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Enquanto os principais líderes globais se preparavam para a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, na semana passada, jatos do exército francês se uniam a uma coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos e faziam os primeiros ataques à Síria. O alvo era o grupo terrorista Estado Islâmico (EI), que domina uma área de cerca de 300 mil quilômetros quadrados na região. Três dias depois, a Rússia também começou a bombardear porções do território sírio. A pedido do ditador Bashar al-Assad, os russos atacaram inimigos do governo – o que não ficou claro é se eram jihadistas do EI ou de outros grupos menos extremistas. Quatro anos e meio depois do início da guerra civil no país, que já matou mais de 250 mil pessoas e fez milhões abandonarem suas casas, as grandes potências decidiram que era hora de uma intervenção mais direta, que pode redefinir fronteiras e o equilíbrio de forças na geopolítica, num conflito onde agora só há espaço para o radicalismo. É a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial que os exércitos de EUA e Rússia operam na mesma zona de batalha.

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DIPLOMACIA
Vladimir Putin e Barack Obama se encontraram na
semana passada em clima pouco amistoso

Em seus discursos na ONU, o presidente americano, Barack Obama, e o russo, Vladimir Putin, apresentaram visões antagônicas da guerra e, principalmente, sobre o futuro do ditador sírio. “O realismo exige uma transição longe de Assad e para um novo líder”, disse Obama. Considerado um “tirano”, Assad reprimiu violentamente as manifestações pró-democracia embaladas pela Primavera Árabe, em 2011, e hoje é responsável por milhares de ataques a alvos civis e crimes contra a humanidade. Mas, na visão russa, Assad é quem tem as melhores condições de combater o terrorismo do EI e da Al Qaeda e recuperar a estabilidade da região. “Consideramos um enorme erro se recusar a cooperar com o governo sírio e suas Forças Armadas”, disse Putin. Na Alemanha, o país mais atingido pela crise dos refugiados sírios, a chanceler Angela Merkel parece concordar. Há duas semanas, ela disse que Assad deveria participar das negociações de paz, uma solução – ao menos oficialmente – inviável para os americanos.

Na tentativa de derrotar Assad, Washington investiu US$ 500 milhões num programa de treinamento que colocaria 3 mil opositores “moderados” e “não-ideológicos” em ação até o fim de 2015. O plano, contudo, fracassou e dali saíram menos de 60 soldados. “Francamente foi constrangedor o quão errado ele deu”, disse à ISTOÉ Andrew Terrill, professor do Instituto de Estudos Estratégicos do U.S. Army War College, da Pensilvânia “Houve muitas deserções, armas e veículos militares caíram nas mãos da Frente al-Nusra (ligada à Al Qaeda).” No Iraque, onde os americanos trabalham em conjunto com o governo, ele espera que a estratégia seja mais bem-sucedida. “Assad é ruim, mas o EI é pior”, diz Terrill. “Eu gostaria de ver sua saída, mas não tenho pressa, porque não quero ver o país entrar em colapso.” Há dois anos, ele tinha uma visão diferente, mas o surgimento do EI mudou todo o tabuleiro político.

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A PEDIDO DE ASSAD
Aviões russos bombardearam alvos em Kafr Nabel, na província síria de Idlib.
Entre os alvos, estavam o EI e rebeldes apoiados pelos americanos

A entrada da Rússia no conflito mostra que o Pentágono calculou mal ao apostar numa oposição moderada e na certeza de que Assad não resistiria muito tempo à pressão dos rebeldes. Em 2012, durante conversas reservadas entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido), os russos chegaram a acenar para a saída de Assad depois que ele aceitasse negociar com a oposição, que não deveria ser armada. Naquele mesmo ano, as conversas de paz em Genebra terminaram com a proposta de um governo de transição composto por representantes do atual regime, da oposição e de outros setores da sociedade Síria, mas o plano não foi levado adiante. Para Fabiano Mielniczuk, diretor da Audiplo Educação e Relações Internacionais e professor da ESPM-Sul, os americanos só atacam os militantes do EI quando eles estão lutando contra rebeldes moderados e não contra Assad, porque querem enfraquecê-lo. “Não é um plano para levar paz à região, mas para derrubar um governo”, afirma. No Oriente Médio, os aliados se dividem entre EUA, que apoiam os sunitas da Arábia Saudita e os judeus de Israel, ambos inimigos da Síria, e Rússia, que defende os xiitas do Irã e do Líbano, e é aliada histórica de Damasco.

Há dois anos, quando o Congresso americano se preparava para votar sobre uma ofensiva militar na Síria, foi Putin quem costurou um acordo para que Assad abrisse mão de seu arsenal de armas químicas. As ações da semana passada mostram que a entrada da Rússia e de seus aliados pode mudar o jogo novamente. “Os EUA bombardeiam o EI há um ano e até agora não tiveram nenhum ganho territorial”, diz o historiador Vijay Prashad, professor de Relações Internacionais do Trinity College, de Connecticut. “Para derrotá-los, é preciso ir para o solo.” É isso que o Irã está fazendo. Na quinta-feira 1º, as primeiras tropas vindas de Teerã chegaram à Síria numa ação conjunta com Moscou. No diagnóstico sombrio de Sipan Hemo, comandante da milícia curda YPG, a entrada das grandes potências no conflito pode fazer a guerra durar mais dez anos. “O que está acontecendo agora pode ser chamado de uma guerra de titãs em território sírio”, disse ao Observatório Sírio de Direitos Humanos. “É uma guerra de mudança de mapas.” 

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