Ao retornar no início da semana passada de Nova York, onde participou da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas e esteve com o papa Francisco, a presidente Dilma Rousseff imaginou que havia recuperado algum fôlego. Negociou uma reforma administrativa, que estabeleceu corte de ministérios e cargos comissionados, e mexeu em pastas para abrir mais espaço ao PMDB, dando uma nova configuração à Esplanada dos Ministérios. A presidente acompanhou ainda pelo noticiário o agravamento das acusações contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, na Operação Lava Jato. Enfim, a semana parecia mais arejada para Dilma, até o surgimento na quinta-feira 1 de duas novas e explosivas denúncias. Na primeira, há fortes indícios de irregularidade na edição de uma medida provisória, durante o governo Lula, que teria sido comprada por meio de um esquema de lobby e corrupção para favorecer montadoras. Para ser publicado, o texto passou por Dilma, então ministra da Casa Civil. A operação teve como beneficiário final o filho do ex-presidente Lula, Luís Cláudio Lula da Silva. A outra denúncia traz mensagens trocadas por telefone celular em julho de 2014, ano eleitoral, entre Ricardo Pessoa, da UTC, e um executivo da empreiteira. Os textos sugerem que as doações para campanha de Dilma estavam associadas ao recebimento de valores de contratos da Petrobras. As revelações elevam a tensão política às vésperas do julgamento das contas do governo de 2014 pelo TCU. A tendência é pela reprovação. O parecer da área técnica considerou as pedaladas fiscais promovidas por Dilma irregulares. O tema deve ser submetido ao plenário do tribunal nesta quarta-feira 7.

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O BENEFICIÁRIO
Consultorias suspeitas de atuar na compra da medida provisória
transferiram R$ 2,4 milhões a uma empresa de Luís Claudio Lula da Silva

O problema para a presidente no caso da edição, em 2009, da MP 471 – que beneficiou montadoras com a prorrogação do desconto do IPI de carro – é que a medida passou pelo crivo da Casa Civil, comandada por Dilma. Há suspeitas de que empresas negociaram pagamentos de até R$ 36 milhões a lobistas para conseguir do Executivo a medida provisória que prorrogou incentivos fiscais de R$ 1,3 bilhão ao ano. Há relatos de uma reunião entre lobistas e o ex-ministro Gilberto Carvalho, então Secretário-Geral da Presidência, quatro dias antes de o texto ser editado. Além disso, na contabilidade de uma das empresas que teria atuado para viabilizar a medida provisória, apareceu um repasse de R$ 2,4 milhões ao empresário Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente. A transferência ocorreu em 2011, quando os benefícios fiscais passaram a ter validade.

Foram identificadas mensagens em que foi discutida a oferta de propina a agentes públicos e políticos, mas nomes não teriam sido mencionados. A reportagem citou as empresas MMC Automotores, subsidiária da Mitsubishi no Brasil, e Grupo Caoa (fabricante Hyundai e revendedora das marcas Ford, Hyundai e Subaru) como interessadas na extensão da desoneração fiscal, que deixaria de valer a partir de janeiro de 2011. As duas contrataram os escritórios SGR Consultoria Empresarial, do advogado José Ricardo da Silva, e Marcondes & Mautoni Empreendimentos, do empresário Mauro Marcondes Machado, para cuidar do assunto. Recentemente, a MMC Automotores teve a Receita Federal como um dos seus principais clientes. Forneceu picapes ao Fisco para serem distribuídos em todo país após vencer licitação. Recebeu R$ 52 milhões em 2013, segundo as contas oficiais.

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SINAL VERDE
Quando ministra da Casa Civil, presidente deu aval à operação suspeita

O texto de uma das mensagens, datada de 15 de outubro de 2010, afirma que houve “acordo para aprovação da MP 471” e que teria sido combinado o pagamento de R$ 4 milhões a “pessoas do governo, PT”. José Ricardo, da SGR Consultoria, tem trânsito pelo partido. Ele é ligado à advogada Erenice Guerra, que ocupou o cargo de secretária executiva da Casa Civil quando Dilma era a ministra e, depois, a substituiu no comando da pasta quando a atual presidente se afastou para disputar as eleições presidenciais de 2010.  De acordo com os autos da Operação Zelotes, José Ricardo e Erenice atuaram juntos no Carf e na Justiça Federal em São Paulo.

Existe no Congresso uma CPI que apura o esquema de venda de sentenças no Carf desvendado pela Operação Zelotes. A história sobre a MP foi assunto em audiência na semana passada. A porta-voz do Planalto foi a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), relatora da comissão. A parlamentar é contra investigar os indícios de irregularidade na tramitação da medida provisória. Recém embarcado no Rede de Marina Silva, Randolfe Rodrigues (AP) discordou. Ele pretende apresentar requerimentos para quebrar o sigilo bancário e fiscal dos escritórios envolvidos. E defende a convocação de Erenice Guerra e do advogado José Ricardo, além de Luís Cláudio. O filho do ex-presidente confirmou ter recebido dinheiro do Marcondes & Mautoni, uma dos escritórios citados no suposto lobby da prorrogação da MPF 471. Mas argumentou que o valor se referia a serviços prestados na área de marketing esportivo. Haja fôlego do governo para explicar tantos problemas.

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