Uma das sequências mais famosas da história do cinema, o banho da atriz sueca Anita Ekberg (1931-2015) na Fontana di Trevi, no filme “La Dolce Vita” (1960), de Federico Fellini (1920-1993), ajudou a cristalizar na imaginação de muita gente uma imagem romântica da capital italiana, Roma. O belo cenário onde a loura se banhou, enquanto chamava o galã Marcello Mastroianni (1924-1996), no entanto, atrai hoje visitantes bem menos nobres. No auge do verão europeu, a fonte, um dos principais pontos turísticos da cidade, foi invadida por ratos, que assustam os milhares de turistas que a visitam diariamente. À infestação de roedores somam-se outros problemas romanos, como o excesso de lixo nas ruas, por conta da ineficiência dos serviços públicos, os atrasos no transporte coletivo e os inúmeros escândalos de corrupção na administração da capital, que parece viver um dos piores momentos de sua história recente.

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Em julho, quem passeasse pelos parques da cidade ficaria surpreso com o estado de desleixo desses locais. Uma denúncia de corrupção na licitação responsável pela contratação de empresas para a manutenção de parques levou o prefeito Ignazio Marino a suspender o serviço. No mesmo mês, milhares de turistas e cidadãos romanos foram prejudicados por uma ação do sindicato de metroviários, que atrasou o intervalo entre os trens para protestar contra uma possível privatização. Em maio, um incêndio no aeroporto internacional Fiumicino, principal porta de entrada da Itália, fechou alas, que continuam inativas até hoje. Os três episódios são sintomas da degradação recente de Roma. Uma pesquisa da Comissão Europeia de 2013 aponta que a cidade figura em último lugar entre as 28 capitais europeias no quesito de eficiência dos serviços públicos. Já no aspecto qualidade de vida, alcança o 27º lugar, à frente apenas de Atenas, na Grécia.

“Roma está à beira do colapso”, diz Giancarlo Cremonesi, presidente da câmara de comércio da capital. “É inaceitável que uma grande cidade que se auto-intitula desenvolvida se encontre em tal estado de deterioração.” A mesma opinião parece ser partilhada por parte da população. No blog “Roma Fa Schifo” (“Roma é uma merda”, em tradução), cidadãos denunciam o excesso de lixo, obras malfeitas e outras mazelas da cidade. “Roma está a quilômetros de distância dos padrões de civilidade e decoro do Oeste”, diz Massimiliano Tonelli, fundador do site. “Vivemos em uma combinação de má administração, corrupção e burocracia.”

A corrupção, aliás, paralisou boa parte da administração pública. No início deste ano, um escândalo tornou público o fato de que vários contratos de licitação de serviços municipais teriam sido manipulados por membros da máfia, que desviaram milhões de euros do orçamento da capital. Até agora, trinta contratos, que abrangem desde a limpeza pública até a construção de abrigos para refugiados, estão sob investigação e devem ser cancelados e colocados novamente para licitação. Em 2014, em parte por causa dos desvios da máfia, Roma registrou um déficit orçamentário de 14 bilhões de euros (R$ 51 bi) e foi salva da falência graças a um fundo emergencial do estado. Muitas das denúncias de corrupção datam do mandato do prefeito anterior, Gianni Alemanno, que está sendo investigado. O atual prefeito Marino, no entanto, reconheceu em uma carta enviada ao jornal italiano “Corriere della Sera” que uma parcela da administração pública está “substancialmente contaminada”.

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A situação, que já não é a ideal, pode piorar no próximo ano. Em 2016, a cidade espera receber 25 milhões de peregrinos em resposta ao chamado do papa Francisco para o Ano Sagrado, um dos eventos mais importantes do calendário da Igreja Católica. Em 2014, Roma foi visitada por 10,6 milhões de turistas estrangeiros, menos do que os 11 milhões de 2013, e nem sempre esses visitantes saem de lá com uma boa impressão. Apesar de ser uma das cidades mais procuradas da Europa, a capital italiana apresenta um dos menores índices de visitas repetidas.

Sobre a invasão de ratos na fonte mais famosa da cidade, o município garantiu que está adotando medidas para minimizar a infestação, e culpou a chegada dos desagradáveis visitantes ao calor extremo que o país enfrentou em julho, quando os termômetros chegaram a marcar 37 graus Celsius, e às obras de revitalização, bancadas pela grife de luxo italiana Fendi, que devem durar até outubro deste ano. Até lá, turistas e moradores esperam que a opulência dos monumentos, igrejas e fontes romanos não tenha mais de conviver lado a lado com os problemas que enfeiam uma das cidades mais belas do mundo. “Roma hoje é bem parecida com a Nova York dos anos 1990, suja e corrupta”, diz Massimiliano Tonelli. “Mas é possível mudar. Essa situação não é irreversível.”

Fotos: ANDREAS SOLARO/AFP