Desde que anunciaram a intenção de retomar as relações diplomáticas, no fim do ano passado, depois de um hiato de mais de 50 anos, Estados Unidos e Cuba têm dado poucos, mas grandes passos. A retirada do embargo econômico à ilha ainda está longe de ser aprovada pelo Congresso americano e os irmãos Castro não devem deixar o poder pelo menos nos próximos três anos. Na semana passada, contudo, mais um gesto se tornou histórico. A Embaixada de Cuba em Washington e a dos EUA em Havana foram reabertas pela primeira vez desde 1961, apagando os últimos resquícios da Guerra Fria no continente. “Depois de tanto tempo, quem estava isolado eram os EUA”, disse à ISTOÉ o ex-diplomata Wayne Smith. “Éramos o único país que não tinha diálogo com Cuba e isso era um embaraço para nossa diplomacia.” Smith trabalhava na Embaixada americana quando ela foi fechada e, 18 anos depois, voltou para Cuba como chefe de missão da Seção de Interesses dos EUA. Nas próximas semanas, é a vez de o secretário de Estado americano, John Kerry, desembarcar em Havana e hastear a bandeira estrelada por lá.

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DEPOIS DE 54 ANOS
Soldados hasteiam a bandeira de Cuba na reabertura
da Embaixada em Washington

Agora as duas nações, separadas por apenas 140 quilômetros de distância, poderão debater seus problemas sem intermediários – durante os anos de rompimento, foi a Suíça quem assumiu o papel de mediadora. Na agenda, além do fim do embargo que custou a Cuba mais de US$ 1 trilhão nas últimas cinco décadas, estão questões políticas não menos complicadas. Uma delas é o destino da prisão militar de Guantánamo, localizada em território cubano. Inaugurada em 2002 pelo então presidente George W. Bush para receber suspeitos de terrorismo, a penitenciária é um imbróglio jurídico com mais de 100 homens detidos sem nunca terem sido julgados. A solução para Guantánamo é tão complicada quanto uma transição democrática na ilha caribenha como contrapartida. Um artigo do jornal oficial do Partido Comunista, o Granma, sobre a retomada das relações bilaterais enfatiza que os americanos não podem esperar nada em troca, porque “Cuba não aplica nenhuma sanção aos EUA, não tem bases militares em território americano nem promove a mudança de regime”. Assim, o país não estaria disposto a “renunciar a seus ideais de independência e justiça social, nem ceder um milímetro na defesa da soberania nacional.”

Apesar do tom duro, a retórica antiamericana que dominou o discurso de Fidel Castro e seus companheiros revolucionários durante tantos anos tem arrefecido. Segundo o historiador cubano Armando Chaguaceda, os cubanos não têm uma visão hostil em relação aos EUA. “Cuba é culturalmente um dos povos mais americanizados do hemisfério ocidental”, afirma. Ele cita o fato de que muitos cubanos se sustentam com o dinheiro enviado por familiares que emigraram para o vizinho capitalista. Desde 1990, mais de 500 mil cubanos fizeram esse caminho e hoje a comunidade cubana-americana soma mais de 2 milhões de pessoas, segundo o instituto Pew Research. Nas prévias do Partido Republicano para a eleição presidencial do ano que vem, há ao menos dois cubano-americanos na disputa pela nomeação.

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HISTÓRIA
Fidel Castro participa de Assembleia Geral da ONU
em 1960. Depois o tom mudou

Esse cenário seria inimaginável alguns anos atrás, quando a abordagem americana era bem menos amigável. O ponto mais crítico da história ocorreu em 1962. Cuba ficou no epicentro da Crise dos Mísseis, uma disputa entre os EUA e a ex-União Soviética que colocou o mundo à beira de uma guerra nuclear. Com a escalada das agressões mútuas, os agentes secretos americanos não pouparam criatividade para tentar matar Fidel. Os mais incríveis artifícios, de charutos e conchas explosivas a uma roupa de mergulho infestada de fungos, falharam. As tentativas de assassinato chegaram a 638 nos cálculos de um antigo segurança de Fidel, Fabian Escalante, e o líder revolucionário permanece vivo aos 88 anos. Nos anos 90, já livre da ameaça soviética, o então presidente Bill Clinton ensaiou uma reaproximação. Mas, buscando a reeleição, o democrata teve que recuar depois da derrubada de dois aviões em espaço aéreo cubano. Com Bush, a relação esfriou de vez. A chegada de Obama à Casa Branca coincidiu com a ascensão de Raúl Castro, que já dava os primeiros passos rumo à flexibilização do comércio e da propriedade privada numa tentativa de reanimar a economia da ilha. Talvez o maior mérito de Obama tenha sido reconhecer que a política do embargo, afinal, falhou no objetivo principal. Os irmãos Castro e o Partido Comunista continuam no poder. É tempo de um duro recomeço.

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Foto: AFP PHOTO / POOL / ANDREW HARNIK