Há quase uma década a obra “O Retrato de Adele Bloch-Bauer I” é a principal atração da Neue Galerie, de Nova York, onde encanta os visitantes com a enigmática figura feminina coberta de folhas de ouro. A musa do pintor austríaco Gustav Klimt foi mulher de Ferdinand Bloch-Bauer, um industrial judeu que teve todos os bens confiscados pelos nazistas, inclusive a tela, durante a Segunda Guerra Mundial.

CULTURA-ABRE-IE.jpg
HERDEIROS
Maria Altmann (Helen Mirren) teve a ajuda do advogado Randol
Schoenberg (Ryan Reynolds), neto do compositor Arnold
Schoenberg para reaver o quadro

A trajetória do quadro, comprado pela Neue por US$ 135 milhões, é resgatada no filme “A Dama Dourada”, que entra em cartaz no Brasil na quinta-feira 13. A história é contada pela ótica da austríaca Maria Altmann (1916-2011), a herdeira que travou uma batalha judicial de oito anos contra o governo da Áustria para recuperar a pintura que Klimt fez de sua tia Adele.

“Embora tenha perdido tudo em Viena, inclusive a família, Maria nunca se deu por vencida. Foi um exemplo de sede de justiça e de perseverança”, disse a inglesa Helen Mirren, que interpreta a sobrinha dos Bloch-Bauer aos 80 anos.

Maria iniciou a luta para reaver a pintura, conhecida como a “Mona Lisa da Áustria’’, em 1998. O estopim do processo que devolveu o retrato à família Bloch-Bauer foi o trabalho do jornalista Hubertus Czernin, que revelou ao mundo a propriedade ilegal do quadro de Klimt. A obra permanecia na Galeria Belverere de Viena desde a recuperação da liquidação nazista na década de 1940, quando bens roubados foram, em parte, devolvidos. Czernin levantou que, em testamento datado de 1945, Ferdinand Bloch-Bauer, que não teve filhos, deixara a coleção Klimt para seus sobrinhos, incluindo Maria.

IE2384pag70e71_klimt-1.jpg

Foi um longo percurso até a herdeira ter seus direitos reconhecidos. As autoridades austríacas argumentavam que Adele Bloch-Bauer teria deixado uma carta, pedindo que as obras fossem doadas à galeria, antes de morrer, em 1925, aos 43 anos, vítima de meningite. Maria teve ajuda no processo judicial do advogado americano E. Randol Schoenberg, neto do compositor austríaco Arnold Schoenberg vivido no filme por Ryan Reynolds. “A briga de Maria nunca foi movida por dinheiro ou por sentimento de vingança. Em todas as declarações que deu, ela deixava claro que só queria fazer justiça e preservar a verdade sobre o que tinha acontecido com sua família”, afirmou o diretor de “A Dama Dourada’’, o britânico Simon Curtis (de “Sete Dias com Marylin”).

O longa-metragem lembra o infortúnio dos Bloch-Bauer, judeus que fizeram fortuna com fábricas de cana de açúcar e foram perseguidos assim que as tropas de Adolf Hitler ocuparam Viena. Maria, então com 22 anos, conseguiu sobreviver, fugindo com o marido (Fritz Altmann) para a Califórnia, nos Estados Unidos.

As cenas da família de antes da ascensão nazista – nas quais Maria é interpretada por Tatiana Maslany – são intercaladas pela luta da protagonista, já idosa, processando a Áustria. Não foi uma decisão fácil entrar judicialmente contra o seu país de origem, Maria o fez depois de muitas tentativas frustradas de obter do governo austríaco informações sobre sua herança. “O processo também foi uma forma de forçar a Áustria a assumir a responsabilidade por crimes de guerra. O país recebeu Hitler de braços abertos”, comentou o diretor do filme, Simon Curtis.

O final feliz de Maria só veio em 2006, quando as autoridades austríacas tiveram de devolver as cinco telas de Klimt aos herdeiros dos Bloch-Bauer – dos quais Maria era a porta voz. Com o leilão das obras, realizado pela Christie´s de Nova York, a família levantou mais de US$ 320 milhões – parte empregada no Fundação Maria Altmann, criada para apoiar o Museu do Holocausto, de Los Angeles.

IE2384pag70e71_klimt-2.jpg

Fotos: Robert Viglasky; Neue Galerie New York