Será possível tratar a falta de desejo sexual sentida pelas mulheres com uma pílula? Esta foi a pergunta que estudiosos do tema se fizeram ao longo de toda a semana passada. A indagação, presente há algum tempo, ganhou força após a aprovação pela Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, da Addyi, o primeiro remédio do mundo indicado para aumentar a libido da mulher a receber autorização de venda. A decisão de permitir sua comercialização foi tomada pela agência americana na terça-feira 18 e imediatamente acirrou a polêmica que envolve a discussão sobre tratamentos que visam resgatar a vontade feminina de fazer sexo.

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O medicamento, cujo princípio ativo é o composto flibanserin, já foi batizado de Viagra feminino, numa alusão à famosa pílula azul, fabricada pela Pfizer, pioneira no tratamento da disfunção erétil. A Addyi é produzida pela empresa americana Sprout Pharmaceuticals e havia sido desenvolvida inicialmente para ser um antidepressivo. Sabe-se que age sobre duas substâncias – serotonina e dopamina – envolvidas na regulação do humor e também alvo dos remédios para tratar a depressão. Mas não está claro de que maneira ela atua para devolver a libido.

O FDA determinou que a medicação pode ser receitada nos dois tipos do distúrbio de desejo sexual hipoativo. O transtorno é caracterizado por uma falta persistente de pensamentos em sexo, fantasias e vontade de ter uma relação sexual que prejudica a paciente ou suas relações. A queda no desejo também não pode estar associada à presença de doenças que interferem (a depressão é uma delas) ou ao consumo de compostos comprovadamente vinculados ao problema. O remédio deve começar a ser vendido nos Estados Unidos dentro de um mês. Não há previsão de seu lançamento no Brasil.

O anúncio de sua chegada provocou reações antagônicas. Defensores de sua utilização afirmam que a droga seria o maior avanço para a saúde sexual da mulher desde a introdução dos anticoncepcionais, na década de 1960. E que a Addyi representaria para a qualidade do sexo feminino o que o Viagra significou para a sexualidade masculina. De fato, a falta de libido é a principal queixa das mulheres – e a dificuldade de ereção a deles – e não havia nada até hoje que tivesse recebido a chancela do FDA para poder ser usado com a indicação de reverter o problema.

Porém, há questões importantes levantadas. A primeira se refere especificamente sobre a eficácia e segurança do remédio em si. A droga já havia sido rejeitada duas vezes pela FDA exatamente porque não havia atendido aos padrões da agência nesses dois quesitos. A vitória agora só foi alcançada depois da apresentação de novos estudos, totalizando a análise dos efeitos da medicação em onze mil mulheres.

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Os resultados mostraram que o medicamento aumentou o desejo, diminuiu o estresse causado pela perda do desejo e melhorou o índice de satisfação na vida sexual. Mas nenhum desses benefícios foi expressivo. “O estudo demonstrou algo pouco significativo”, afirma a psicóloga Iracema Teixeira, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana. Por isso, a crítica é a de que os efeitos foram pequenos demais diante do risco apresentado pelo remédio. Há efeitos colaterais mais brandos, como náuseas. No entanto, ele pode causar baixa perigosa de pressão arterial e desmaios. Também não pode ser tomado por quem consome álcool e/ou apresenta doenças hepáticas. Além disso, as principais organizações que pressionaram o FDA para liberar a pílula rosa receberam recursos da Sprout.

O outro aspecto é o questionamento sobre qual seria o impacto real de uma pílula para a melhora da vida sexual feminina. É preciso ficar claro que, assim como o Viagra não é a solução para todos os problemas da sexualidade masculina, a Addyi também não o será para as dificuldades femininas. São aspectos complexos demais para serem resolvidos com um comprimido. “Há muitos fatores que influenciam a sexualidade das mulheres”, diz Iracema. Condições clínicas, estresse, baixa autoestima e a qualidade da relação afetiva com o parceiro estão entre eles. “Desta forma, não se pode depositar no remédio a esperança de solução para a felicidade sexual.”