadura militar

A mostra “Elifas Andreato, 50 anos”começou na quarta-feira 30 no Rio de Janeiro, no Centro Cultural Correios, e passará por Brasília e São Paulo. O curador João Rocha Rodrigues explica que ela foi estruturada em quatro temas – música, com as memoráveis capas de discos; teatro, para a porção cenógrafo do artista; crianças e política. Haverá uma linha do tempo, inclusive com trabalhos dos tempos de operário, estações multimídia, onde os visitantes poderão ouvir depoimentos de artistas e áudios de velhas vitrolas. Também estará exposta uma reprodução em grande escala da histórica capa da “Arca de Noé”, disco de Vinicius de Moraes de 1980. “As pessoas poderão subir nela e brincar com as figuras”, diz Rodrigues.  

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