Um blog que trazia um guia definitivo de como estuprar alunas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo escandalizou o País e deu início à caçada virtual pelos autores de tamanha barbaridade. Mas antes mesmo de o diretor da FFLCH, Sergio Adorno, registrar um boletim de ocorrência, a polícia já tinha um suspeito. “Todos os indícios levam a ele”, afirma o delegado Ronaldo Tossunian, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC), em São Paulo, responsável pelo caso. Ele é Marcelo Valle Silveira Mello, 30 anos, um dos nomes mais conhecidos quando o assunto é incitação ao ódio pela internet.

abre.jpg
RÉU
Marcelo Valle Silveira Mello, suspeito pela autoria do blog que trazia o
guia do estupro. Abaixo, quando foi preso em 2012 por manter
site preconceituoso que fazia apologia à violência

CRIMINOSO-01-IE.jpg

Mello foi o primeiro condenado da Justiça brasileira por crime de racismo na internet, em 2009. Estudante do curso de Letras-Japonês da Universidade de Brasília, ele foi punido com um ano e dois meses de prisão por se posicionar de maneira preconceituosa contra as cotas na instituição. Em 2005, escreveu mensagens no Orkut dizendo que negros eram “burros, subdesenvolvidos, incapazes, ladrões”, entre outras injúrias. Recorreu da decisão e, alegando insanidade, foi absolvido. Dez anos depois, voltou à carga num site em que a misoginia corre solta, com uso de termos tão patéticos quanto assustadores. As estudantes são “vadias bissexuais imundas” e “degeneradas”, os militantes do movimento negro são “cotistas de bosta”, e os gays são “maconheiros cheios de AIDS”. Toda uma sorte de preconceitos preenche diferentes posts da página, que desde junho vinha publicando textos de cunho criminoso. Além de incitação ao crime, o autor também deve ser condenado por preconceito racial. O blog ainda dizia que o “guia do estupro”, com um detalhado passo a passo, havia sido testado na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, interior de São Paulo.

01.jpg

Esse tipo de mente doentia se esconde nos chamados chans, fóruns da internet nos quais os participantes podem se manter anônimos. Lá são feitos planos mirabolantes para criar sites criminosos, seja para chocar as pessoas com o discurso de ódio – acredite, a intenção primeira é deixar os leitores furiosos –, quanto para lucrar com cliques ou manchar o nome de desafetos. Em um desses fóruns, especificamente, há várias citações sobre o “guia do estupro”. Numa postagem, alguém que parece ser o autor diz: “Este lixo da USP tem potencial. Isto viraliza fácil. Já pagou 10USD.” Em outro post, afirma-se que quando um funcionário do Ministério Público tenta acessar o site é redirecionado para outra página. “Isto é para mostrar que eu estou acima de vocês. Eu não serei preso, pois na internet eu sou Deus.” Logo depois, um comentário: “Apaga isso Psy”, apelido pelo qual Marcelo Mello é conhecido virtualmente. Na página do “guia do estupro”, o nome do autor mudou pelo menos duas vezes. Em uma delas, constava como criador Robson Otto Aguiar, que negou ter relação com o blog durante interrogatório sobre o caso na Delegacia da Polícia Judiciária Civil, em Várzea Grande, Mato Grosso, estado onde vive. Ele foi o primeiro a incriminar Marcelo Mello, que envolveu seu nome em represália a uma denúncia feita por Aguiar anteriormente.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

02.jpg

Depois de escapar da condenação de 2009, Mello voltou a ser alvo de investigação em 2012, quando manteve um site com conteúdo bastante similar ao da página pela qual está sendo investigado agora. Foi preso pela Polícia Federal durante a Operação Intolerância, ao lado do comparsa Emerson Eduardo Rodrigues, e condenado a 6 anos e 7 meses em regime semiaberto. Assim que ficou livre da prisão preventiva, no início de 2013, escreveu um e-mail para a professora Lola Aronovich, da Universidade Federal do Ceará, autora de um blog feminista que posta denúncias contra Mello, fazendo ameaças. “Acompanho o fórum dele e passei prints de postagens para a divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal”, diz Lola. Além da Polícia Civil e da MP, o Ministério Público Federal e o de São Paulo também estão envolvidos nas investigações. A demora para se resolver o caso, segundo as autoridades, deve-se ao fato de a página estar hospedada na Malásia. Com isso, o mentor do blog continua perigosamente à solta. “O tempo de resposta do poder judiciário não é compatível com a velocidade de propagação dos crimes da internet”, diz Thiago Tavares Nunes de Oliveira, presidente da ONG SaferNet. Apesar da morosidade, espera-se que os mentores do blog sejam tirados da frente do computador e colocados atrás das grades, como criminosos que são.

Fotos: Francisco Emolo/Jornal da USP; Reprodução/TV Paranaense 


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias