Nada como uma boa negociação para acalmar os nervos dos poderosos. Há cinco meses, quando ISTOÉ divulgou uma gravação contendo conversas do juiz Nicolau dos Santos Neto, uma tempestade despencou sobre o Palácio do Planalto. Conhecido como Lalau e foragido há quase três meses, o juiz contava em conversas gravadas um pouco dos caminhos trilhados para desviar dos cofres públicos R$ 169,5 milhões e revelava a participação do ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge no esquema milionário. Essa revelação provocou a mais tensa reunião ministerial do governo de Fernando Henrique Cardoso. Num encontro de emergência, o presidente e dez ministros discutiram longamente o melhor caminho para enfrentar a crise política. “O clima estava desagradável, mas quem está no fogo é para se queimar”, resumiu, na época, o ministro da Agricultura, Pratini de Morais. Pode parecer contraditório, mas na última semana, depois que Lalau finalmente foi preso, o Palácio do Planalto entrou em temporada de calmaria.

A explicação é simples. O juiz, que ocupou por 228 dias o topo da lista dos mais procurados do País, não se entregou de graça. Durante quase um mês de negociações para a rendição, o advogado de Nicolau, Alberto Zacharias Toron, insistiu na tecla de que seu cliente não usaria algemas, não seria exposto à opinião pública e receberia um tratamento privilegiado na cadeia. Em troca, o governo queria mais do que a prisão do procurado. O que interessava mesmo era o silêncio do ex-juiz. O foragido teria que se preocupar exclusivamente em se defender das acusações, sem jamais revelar seus parceiros de falcatrua. Tudo indica que o acordo está sendo cumprido e isso é o que justifica a calmaria no Planalto. Ao saber da prisão de Nicolau, Eduardo Jorge declarou que não tinha motivos para perder o sono e até arriscou um palpite jurídico. Disse que ele deveria ser beneficiado com prisão domiciliar. No sábado 9, o presidente Fernando Henrique também deu seu recado. “Não vamos dar bola para o Lalau. Deixe que a polícia cuide dele”, sugeriu, no Palácio dos Bandeirantes, depois de visitar o governador Mário Covas.

Privilégios – Na sexta-feira 8, após indicar o delegado que faria sua prisão, Nicolau foi preso sem ser algemado e contou com a ajuda da Polícia Federal para não ser exposto à opinião pública. Em vez de dividir a cela da Casa de Custódia com outros presos, ocupa uma sala que a polícia usava para armazenar cocaína apreendida de traficantes. Por toda a semana, recusou-se a comer o que lhe era oferecido pela polícia e se alimentou basicamente com as frutas enviadas pela família. Na quarta-feira 13, foi a vez de Nicolau começar a cumprir a sua parte no acordo. Menos de 24 horas depois de ter um habeas-corpus negado pelo Superior Tribunal de Justiça, ele prestou depoimento ao juiz Casem Mazloum, da 1ª Vara da Justiça Federal em São Paulo. “Não revelou nomes, não contou fatos novos e negou todas as acusações”, afirmou a procuradora-chefe da República em São Paulo, Janice Ascari. “Disse que o dinheiro que tem no Exterior é parte de uma herança familiar.”

Não foi um depoimento normal. Nicolau nem sequer saiu do casarão que abriga a custódia da Polícia Federal, no bairro de Higienópolis. O juiz Mazloum é que se deslocou da sede da Justiça Federal, no centro, para ouvir as explicações pouco convincentes do ex-presidente do TRT paulista. “Não foi nenhum privilégio. A decisão de ouvi-lo na polícia foi tomada para evitar tumulto no trânsito e por razões de segurança”, disse Mazloum. O juiz acusado encarou de outra forma. Tanto é que ao terminar seu depoimento chegou a agradecer Mazloum “pela gentileza”. As regalias de Lalau, no entanto, não se resumem ao comparecimento do juiz Mazloum na Casa de Custódia da PF. Antes mesmo de ter início o depoimento, todas as portas e janelas do casarão de Higienópolis foram fechadas para impedir qualquer possibilidade de ele ser filmado ou fotografado, ainda que a distância. O depoimento durou cerca de 90 minutos. Lalau disse que não tem nenhuma relação com o ex-senador Luiz Estevão, acusado de participar do superfaturamento do TRT paulista. Afirmou que apenas telefonou poucas vezes ao ex-senador, para se solidarizar no sequestro de sua filha, para cumprimentá-lo pela eleição ao Senado e para parabenizá-lo em seu aniversário. O juiz também afirmou que “nunca recebeu recursos” do ex-senador.

O homem responsável por um rombo de R$ 169,5 milhões permaneceu calmo, respondeu às perguntas do juiz de forma educada e não se emocionou em nenhum momento. “Não existe acordo nem privilégio”, diz Alberto Toron, advogado de Nicolau. A lei é clara ao determinar que os presos primários portadores de diplomas universitários tenham direito à prisão especial. O tratamento dispensado a Lalau, no entanto, não é comum, mesmo para os chamados criminosos de colarinho branco. Paulo César Farias, o ex-tesoureiro de Fernando Collor, foi algemado. O ex-senador Luiz Estevão, que tem contra si um pedido de prisão ainda em andamento, passou boa parte da semana sendo ruidosamente perseguido por agentes da Polícia Federal pelas ruas de Brasília e chegou a receber diversas ovadas na rua, quando precisou depor em São Paulo, no prédio da sede da Justiça Federal.

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Pressão – Nada garante que a calmaria instalada no Palácio do Planalto dure para sempre. Não há nenhum indício de que o Ministério Público tenha feito qualquer tipo de negociação. E as investigações não se resumem ao que possa ou não declarar o juiz Nicolau. Na semana passada, os procuradores começaram a apertar o cerco sobre aqueles que teriam ajudado o juiz Nicolau a permanecer tanto tempo foragido. Nesse período, a Interpol do Uruguai chegou a rastrear mais de 50 telefonemas daquele país para familiares de Lalau em São Paulo. Os homens da polícia internacional jamais conseguiram, no entanto, alcançar Lalau, que teria passado pelo país em companhia da mulher, Maria da Glória Bairão dos Santos. “Em Punta del Este localizamos um edifício onde o casal esteve hospedado, mas quando chegamos Nicolau e sua mulher haviam abandonado o local menos de duas horas antes”, diz o policial Carlos Sosa, um dos responsáveis pelo escritório da Interpol no Uruguai. Sosa garante ainda que a Interpol também rastreou ligações feitas por pessoas vinculadas a Lalau para hotéis da região de Rivera e até para telefones públicos do balneário de Piriápolis. Na sua opinião, o juiz aposentado teria contado com o apoio de profissionais especializados em ocultar foragidos.

Em São Paulo, a Polícia Federal está convencida de que o advogado Francisco Antonio Azevedo foi peça-chave na rede de proteção montada para impedir a localização do juiz aposentado. Azevedo, que mora com Maria Inês, a filha mais velha de Lalau, teria feito diversas viagens ao Exterior durante o paradeiro do ex-presidente do TRT. O advogado teria também intermediado a venda frustrada do apartamento de Lalau em Miami, avaliado em US$ 1,1 milhão. Pesa ainda contra Azevedo a suspeita de ser o principal contato com um uruguaio chamado Wilker Tabo Mosegue, que está sendo procurado, sob a acusação de operacionalizar a fuga de Lalau. Junto com a mulher e as três filhas do juiz aposentado, Azevedo está prestes a ser convocado pela Polícia Federal para prestar depoimento nas investigações sobre a fuga. Caso fique confirmada sua participação no esquema, ele pode ser responsabilizado criminalmente por isso. Apenas os familiares diretos de um foragido têm o direito de ajudá-lo sem que sejam considerados cúmplices de um crime. Outra linha de investigação está no levantamento das últimas horas de vôo do bimotor que transportou o juiz para a rendição. Não está descartada a possibilidade de o juiz ter passado o período final de sua fuga no interior de São Paulo, em uma chácara. Nesse caso, a PF espera não encontrar dificuldades para descobrir a quem pertence a propriedade. Já se sabe que antes de decolar para o Rio Grande do Sul o avião esteve em um pequeno aeroporto na cidade de Jundiaí.


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