Até 2014, o Brasil vivia um salto científico. Em 20 anos, passou do 24º para o 13º lugar entre os países com maior número de pesquisas produzidas, tendo passado à frente de nações como Suíça, Suécia e Holanda. Alcançou visibilidade no meio acadêmico internacional e pavimentava um futuro ainda mais animador. Um ano depois, essa perspectiva está abalada. No âmbito do contingenciamento financeiro na pasta da educação, universidades brasileiras têm sofrido com um corte de 75% na verba federal destinada ao custeio das pesquisas em cursos de mestrado e doutorado, chegando ao cúmulo de os próprios pesquisadores precisarem comprar material de laboratório, como luvas e reagentes químicos. Além disso, a diminuição do repasse compromete outras necessidades na formação de mestres e doutores, como subsídio ao trabalho de campo e participação em congressos e verba de convites para formação de bancas. “Os últimos anos foram de incentivos. Mas, hoje, vivemos uma turbulência”, afirma Isac Almeida de Medeiros, presidente do Fórum de Pró-Reitores de Pós-Graduação e Pesquisa (Foprop). A perspectiva é que as consequências sejam sentidas em dois ou três anos, tempo médio de produção de uma pesquisa. “Se o corte persistir, vamos ficar para trás.”

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PANE
Alan Ambrosi, doutorando em Engenharia Química: "É triste ver que a
pós-graduação brasileira tenha entrado nesse colapso"

O corte no repasse atinge diretamente o Programa de Apoio à Pós-Graduação (Proap), administrado via universidade e subsidiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A diminuição de 75% anunciada pela Capes em julho pegou as administrações das federais de surpresa, uma vez que as instituições trabalham com um planejamento financeiro para o ano com base nos gastos e na previsão de repasse do governo. Há, inclusive, casos extremos, como a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Lá, o repasse diminuiu de R$ 4,27 milhões para R$ 1,07 milhão. Somente os gastos já empenhados somam R$ 2,02 milhões, o que deixa a instituição no vermelho. Sem encontrar outra saída, a decisão foi paralisar as pesquisas. Em outras universidades, o dinheiro, que normalmente era enviado no mês de fevereiro ou março, nem chegou. “Os programas que obtiveram nota 6 da Capes ainda não receberam recurso algum neste ano”, afirma Edilson Silveira, pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a contenção é tamanha que as defesas de tese e dissertação não têm mais verba para pagar diárias de professores de fora da instituição para participação em banca, sendo que ter pelo menos um discente externo é item obrigatório na maioria dos cursos. A solução tem sido realizar conferências via Skype. Aluno de doutorado em engenharia química na mesma universidade, Alan Ambrosi, 30 anos, viajou para Boston, nos Estados Unidos, para apresentar um trabalho em um congresso. O auxílio financeiro no valor de R$ 3.822,67 havia sido aprovado para ele e outra colega, mas seria repassado somente após a viagem. “Tivemos a infelicidade de retornar e ouvir que não havia sinais de ressarcimento do valor aprovado. As contas de inscrição, passagens, diárias chegam e nos desdobramos para poder pagá-las”, afirma. A bolsa para um doutorando é de R$ 2,2 mil e, para mestrando, é de R$ 1,5 mil. Mas esses valores são destinados a gastos pessoais básicos, como moradia, alimentação e transporte. Para Guilherme Rollim, coordenador geral da associação de pós-graduandos da UFRGS, uma vez que existe a exigência de apresentar trabalhos em eventos para concluir a formação, o corte de verbas para viagens comprometerá a conclusão de trabalhos, além de impedir pesquisas de campo. “Pagaremos para trabalhar.”

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Em nota, a Capes assegura o repasse de R$ 2,52 bilhões para o fomento do sistema nacional de pós-graduação em 2015. Cerca de R$ 2 bilhões serão destinados às bolsas, que não sofrerão nenhum arrocho. Os 8% a menos no repasse da Capes são referentes justamente ao corte nas verbas de custeio, os 75% a menos que têm tirado o sono de mestrandos e doutorandos, segundo o Foprop. “Entendemos que o governo preferiu manter as bolsas em detrimento do custeio da pós-graduação, mas esses gastos são imprescindíveis”, afirma Gustavo Henrique Rigo Canevazzi, 27 anos, aluno de doutorado em ciências fisiológicas da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e diretor da Associação Nacional de Pós-Graduandos.

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Foto: Marcos Nagelstein/Ag. Istoé 


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