Ele já entrou para a história como o segundo ministro da Educação a permanecer mais tempo no cargo, perdendo apenas para o lendário Gustavo Capanema, que comandou os destinos da educação no Brasil de 1934 a 1945, durante a ditadura de Getúlio Vargas. “Mas meus seis anos tiveram um complicador que Capanema, um dos personagens mais importantes da educação no Brasil, não enfrentou: as críticas, normais em qualquer regime democrático”, afirma Paulo Renato Souza. Aos 55 anos, completados em 10 de setembro, esse gaúcho de Porto Alegre, torcedor do Grêmio desde que nasceu, se considera no melhor momento profissional de sua vida. “Nunca me senti tão satisfeito com uma função e com o trabalho realizado como agora”, garante. Ele comemora, por exemplo, os índices de frequência escolar no Ensino Fundamental (da 1ª até a 8ª séries), que atingiram 97% este ano, um crescimento significativo se comparado aos 89% de 1994. “São índices de Primeiro Mundo, mas ainda precisamos melhorar”, afirma. Além da reestruturação completa do Ministério, Paulo Renato implantou o Provão, que avalia as universidades através de seus alunos, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb). Foi exatamente o Saeb que deu o sinal de alerta com relação à qualidade do ensino. O aumento no número de crianças matriculadas acabou influindo na queda de nível do desempenho escolar neste ano. Uma das explicações é que muitos dos alunos haviam abandonado os estudos e, na volta às aulas, ficaram fora do ritmo dos que seguiram na escola. “Educação não é como plantar milho, que se colhe dez meses depois. Esses alunos que voltaram à escola, ou os que começaram tarde, demoram até dois anos para alcançar o rendimento dos demais”, justifica.

Meta ambiciosa – Desculpas à parte, o ministro já prepara as armas para os dois anos que lhe restam à frente da educação no País. A primeira é usar os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef) para implantar nacionalmente a educação infantil, para crianças de menos de seis anos. Ele também pretende investir no Ensino Médio (antigo 2º grau), para fechar o que chama de universalização da formação básica, que vai do maternal, da creche, até o ensino médio. Mas a arma que Paulo Renato anuncia com entusiasmo de quem já está em campanha para vôos mais altos é um dos carros-chefes do PT: a bolsa-escola. A meta é ambiciosa: atender nada menos do que a 1.600 municípios já em 2001, dando dinheiro para as famílias que colocarem e mantiverem suas crianças na escola. “Não quero saber o que os pais vão fazer com o dinheiro. Se comprarem comida, ótimo, se usarem para o lazer, não há problema. O que interessa é não termos crianças nas ruas ou trabalhando. A bolsa-escola é a única saída para garantir todas as crianças nas salas de aula”, afirma. “Só lamento que tenham demorado tanto a descobrir o óbvio. Apresentei em 1995 ao Fernando Henrique e ao Paulo Renato, no meu primeiro ano como governador do Distrito Federal, um projeto de bolsa-sscola nacional que atenderia a dez milhões de famílias. Mas acho que não consideraram importante”, comenta o ex-governador de Brasília Cristovam Buarque. Amigo de Paulo Renato desde a década de 80, quando foram reitores da UnB e da Unicamp, respectivamente, Cristovam considera Paulo Renato um dos melhores quadros políticos e administrativos do País. “É o melhor ministro de FHC e um dos melhores ministros da Educação que já ocuparam o cargo. Acho que, no fundo, ele gostaria de ter avançado mais, mas não deixaram”, afirma. Os projetos de ensino profissionalizante são a menina-dos-olhos do ministro que não barra projetos baseados nas matizes partidárias. “Estou financiando uma escola de hotelaria e turismo da CUT em Florianópolis, projetos de escolas técnicas do governo Olívio Dutra, do PT, e o do Carlinhos Brown, de formação de músicos e técnicos de espetáculos. Não faço distinção. Se o projeto é bom, eu apóio”, diz o ministro.

Revolucionário – Para Fernando Henrique, seu ministro da Educação está mesmo fazendo uma revolução educacional. “Paulo Renato está fazendo uma revolução silenciosa no Brasil. A revolução pela educação, que promove a verdadeira inclusão social pela igualdade de oportunidades de acesso do analfabeto ao saber, ao conhecimento e à cidadania”, afirmou o presidente a ISTOÉ. Com tanto apoio, Paulo Renato já assume que seu próximo passo é enfrentar as urnas. Jura que sua meta é ser candidato ao Senado por São Paulo em 2002, quando duas vagas estarão em disputa. “Tenho condições de apresentar meu nome ao PSDB com chances de ser escolhido”, afirma. Mas seu comportamento durante o ano foi o de quem sonha com vôos mais altos. Visitou todas as capitais do País e quase 100 municípios do interior, participou de comícios nas eleições municipais e testou sua popularidade. “Foi uma experiência interessante e instrutiva”, garante. Do aprendizado, ficou a certeza de que pode aspirar mais do que uma cadeira no Senado. Mas sabe que uma candidatura à sucessão do chefe não depende apenas de sua vontade. “Alguém ser candidato à Presidência da República é resultado de muitas articulações, de alianças, de circunstâncias que no momento estão fora de minha alçada”, justifica.

O economista foi transformado em educador em 1984 pelo ex-governador de São Paulo Franco Montoro, que o nomeou para a Secretaria Estadual de Educação. Até então nunca havia pensado em ser ministro, muito menos sonhado com a Presidência da República. Mas uma pessoa garante que isso era o destino daquele menino estudioso, aplicado e disciplinado que foi matriculado em sua turma com a idade de oito anos e meio: a professora Matilde Lafin, 90 anos. “Ele nasceu talhado para o sucesso, para altos cargos”, garante. Em 1954, para estimular em seus alunos de Porto Alegre – todos na faixa de oito a nove anos – o gosto pela política, pela vida real, ela criou uma cidade, Pindorama. Tinha prefeito, secretários e projetos de governo. Os alunos se dividiram em partidos políticos e foi realizada uma eleição. Paulo Renato foi eleito por aclamação. A professora decidiu perguntar aos alunos o motivo da escolha. “Me falaram que era por causa do caráter. Eu tinha dado uma nota ao Paulo Renato em uma matéria e ele pediu que fosse reduzida, pois sua prova tinha erros”, conta, orgulhosa. Dona Matilde, que apesar da idade corre todos os dias em Porto Alegre, já visitou seu aluno mais ilustre em seu gabinete de ministro em Brasília. Ela sonha com o dia em que voltará a Brasília para nova visita, desta vez no gabinete presidencial.

Paulo Renato formou-se em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e foi, como muita gente de esquerda de sua geração, estudar no Chile, buscando ares menos repressivos que o Brasil do AI-5. No Chile, fez o doutorado em Economia e trabalhou na Organização Internacional do Trabalho (OIT). Foi este trabalho, que lhe dava direito a passaporte diplomático, que permitiu a Paulo Renato mostrar um lado da personalidade que é reconhecido até por adversários políticos: a amizade, a solidariedade e o caráter. “Depois do golpe de Pinochet, todo mundo de esquerda no Chile, especialmente os estrangeiros, estava em perigo. Paulo Renato levou a mim e minha família em meu carro até a embaixada onde nos asilamos. Sem se preocupar com os riscos. Depois vendeu o carro e me deu o dinheiro”, lembra o diretor de Relações Internacionais do PT, Marco Aurélio Garcia. Ele foi contemporâneo de Paulo Renato na universidade em Porto Alegre e se reencontraram no Chile. “Nossos filhos tinham a mesma idade e a convivência, antes do golpe, foi intensa. Continuamos amigos até hoje. Na verdade, só divergimos em duas coisas: futebol, pois sou colorado (torcedor do Internacional), e ele gremista (torcedor do Grêmio), e em política. Mas nessa última acho que ele ainda tem salvação”, brinca o dirigente petista.

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Solidariedade – Na verdade, o ministro foi responsável por muita gente nos momentos mais dramáticos do sangrento golpe militar no Chile. “Nos três dias que se seguiram ao golpe, 17 pessoas ficaram escondidas em minha casa, que tinha uns 100 m2 de área no máximo, enquanto mantínhamos contato com várias embaixadas em busca de asilo político. Meu passaporte diplomático da OIT era a salvação. Mas quase acabei preso”, recorda. Paulo Renato conta que o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, deu-lhe para guardar sua tese de doutorado, que era sobre o Movimento da Esquerda Revolucionária (MIR), partido que foi colocado na ilegalidade logo após o golpe. Agentes da repressão apareceram na OIT à caça de militantes de esquerda que poderiam estar escondidos na sede do órgão da ONU. “Quando entraram na minha sala, lá estava eu com a tese do Betinho aberta em cima da mesa. Disfarcei, mantive a calma e eles foram embora. Só que, dias depois, me intimaram a ir depor na Polícia”, conta. O ministro só escapou da prisão por causa da intervenção da então diretora da OIT, Marianne Nussbaumer. “Ela foi lá, deu uma bronca geral e eles me soltaram. Mesmo assim, voltei à tarde para saber por que estava sob suspeita. Me disseram em tom claramente ameaçador: ‘O senhor. está sob investigação. Quer ficar para saber por que mesmo ou ir para casa?’ Fui para casa, claro.” Paulo Renato lembra as inúmeras vezes em que foi com Giovanna, sua ex-mulher, visitar o hoje ministro da Saúde, José Serra, que ficou oito meses asilado na Embaixada da Itália, até conseguir um salvo-conduto e partir para o exílio. “Era uma época dura. As visitas aos sábados, que incluíam rodas de violão, amenizavam a situação dos que estavam trancados em uma embaixada sem poder pôr o pé na rua. Esses tempos consolidaram minha amizade com o Serra, que continua forte até hoje”, garante.

Esse estilo solidário de Paulo Renato lhe tem sido muito útil em suas diversas funções públicas. “Ele entrou no governo Montoro trazido pelo Serra para ser assessor. Depois acabou secretário de Educação, mesmo sem entender nada do assunto”, afirma Gilda Portugal, sua assessora especial. Ela conta que Paulo Renato logo mostrou uma grande capacidade de síntese e organização. “O Serjão (Sérgio Motta) juntou um grupo de gente que tinha sido da Juventude Universidade Católica (JUC) e da Aliança Popular (AP), no escritório do Fernando Henrique, para fazer um painel da educação no Estado para o Paulo Renato. Ele passou a reunião ouvindo e tomando notas. Dias depois, na posse, já tinha um novo organograma da secretaria na cabeça.” Gilda conta que, em sua primeira semana de trabalho, Paulo Renato reuniu-se com 25 diretoras regionais e ocupantes de cargos de chefia da secretaria. Cada participante falou dos problemas de sua área. No final, o secretário juntou as idéias e montou, na hora, seu plano de governo. “Ele é completamente objetivo, sabe o que quer diante de um problema ou um projeto. É um bom ouvinte, que aceita sugestões e que absorve e aplica as novas idéias”, atesta Maria Helena Guimarães, diretora do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pelo Provão, Enem e Saeb. Maria Helena, que foi tirada da Unicamp para Brasília para ser “pau para toda obra”, garante que o chefe não é perfeito. “Ele não sabe esconder o que sente. Se está com raiva, ou com vergonha, fica vermelho como um pimentão”, conta.

No gabinete, se emociona com a visita da professora Matilde

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp e orientador da tese de Paulo Renato sobre o mercado de trabalho informal, elogia a atuação do ministro ao instituir o Provão. Mas se torna um crítico quando o tema é universidade pública. “Ele era um economista bem preparado que, como boa parte dos acadêmicos de oposição ao regime militar, tinha vontade de participar ativamente da política do País. Acho que nesses seis anos ele promoveu um grande avanço, que foi instituir o Exame Nacional de Cursos (o Provão), mas pecou por não ter se empenhado mais em dar autonomia à universidade pública. No mandato dele, houve uma queda dos aportes do governo para as universidades e uma constante defasagem dos salários dos professores”, afirma Belluzo, um dos pais do Plano Cruzado. O economista não crê que Paulo Renato tenha abdicado das idéias da juventude, “mas, participando deste governo que não preza o social, está sujeito à má avaliação.” Quem faz coro às críticas de Belluzo é o também colega de Unicamp João Manuel Cardoso de Mello. Segundo o economista, Paulo Renato foi um grande reitor, “até os adversários reconhecem”, ressaltou. A tese sobre o mercado de trabalho informal lançou uma grande discussão sobre os problemas econômicos que o Brasil enfrentaria no século XXI, lembra Mello. “Dadas as circunstâncias, tem feito um bom trabalho no Ministério da Educação. Quem conhece ensino sabe que nessa área os avanços não acontecem em um ou dois anos: demoram gerações. Mesmo com cargo de ministro, o papel dele é restrito às universidades e ao Fundef, que ajuda prefeituras de cidades carentes. Por limitações da própria Pasta, cometeu a falha de não investir mais na capacitação de professores. Mas tem feito o que pode,” concluiu o professor.

Ele está fazendo uma revolução silenciosa no Brasil. A revolução pela educação, que promove a verdadeira inclusão social
Fernando Henrique Cardoso, presidente da República

Piloto de fogão – No campo pessoal, Paulo Renato passou por uma mudança radical no ano 2000. O casamento de 32 anos com Giovanna terminou no começo do ano. Há cinco meses, ele namora a carioca Carla Grasso, advogada da Vale do Rio Doce. A pedido das filhas Maria Tereza, a Tetê, 32 anos, e Maria Luiza, 28, e do filho Renato, 30 anos, ele não comenta nada sobre a vida pessoal. No dia-a-dia, a rotina segue sendo a mesma dos últimos seis anos, com o ministro morando sozinho em um apartamento funcional em Brasília. E segue se virando bem. “No tempo do Chile, dividia as tarefas da casa, que incluíam, claro, cuidar dos filhos. E não era essa facilidade de hoje, com as fraldas descartáveis. Desde essa época que sou bom dono-de-casa.” Desses tempos, Paulo Renato guardou outra atividade que lhe dá tanto ou mais prazer que o Ministério: cozinhar. “Sou um especialista em assados e churrascos. Faço sucesso pilotando uma grelha, um forno e um fogão”, garante. Bom chefe, bom administrador e bom cozinheiro, Paulo Renato está pronto para seguir em frente. Mas não é unanimidade em casa. Sabe que não vai conseguir que a filha mais velha vote nele. “Tetê é petista de carteirinha. Votou no Lula nas duas últimas eleições, não ligando a mínima para o fato de que eu já era ministro”, confessa. É o velho ditado, santo de casa não faz milagres. Mas, em termos de educação, Paulo Renato Souza jura que seguirá tentando. 

No meio do Fogo
Fotos: Arquivo Pessoal
Anos 80, Paulo Renato, entre Carlos Lessa (à esq.) e FHC, numa reunião do Cebrap na qual também estava Serra

A criação e a manutenção de sistemas de avaliação do ensino, uma redistribuição mais justa dos recursos da educação para os municípios através do Fundef e o incentivo à formação de parcerias com a sociedade civil foram bem recebidos por educadores. “O Fundef produziu alterações incríveis quando estabeleceu um valor mínimo a ser investido por aluno a cada ano na rede pública. Um ponto importante é que 60% do total recebido deve ser obrigatoriamente gasto com salários”, elogia Cenise Vicente, coordenadora do projeto Banco na Escola.

Outro motivo de comemoração foi a inclusão de 97% das crianças de sete a 14 anos na escola. Mas nem tudo são flores. O MEC é criticado por não ter investido no ensino fundamental para jovens e adultos. Recursos nessa área foram reduzidos, lembra Sergio Haddad, secretário-executivo da ONG Ação Educativa. “Dos sete aos 14 anos existem 2,7 milhões de crianças fora da escola. Acima de 14 anos temos 2,5 milhões de analfabetos. A fumaça ainda é maior do que o fogo.” Para a socióloga Maria Victória Benevides, professora de Sociologia da Faculdade de Educação da USP, outro problema é o fato de a política do ensino fundamental desconsiderar as diferenças regionais.

 


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