Faz um ano que o mercado financeiro começou a viver seu momento de ouro e se tornar mais atraente para a nova classe média chinesa concentrada nos centros urbanos. Nesse período, as corretoras se multiplicaram e dobraram o volume de ativos que negociam. Apesar da desaceleração da economia, os juros baixos, a fraca remuneração das aplicações tradicionais e a ampla propaganda estatal estimularam tanto a entrada de novos investidores que, nos 12 meses até junho, a bolsa de Xangai acumulou alta de 150%. Desde então, porém, ela já perdeu um terço de seu valor, puxando a desvalorização das empresas listadas em mais de US$ 3 trilhões. O baque piorou na segunda-feira 27, quando o principal índice da bolsa de Xangai caiu 8,5%, o maior recuo diário desde 2007. Naquele dia, o centro nacional de estatísticas havia anunciado que o lucro da indústria, que subiu em abril e maio, havia caído em junho. Os sinais confusos enviados pela maior economia do mundo colocaram os analistas em alerta para o estouro de uma bolha.

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DESPESPERO
Investidores lamentam a queda das ações: perdas de US$ 3 trilhões

O governo chinês, como fez com a recente ameaça de bolsa imobiliária, tentou intervir. Comprou mais ações, suspendeu temporariamente novas aberturas de capital (IPOs na sigla em inglês), criou um fundo bilionário de estabilização do mercado e proibiu alguns acionistas de vender seus papéis nos próximos seis meses. “A regulação permite ao Estado fazer intervenções que consideraríamos inaceitáveis no Brasil”, afirma o economista Mauro Rochlin, professor da Fundação Getúlio Vargas. “As bolsas ocidentais refletem muito mais as expectativas dos agentes econômicos do que a vontade política de um governo. Na China, acontece o oposto.” Um relatório do Banco Mundial, divulgado no começo de julho, concluiu que o Estado foi além de seu papel como regulador e apontou a necessidade urgente de reformas. “O sistema financeiro não tem mais contribuído efetivamente para o crescimento da economia”, diz o diagnóstico. Na terça-feira 28, a Comissão Reguladora de Valores Mobiliários do país abriu uma investigação para apurar se o tombo foi coordenado de forma “maliciosa” por um grupo de grandes investidores individuais. Na quinta-feira 30, porém, as ações continuaram em baixa em Xangai e Shenzen.

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Na China, dois terços dos novos investidores não têm o Ensino Médio completo. Ann Lee, especialista em economia chinesa e professora da Universidade de Nova York, os compara com frequentadores de cassinos em busca de ganhos de curto prazo. “A elite investe no mercado imobiliário e em private equity e venture capital”, disse à ISTOÉ. “Os acionistas da bolsa são, em geral, menos sofisticados e pouco versados em demonstrações e modelos financeiros.” Por isso, Ann acredita que as oscilações do mercado de agora podem ter consequências mais duradouras. Sem experiência nem capital para resistir a grandes desvalorizações, é provável que os chineses vendam suas ações na baixa e nunca mais retornem ao mercado. Mesmo assim, isso corresponde a uma pequena parcela da população, o que limita também o possível impacto que o colapso da bolsa teria no consumo das famílias. Além disso, o setor financeiro não chega a um terço do Produto Interno Bruto (PIB), uma fração muito menor que em países desenvolvidos.

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Como a participação de estrangeiros nas bolsas chinesas é limitada – só 1,5% das ações estão nas mãos deles –, o risco de contágio para outros países ainda é pequeno. Para alguns economistas, porém, há o que temer. Qualquer crise na China, maior importadora de commodities do Brasil e do resto do mundo, pode afetar o preço de produtos vitais para balança comercial brasileira, como soja e minério de ferro. Isso já está acontecendo. A sensação de que a economia chinesa está menos aquecida (o PIB deve avançar 6,8% em 2015, segundo o Fundo Monetário Internacional) ajudou a desvalorizar as moedas emergentes, incluindo o real, e a encarecer o dólar. Para piorar, a receita das exportações à China tem caído. No acumulado até junho, ela foi 22,6% enor do que no mesmo período do ano passado. Esse pode ser só o início do risco chinês.

Foto: AP Photo/Mark Schiefelbein