Depois dos yuppies e mauricinhos, surgem agora os bobos. Mas o sentido da palavra é muito diferente daquele conhecido pelos brasileiros. Bobo significa bourgeois bohemians ou burgueses boêmios. Com a primeira sílaba de cada uma daquelas palavras, o jornalista americano David Brooks criou o apelido. Com 38 anos, Brooks acaba de escrever o bestseller Bobos in paradise (Simon & Schuster), no qual explica essa atitude diferenciada entre os novos-ricos que não passam dos 45 anos. Eles querem um estilo de vida diferente. Pretendem transgredir sem agredir e gastar sem culpa o que ganham. Têm um pé na contracultura dos anos 60 e outro, bem acelerado, no capitalismo selvagem dos anos 80 e 90. Por exemplo, os bobos americanos compram jipões caros porque são veículos utilitários. Nesses carros, carregam seus equipamentos para praticar esportes radicais. Não querem ostentar automóveis parecidos com os dos pais, talvez um Mercedes esportivo. Seria fútil, embora eles também sejam fúteis. É uma maneira de eles se diferenciarem da geração anterior, mas, no fundo, são a mesma coisa em vitrines diferentes. Não compram caviar como a mãe, mas oferecem aos amigos um pão integral assinado por um padeiro famoso. O dinheiro gasto no pão será em prol de alguma causa política do Terceiro Mundo. Dessa forma, com uma tacada só eles se alimentam com fibras e ajudam os países pobres. Sentem-se generosos em sua opulência.

Esse mesmo tipo surge também por aqui. A incorporadora American Properties e seus associados resolveram construir um edifício de lofts luxuoso no bairro do Morumbi, em São Paulo. Antes de colocar em prática a idéia, a empresa fez uma pesquisa de mercado entre 500 pessoas. Queria saber se havia consumidor para esse tipo de empreendimento. Descobriu jovens entre 25 e 40 anos, independentes, exigentes e ricos. Era o perfil ideal para os moradores dos lofts. Tanto que, nos últimos 12 meses, foram lançados com sucesso mais de dez projetos com apartamentos integrados, perfeitos para solteiros, recém-casados ou recém-separados. Diante desses fatos, a American Properties colocou em prática seu projeto com a promessa de o edifício ficar pronto em dois anos.

Mania – Embora não seja possível determinar quantos são os solteiros endinheirados, a pesquisa revelou que essa parcela da população – equilibrada no pico da pirâmide social, a chamada classe A – está aflita por um espaço só seu, dentro de um estilo próprio de curtir a vida. O jeito loft de viver explica quase tudo. Essa idéia de moradia surgiu nos anos 50 e 60, quando jovens artistas de Nova York e Londres invadiram sótãos antigos e os transformaram em grandes apartamentos, que funcionavam também como ateliês. Hoje, o apê integrado é mania mundial entre a geração pós-yuppie. Como os brasileiros adoram qualquer coisa que venha da terra do Tio Sam, imitaram, de carona, o mesmo gênero. São bobos inconscientes, no sentido da sigla em inglês, que dificilmente terá uma tradução à altura. Como os bobos americanos, os brasileiros trabalham duro, mais de dez horas por dia, com muito prazer. As profissões mais em alta estão ligadas à informática, claro. Os bobos locais também querem um estilo de vida diferente do de seus pais. Nada de empregados, jardins para regar, quartos, copinhas e cozinhas separadas. Num loft, o quarto pode estar ou não dentro da sala e cozinha. Apenas o banheiro tem suas próprias paredes.

A maioria veio de família classe média alta e teve uma formação rígida. Eles estudaram em boas universidades, algumas fora do País. Falam bem inglês e se preocupam com o corpo: malham ou praticam esportes radicais. Gastam em viagens ao Exterior, adoram objetos de casa com design arrojado e a grife da roupa tem peso. Estão disponíveis, solteiros. Por enquanto. Um dia pensam em casar, mas primeiro desejam curtir a independência e o dinheiro que o trabalho lhes dá.

Independente – Paula Naomi, 33 anos, engenheira, solteira, comprou um dos apartamentos do Openhouse Loft Panamby, esse mesmo que a America Properties idealizou. Paula é um exemplo típico de jovem independente, sem mea-culpa. Ex-sócia da Academia Raia 4, de natação, Paula se encantou com o loft e mais ainda com a piscina de 25 metros, aquecida e coberta, ideal para nadar. Comprou 105 m2, com dois quartos para fazer de um deles o seu escritório, por R$ 235 mil.

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“Tem uma academia completa na área social e fica perto do parque Burle Marx”, explica Paula. “Que qualidade de vida melhor eu poderia ter em São Paulo?” Dois andares acima dela, vai morar outro engenheiro, Mário Sérgio Marchetti, 27 anos, que trabalha na internet. Fez curso na universidade de Harvard, em Boston, e na volta tentou morar com irmãos e irmãs, mas não se adaptou. Quer viver sozinho, ama seu trabalho, adora viajar, malhar, comprar roupas e fazer happy hour com amigos em bares da moda. Quando se mudar, vai reuni-los em volta do fogão de inox novinho em folha e cozinhar a sua especialidade: ravioli com recheio de mussarela de búfala. “Sou fera na cozinha”, assegura Mário. Foi pensando nos mestres-cucas que o chef Alex Atala projetou as cozinhas dos lofts. “Eles adoram pilotar um fogão”, afirma Atala. “É uma nova maneira de cortejar as moças.” Atala elaborou também várias receitas para os jovens gourmets – aquelas que enchem os olhos e passam a impressão de ter dado muito trabalho. A decoração dos apartamentos ficou a cargo da arquiteta Patrícia Anastassiadis, 29 anos. Logo que ela assumiu o projeto, percebeu um mercado enorme para essa geração, além dos lofts. Butiques femininas que vestem a mulher da cabeça aos pés e ainda decoram a casa – Patrícia é dona de uma delas – já são comuns. “Ninguém tem tempo para ir atrás de uma blusa numa loja, de sapato em outra e de sofá numa terceira”, conta ela.

A sala de fitness do luxuoso loft do Morumbi foi idealizada pelo treinador da seleção brasileira de triatlo Marcos Paulo Reis, uma grife na área. “Essa juventude faz esporte por prazer e saúde”, diz Marcos. Um de seus pupilos é Carlos Eduardo Carbone, 29 anos, engenheiro civil. Seu maior sonho? Construir um edifício de lofts, mais acessível, para morar sozinho e viver ao lado de amigos. Se ele conseguir realizar o seu objetivo, outra atleta de Marcos Paulo, a decoradora Yone Giannini, 29 anos, candidata-se a comprar um. “Por enquanto, moro sozinha numa casa de vila com meus dois cachorros”, conta ela. “Adoro a minha vida de solteira. Casar? Pode ser. Ainda não pensei nisso.”

Aos poucos, essa turma vai mudando os hábitos de toda uma geração privilegiada. “O problema do bobo”, decreta Brooks,
“é que a sua vida está dividida. Ele adota alguns programas da direita e outros da esquerda. O resultado é uma mistura ideologicamente vazia, que não leva a nada”. Para Brooks, essa atitude é global. Aqueles que pensam que tudo o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil são os primeiros a assumir a nova postura boba.


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