Cuba – Ficción y Fantasia/ Casa Daros, RJ/ até 13/12

Foram sete anos de restauro e reforma meticulosas do antigo casarão no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, para atingir um padrão museológico inédito entre as instituições culturais brasileiras. Inaugurou em março de 2013, apresentando ao país um precioso recorte da arte contemporânea da Colômbia, realizada durante os anos mais duros da guerra ao narcotráfico naquele país. Mas a Casa Daros de fato se apresentou ao público do Rio de Janeiro muito antes disso, criando uma agenda de oficinas, cursos, debates envolvendo comunidades carentes e artistas locais. Em pouco mais de dois anos de funcionamento, apresentou quatro grandes exposições com obras da Coleção Daros Latinoamerica, de propriedade de industriais suíços. A contribuição que a Casa Daros trouxe ao Rio não se restringe à coleção de 1200 obras da coleção – mesmo porque, esta nunca foi transferida para o Brasil. Seu patrimônio real foi o caldo de cultura fomentado em anos de atividades pela equipe capitaneada por Hans-Michel Herzog, Isabella Rosado Nunes e Eugenio Valdés Figueroa, o que, efetivamente, ativou o uso cultural do espaço em pleno canteiro de obras, fazendo jus ao projeto de dedicar a Casa Daros à tríade arte, educação e comunicação.

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FIM DE FESTA
Obra do artista cubano Tonel é metáfora para encerramento das atividades da instituição

Foi um sonho que durou muito pouco. Em maio, a instituição anunciou que encerraria suas atividades em dezembro deste ano. Desde então, contrariando a transparência que vinha orientando suas atividades, nunca esclareceu os motivos que a levaram ao desfecho. Em coletiva de imprensa para apresentação da última exposição de sua programação, na terça feira 8, o novo diretor Dominik Casanova, afirmou que a Prefeitura do Rio ofereceu apoio para que a Casa Daros não encerrasse suas atividades, mas a decisão da direção na Suíça é irredutível e seus motivos não são financeiros.

A Casa Daros encerra sua breve vida com “Cuba – Ficción y Fantasía”, em cartaz até 13 de dezembro. Mas uma vez, presta um enorme serviço, oferecendo ao público um recorte da cultura e da história da de Cuba, vista pelos olhos de 15 artistas que, em sua maioria, vivem e trabalham em La Havana. As 130 obras expostas foram produzidas entre 1975 e 2008 e atentam criticamente a aspectos específicos da vida na ilha, derivados do bloqueio e sua precária situação econômica. Muitas, porém, extravasam o discurso local e assumem uma dimensão universal e existencial – que se aplicam até mesmo ao contexto do encerramento da Casa Daros. É o caso de “História” (2001), obra de Ivan Capote, um mecanismo em que o traçado de um lápis está articulado ao seu imediato apagamento. “A obra, de temática tão aberta quanto local, refere-se ao mito do eterno retorno”, diz Capote.

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Míngua
"Dislexia", de Ivan Capote (acima), e "Granada de Mano", de Los Carpinteros,
são obras que lidam com a urgência da vida a assimilação da história

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Mas a obra de maior impacto – local, no contexto da casa localizada no bairro de Botafogo –, é “El Bloqueo” (1989-1993), do artista Tonel. Vista isoladamente, a palavra escrita com blocos de cimento refere-se especificamente ao embargo econômico, finalmente em vias de ser suspendido pelo governo Obama. Mas com o posicionamento específico dado pelo curador Hans-Michel Herzog, ela ganha outra dimensão. A obra não está instalada em uma das salas de excelência museológica, com condições de luz e temperatura ideais. Está encostada em um tapume de obras, em uma das salas que não foram restauradas do antigo imóvel. O resultado – obra + contexto – é tão potente, que a imagem ganha a dimensão de um obituário. “Concordo com você”, diz Herzog à Istoé. “Eu não gosto dessa obra no contexto do museu, é uma obra suja. Mas é claro que ‘Bloqueo’ ali, nos limites do museu, transmite a ideia daquilo que não vai mais caminhar”, diz ele.

Neste obituário a um singular e imprescindível instrumento cultural, vale também ressaltar a imagem da granada esculpida em madeira pelo coletivo Los Carpinteros, instalada no lobby da exposição. No mesmo local, há dois anos, estava o “Caixão de Lego”, do colombiano Fernando Arias, denunciando a morte de crianças pela guerra do tráfico colombiano. Apesar do símbolo trágico, a obra indicava o nascimento de um projeto que prestaria uma enorme contribuição para a cultura e a comunicação entre os países latino-americanos. Foi-se cedo.

Fotos: Paula Alzugaray; Divulgação


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