A visão de um crocodilo enfurecido, movendo-se em sua direção com rapidez, já é por si só assustadora, não fosse por um detalhe. Em sua ira, o monstrengo movimenta o pescoço em círculos, como um cavalo bravio, e morde o ar, como se desafiasse a presa potencial. O impacto de suas mandíbulas, batendo uma contra a outra, produz um estampido seco, lembra um tiro e atiça o ruidoso bando de araras que sobrevoa as margens escuras e poluídas do rio Tárcoles, na região centro-oeste da Costa Rica. Lugar onde é possível encontrar cerca de 80 crocodilos – navegando-se não mais do que dois quilômetros – certamente pouco incomodados com os elevados níveis de toxinas que infestam as águas. A poucos metros do bicho, na margem, alguns homens estão calmos como num piquenique de domingo. Um deles é o americano Paul Sereno, 44 anos, paleontólogo e professor do departamento de anatomia e biologia da Universidade de Chicago e membro residente do programa Explorer da National Geographic Society. Sereno – eleito em 1997 pela revista People um dos homens mais bonitos do planeta – acrescentou mais um feito a seu currículo científico, reconhecido recentemente pela prestigiosa revista americana Science. No ano passado, encontrou o fóssil e parte do esqueleto de um crocodilo gigante no deserto de Ténéré, no Níger, país ao norte da Nigéria, na África. Um réptil do período Cretáceo, de 110 milhões de anos, que chegava a 12 metros quando adulto, o tamanho de um ônibus escolar, pesava dez toneladas e tinha uma boca de dois metros capaz de engolir pequenos dinossauros. Da mesma forma como os crocodilos americanos, objeto dos estudos de Sereno na Costa Rica, dilaceram um boi. “Nunca tínhamos visto nada parecido”, diz Sereno. Ao encontrar as mandíbulas fossilizadas do tamanho de um humano adulto, estranhou não se tratar de um dinossauro, mas de um “colossal crocodilo”.

Réplica – Descoberta que o levou a se unir ao herpetólogo Brady Barr, especialista no estudo de répteis, mestre em ciência e doutor em biologia pela Universidade de Miami. A dupla protagoniza o documentário SuperCroc, que será exibido pelo canal pago National Geographic em 133 países no domingo 9 de dezembro, às oito da noite, e reprisado no mesmo horário, no sábado 15 de dezembro. Com um título que pode soar bem nos países de língua inglesa, mas diz muito pouco aos brasileiros, o programa sobre o supercrocodilo registra todas as etapas da descoberta arqueológica de Sereno, enriquecido por uma viagem através de colônias de crocodilos na Índia e Costa Rica, encerrando-se no Colorado, nos Estados Unidos. É lá que foi feita a réplica que reproduz em tamanho natural o Sarcosuchus imperator, nome científico do bicho achado em Níger. A réplica possui 10,97 m de comprimento e começa a ser exposta no México na terça-feira 6, chegando ao Brasil no ano que vem. Para idealizar e moldar a estrutura, o cenógrafo Gary Staab, o mesmo do desenho Dinossauro, dos estúdios Disney, gastou duas toneladas e meia de argila, revestida por resina de poliéster e fibra de vidro e levou 2.200 horas de trabalho.

Ainda que seja festejada com totens modernos, a descoberta de Sereno não é exatamente inédita. Em 1966, paleontólogos franceses encontraram um fóssil semelhante, mas o de Sereno tem a vantagem de ser mais completo. Não por acaso a primeira cena do documentário focaliza um encontro de Sereno e Barr nas areias do deserto de Níger. A partir daí, se inicia a aventura científica à frente de crocodilos vivos. Um teste de fogo para o paleontólogo, acostumado a peregrinar pelas mais remotas regiões do planeta à caça de fósseis, mas que viveu uma experiência no mínimo extravagante diante de animais vivos e nada dóceis. “Crocodilos gigantes como estes são como uma bomba-relógio esperando para explodir. Eles ficam exaustos, mas depois recarregam as baterias, explodem, e aí você tem um carnívoro de uma tonelada ficando louco”, diz Barr, diante da câmera digital de um cinegrafista do National Geographic Channel, que acaba de registrar sua façanha: capturar um crocodilo americano macho com cerca de cinco metros de comprimento, arrastá-lo até a margem e fixar um chip em seu dorso para monitorar a ação do animal a distância, como parte de um projeto de preservação da espécie que conta ainda com a ajuda do cientista costa-riquenho Juan Bolanos.

Caçada – Além de ajudar, e muito, nas caçadas, Bolanos coordena um projeto de conscientização voltado para crianças, para coibir a matança indiscriminada dos crocodilos. Depois de atacar e devorar o gado – embora sua alimentação seja à base de tartarugas e peixes – cerca de 70 répteis foram abatidos a tiros este ano na região. Os casos de ataques fatais contra seres humanos são mínimos e, nos últimos tempos, só se tem o registro de duas mortes. Sereno, Barr e Bolanos quase aumentaram as estatísticas numa madrugada em que navegavam pelo rio costa-riquenho Tárcoles, apontando fachos de luz em direção aos olhos dos crocodilos. O motor do bote inflável pifou e os três ficaram à deriva, sendo obrigados a descer do barco e a nadar para chegar à margem. Sob a mira de inúmeros e nada amistosos crocodilos.

Durante o dia, as caçadas eram menos perigosas, mas não menos excitantes. Para dar um charme a mais ao programa, Sereno e Barr corriam pela margem do rio, seguindo as instruções de um diretor. Apesar do momento fake, o esforço é bem realista. Barr laça o focinho do crocodilo do alto de uma ponte, usando uma corda de metal. Sua pontaria é exemplar. Com o bichão preso, Barr desce até a margem e arrasta o crocodilo para terra firme. Os olhos do réptil são cobertos, e assim ele fica imóvel. Sereno e Barr fazem suas observações e minutos depois soltam o crocodilo, que fulmina seus algozes. Uma cena que mete medo. Mas o pesadelo certamente era muito maior há 110 milhões de anos, quando o crocodilo tinha o tamanho de um ônibus e emboscava dinossauros. Seja como for, seus antepassados continuam a esbanjar uma enorme capacidade de sobrevivência. Ainda que seja suspeito, Barr os considera os animais perfeitos. Há, como se vê, gosto para tudo.

 

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