Em pontos opostos da diplomacia global, Estados Unidos e Irã ficaram 34 anos num constante estado de tensão até que, em novembro de 2013, voltaram a conversar. À época, a república islâmica era acusada de investir num programa nuclear capaz de construir a bomba atômica em apenas um mês e meio. O governo persa sempre disse que enriquecia urânio para fins pacíficos, mas depois que o radical Mahmoud Ahmadinejad foi substituído pelo moderado Hassan Rouhani na presidência, o discurso ganhou mais credibilidade. Vizinho do Afeganistão e do Iraque, o Irã é peça fundamental para o equilíbrio de forças do Oriente Médio. Por isso, o acordo nuclear firmado na semana passada com EUA, Grã-Bretanha, China, França, Rússia e Alemanha tem dimensão histórica. Depois de quase dois anos de um trabalho meticuloso de diplomacia e três adiamentos, o Irã aceitou limitar o enriquecimento de urânio e receber inspeções periódicas da Agência Internacional de Energia Atômica. Sem a bomba, que poderia protegê-lo de Estados considerados inimigos, como Israel e Arábia Saudita, mas sem as sanções econômicas que lhe foram impostas nos últimos anos, o país poderá retomar sua economia.

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A VIDA VAI MELHORAR
Jovens foram às ruas de Teerã na terça-feira 14 comemorar o fim das sanções

As negociações foram cercadas de desconfiança e ceticismo. Em 2012, o teórico americano de Relações Internacionais Kenneth Waltz escreveu um artigo argumentando que punir um Estado com sanções econômicas não desmontaria seu programa nuclear e dava como exemplo a Coreia do Norte. “Adicionar mais sanções poderia fazer o Irã se sentir ainda mais vulnerável, dando-lhe mais razão para se proteger”, disse. Apesar da censura internacional, Teerã continuou a desenvolver sua infraestrutura nuclear. E isso teve um alto impacto financeiro. Estima-se que as medidas tenham custado ao país cerca de US$ 5 bilhões por mês só no setor de petróleo. “As sanções foram muito onerosas para a sociedade iraniana como um todo e criaram as condições para a assinatura desse acordo”, disse à ISTOÉ Firoozeh Kashani-Sabet, professora de história do Irã da Universidade da Pensilvânia, nos EUA. “As pessoas têm dificuldade de acesso a alguns medicamentos e até para enviar dinheiro a familiares no exterior.” Há três anos, o país foi banido do sistema financeiro internacional. Agora mais de US$ 100 bilhões em ativos retidos no exterior serão descongelados, trazendo alívio à população e às empresas lá instaladas.

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MODERADO
O presidente Hassan Rouhani participou das conversas com os EUA

A retomada nas relações colocará o Irã de volta no mercado petroleiro, o que trará ganhos com exportações, e poderá impulsionar os já robustos setores de tecnologia, cheio de start-ups, e de infraestrutura e construção. Mais do que isso, o país é atraente para os investidores estrangeiros porque tem grande potencial enquanto mercado consumidor. Com quase 80 milhões de habitantes, o Irã tem uma das sociedades mais educadas do mundo. Segundo dados da Unesco (agência das Nações Unidas para a educação), 85% dos adultos são alfabetizados e 99% das crianças estão matriculadas em escolas primárias, índices bem acima da média da região.

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Para o britânico-iraniano Farhang Jahanpour, diretor da Transnational Foundation for Peace and Future Research, de Lund, na Suécia, os olhos do Conselho de Segurança da ONU e da comunidade internacional devem voltar-se agora a Israel. “Os israelenses têm utilizado a ameaça das armas nucleares iranianas tanto para expandir seu controle sobre os territórios palestinos quanto para expandir seu considerável arsenal nuclear”, escreveu em artigo. “Com o fim da ameaça iraniana, não há mais desculpa para Israel manter suas armas de destruição em massa.” O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, discorda. Logo após o anúncio do acordo, ele o classificou como um “erro histórico”.

Fotos: Atta Kenare/AFP Photo; Iranian Presidency/AFP; Isna, Hamid Forautan/APP Photo