Na definição da psicóloga Viviane Senna, o Brasil é um país de bonsais humanos. Como as pequenas plantas, que têm potencial de ser árvores enormes, mas, podadas e privadas de água e luz, tornam-se anãs, a maioria das crianças e adolescentes brasileiros está impedida de crescer. Sem acesso a educação de qualidade e a políticas sérias de abastecimento, saúde e habitação, tornam-se adultos subnutridos ou analfabetos funcionais. A missão do Terceiro Setor, formado por instituições privadas que exercem ações públicas na área social, é fazê-los sair desse estado de inanição. "Ser a 8ª economia do mundo e ao mesmo tempo ocupar a 74ª posição no ranking de desenvolvimento humano da ONU significa que nossa população não teve condições adequadas para se desenvolver", diz Viviane. "Precisamos mudar isso."

Essa vontade de combater a exclusão social no Brasil é o que move a psicóloga paulistana, irmã mais velha do tricampeão de Fórmula-1 Ayrton Senna. Em 2000, Viviane viu o trabalho do Instituto Ayrton Senna frutificar como nunca: de 180 mil crianças atendidas em 1999, em programas de recuperação escolar, dança, informática e comunicação, hoje são 288 mil. Este foi o ano em que todos a chamaram de musa do Terceiro Setor, por ter inspirado mais e mais ações voluntárias da sociedade e do empresariado. Na vida particular, ela também experimenta uma retomada. Pela primeira vez em seis anos, seu semblante está mais suave. Aos 43 anos, parece rejuvenescida. E não é por causa dos cabelos adornados por luzes nem dos terninhos de grife. "Estou feliz", conta. "Vivo o melhor momento de minha vida, o de recuperação das minhas perdas."

Decidida a passar mais tempo com a família, reserva os fins de semana para dar atenção aos três filhos. Frequentemente, vai para uma fazenda, no interior de São Paulo, onde aproveita para ler e ouvir seus CDs de Milton Nascimento e Caetano Veloso. Namorando há mais de um ano o empresário Arthur Briquet, dono do clube Gallery 21, tem circulado um pouco mais pela noite, mas faz questão de manter a intimidade. Prefere ser mais conhecida por seu trabalho à frente do Instituto Ayrton Senna, uma entidade vitoriosa que em 2000 investiu R$ 14 milhões em projetos sociais. Ela sabe que serve de exemplo para os 30 milhões de brasileiros engajados em projetos sociais. Por isso, jamais recusa um convite para falar do Terceiro Setor na mídia, seja numa entrevista a um jornal, seja num Criança Esperança.

Ao vê-la dizer que cada pessoa poderia fazer a sua parte, em sua própria área de atuação, a arquiteta pernambucana Patrícia Chalaça, 30 anos, tomou coragem para reformar a Casa de Carolina, uma espécie de Febem que abriga 150 órfãos no Recife. "Ela falava com tanta autoridade, citando números sobre educação e exclusão social, que eu me senti tocada", conta Patrícia. Em novembro de 1999, Patrícia reuniu 70 arquitetos e o patrocínio de 27 construtoras. Eles reformaram a casa e trouxeram dentistas, psicólogos, médicos e professores voluntários para cuidar das crianças. Batizado de Casa da Criança, o projeto já foi estendido para um orfanato em Brasília e um abrigo de jovens no Recife. Em 2001 será a vez de Jundiaí, Natal, Maceió e Fortaleza.

O presidente da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais, Sérgio Haddad, atesta que ao colocar a imagem do irmão a serviço da educação Viviane atrai a simpatia das pessoas. "Ela as faz acordar para o fato de que educação de qualidade só se constrói com a cooperação do governo e dos diferentes setores da sociedade", explica. Uma das herdeiras do espólio de Ayrton Senna, estimado em US$ 300 milhões, Viviane pode não ser a única a fazer isso, mas é com certeza a que tem mais visibilidade. Este ano, recebeu quatro prêmios de entidades de defesa da cidadania e viu o Instituto Ayrton Senna ser eleito uma das dez fundações mais admiradas do País, segundo as empresas do Terceiro Setor. "Todo mundo acha louvável alguém que pertence à elite, como Viviane, se preocupar em resolver a injustiça social", diz Stephen Kanitz, presidente do Instituto Ethos, que organizou a votação. "Além disso, ao optar pela educação, ela mostra que está disposta a correr riscos e atrai o apoio do empresariado."

Prova disso é que hoje empresas como a Microsoft, a Centro-Oeste Celular, a Audi e o BNDES ajudam a custear programas do Instituto Ayrton Senna. Só a Embratel investe R$ 2,5 milhões por ano, aplicando um porcentual da renda obtida com as ligações DDD. "Viviane é muito objetiva sobre o que vai fazer com o dinheiro que investimos, e isso nos entusiasma", afirma Pedro Levy, vice-presidente de marketing e eventos da empresa.

Viviane já recusou ser candidata à Prefeitura de São Paulo e declinou de vários convites para assumir cargos na área de educação, por acreditar que só com a união entre a iniciativa privada, a sociedade e o Estado se consegue diminuir a miséria no País. Ela costuma dizer que recuperar mão-de-obra não-qualificada sai mais caro do que apoiar a educação. E faz uma comparação: enquanto o governo de São Paulo gasta R$ 1,7 mil por mês para cada jovem interno da Febem, cada criança atendida pelo Acelera Brasil custa R$ 12.

A musa do Terceiro Setor fecha o ano contabilizando avanços no trabalho do instituto e o fato de a população estar mais solidária. Mas se questionada se pensa em voltar a atuar como psicóloga ou delegar as atividades no instituto para os filhos, revela que não costuma pensar no futuro. "Há algum tempo deixei de fazer planos. Aprendi que em uma fração de segundos todos eles mudam."

Quem acompanha a história da família Senna sabe de que perdas ela está falando: as mortes do irmão, Ayrton, em um acidente no autódromo de Imola em maio de 1994, e do marido, Flávio Lalli, em um desastre de moto, em São Paulo, dois anos depois. Até ser vitimada por essas tragédias, Viviane pouco frequentava as manchetes. Nascida no bairro paulistano do Tremembé, durante 15 anos ela foi uma terapeuta bem-sucedida, com um consultório na zona norte de São Paulo onde atendia a 40 pacientes por semana. Já casada e mãe de três filhos, era considerada a grande conselheira de Ayrton – em sua biografia, o piloto Gerard Berger conta que algumas vezes ela ia aos boxes com uma Bíblia orar com ele.

Dois meses antes do acidente, Senna havia dito a Viviane que gostaria de usar a marca Senninha para fazer algo pelas crianças brasileiras. Ele acabara de criar a Ayrton Senna License, a empresa de licenciamentos que deveria sustentá-lo quando parasse de correr. Ela então fundou o Instituto Ayrton Senna, para onde seria destinado todo o dinheiro arrecadado com a imagem do piloto. No primeiro ano, o orçamento já era de US$ 3 milhões. Com ele, o instituto criou um programa de esportes para 21 mil crianças carentes e em seguida passou a desenvolver programas pedagógicos para escolas públicas. "Não podia simplesmente dar esmolas ou construir creches", argumenta Viviane. "A imagem de Ayrton era um canhão e eu precisava direcioná-lo para onde era mais necessário: educação."

Ano após ano, o instituto foi ampliando o seu espectro de atuação a ponto de, hoje, ser um centro criador de tecnologias de ensino. O mais famoso de seus programas é o Acelera Brasil, que atende a estudantes que repetiram de ano duas vezes ou mais. Colocados em classes de aceleração, eles vêem conteúdos da primeira à quarta série do ensino fundamental e assim avançam dois, três ou até quatro anos. Implantado em municípios de 16 Estados, o programa foi adotado pelas Secretarias de Educação de Goiás e do Espírito Santo. Após a adoção do programa, o índice de aprovação chega a 95%.

Em seu escritório em Santana, Viviane passa o dia analisando projetos, reunindo-se com empresários e coordenando o trabalho de ONGs que implementam os programas do instituto em mais de 240 municípios. Viaja quase toda semana para reuniões de conselhos dos quais é integrante, como o Comunidade Solidária, a Fundação Banco do Brasil e a World Childhood Foundation, chefiada pela rainha Silvia, da Suécia. De tantas solicitações, não consegue dormir mais que seis horas por noite e tem a sensação de estar sempre "devendo".