Mais do que a linha dos prédios espelhados da avenida Paulista, a imagem que os visitantes têm de São Paulo é a de duas vias castigadas com congestionamentos diários, seguindo o curso de rios infestados de poluição e emparedados pelo concreto. Não é de se estranhar, portanto, que o prefeito da capital, Fernando Haddad, tenha criado uma celeuma quando resolveu diminuir o limite de velocidade das marginais Tietê e Pinheiros, as mais importantes da cidade. A prefeitura diz que baixou a máxima em até 20 km/h para fazer cair o número de acidentes. Além do benefício em vidas, as autoridades justificam que batidas, despesas médicas e perda de produtividade jogaram fora R$ 189 milhões nos últimos três anos. A população, porém, está longe de se convencer com os argumentos. A seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com ação civil pública na Justiça e o Ministério Público abriu inquérito contra a mudança. Qualquer que seja o resultado das iniciativas, de acordo com especialistas de trânsito ouvidos pela ISTOÉ, a redução não é a melhor maneira de alcançar os efeitos desejados. “Entendo que essa medida foi tecnicamente incorreta”, afirma o engenheiro Decio Assaf, membro da comissão de segurança veicular da SAE Brasil, associação especializada em mobilidade no País. O fato é que, diante de um sistema de transporte público falho e uma política de mobilidade equivocada, muitos paulistanos usam carros, mas têm sido penalizados pela administração municipal.

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As marginais já são vias seguras em comparação com o restante da cidade. Campeãs de movimento e de acidentes fatais no município, em termos proporcionais, no entanto, a figura é diferente. Estima-se que 1 milhão de veículos passem por lá diariamente. Todos os dias, 13% da frota paulistana viaja pelas duas avenidas expressas, mas só 5% dos acidentes com morte aconteceram ali em 2013. Velocidades menores fazem a gravidade dos choques diminuir, mas a experiência com ruas que sofreram redução durante a administração de Gilberto Kassab, o prefeito anterior, mostra que as mortes apenas crescem menos nesses casos. Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), das 50 avenidas que mais matam na cidade, os acidentes fatais em vias que tiveram limite reduzido aumentaram 7% de 2010 a 2014. Nas demais, a subida foi de 15%. O número de problemas não caiu, apenas cresceu um pouco menos. “Se quisermos acabar com todos os mortos é só tornar a velocidade zero. Temos que pensar é nos motivos que aumentam o numero de fatalidades”, diz Assaf.

Em 2010, foi proibida a entrada de motos na pista expressa da Marginal Tietê – apesar de muitos motociclistas desobedecerem essa regra. Desde então, as batidas com mortes diminuíram de 56 para 39 em 2014, uma queda de 30% (nas outras vias houve aumento médio de 10%). Na Marginal Pinheiros, a proibição não existe e o número de mortos subiu de 23 para 33 (mais 43%). Ou seja, ampliar determinações existentes melhora mais a situação do que implementar novas mudanças. Motociclistas costumam, ainda, desrespeitar os limites, já que muitos radares não os multam. Nas marginais, só 8 de 65 deles flagram motos entre faixas. “Eles ficaram com sensação de impunidade”, afirma Geraldo Simões, diretor da escola de pilotagem Academia Brasileira de Trânsito (Abtrans).

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SINAL VERMELHO
Prefeito de São Paulo, Fernando Haddad: decisão de reduzir a velocidade
nas vias expressas está contrariando a população

Um estudo conduzido pelo Hospital das Clínicas em 2013 concluiu que, em 23% dos casos de batidas de motos, os condutores não têm sequer habilitação. Em 71%, eles estão acima da velocidade. A prefeitura justificou a redução das marginais como uma forma de proteger os mais vulneráveis, que além das motos incluía pedestres. As vítimas seriam os ambulantes que vendem produtos em congestionamentos. “Faltou pesquisar os locais de maior atuação e bloquear o acesso”, afirma Assaf. De que adianta alterar as leis se quem provoca boa parte dos acidentes já desrespeita as regras sem medo da fiscalização?

Para reduzir o número de batidas em São Paulo, é preciso estimular a educação através de incentivos, não de punições, afirmam os especialistas em trânsito. Um exemplo seria dar descontos nos impostos veiculares aos condutores que não levassem multas nem se envolvessem em choques. Habilitação, fiscalização e bons exemplos precedem a penalidade, mas nada disso parece ser prioridade para as autoridades municipais, estaduais e federais. “A educação de uma cidade é mostrada pelo número de semáforos e lombadas. Você precisa forçar o cidadão a se comportar. Tem lugares em que praticamente não há farol. Já o número de sinais em São Paulo não é normal”, afirma Simões, da Abtrans.

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