Arecente acusação de ter cometido uma “pedalada fiscal” colocou o governo da presidente Dilma Rousseff no banco dos réus, sob denúncia de atrasar repasses a bancos públicos referentes a programas sociais para disfarçar o déficit negativo dos gastos do Tesouro. Seguindo esse mesmo raciocínio, outro projeto governamental, o Programa de Financiamento Estudantil (FIES), é ponto central de uma nova acusação. Em ação encaminhada à Justiça Federal contra a União e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), operador do FIES, universidades particulares alegam irregularidades nas mudanças instituídas no programa em dezembro de 2014. Em suma, essas instituições acusam o governo de manobra ilegal, quebra de contrato e calote.

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RISCO
Mais de dois milhões de universitários brasileiros são financiados pelo FIES.
Com as alterações nas regras, esse número deve cair drasticamente

Criado a partir da lei 10.260, o FIES estabelecia que a instituição participante do programa recebesse mensalmente do governo, ou seja em 12 parcelas por ano, títulos para quitar impostos de acordo com o valor das mensalidades dos alunos financiados. Com as mudanças estabelecidas pela portaria nº 23, de 29 de dezembro de 2014, as entidades com 20 mil matrículas ou mais “terão a emissão e disponibilização dos títulos […] efetuadas em até oito parcelas anuais”. Com isso, será feita uma transferência a cada 45 dias, referente à dívida de 30 dias. Mas as escolas continuarão tendo de honrar com suas contas mensais, como salário dos professores, aluguel de funcionários, água, luz, telefone, tributos etc. Para o jurista Ives Gandra, um dos autores da ação, o caso de pedalada é evidente. “Isso é um confisco com as escolas, que vão ter de suportar um programa que deveria ser suportado pelo governo”, afirma. A ação é movida em nome da Federação das Escolas Particulares (Fenep), que também protocolou denúncia ao Tribunal de Contas da União (TCU) cobrando esclarecimento sobre o pagamento das quatro parcelas não contempladas no ano. “Há uma grande apreensão de como as coisas vão acontecer. Nossa esperança é conseguir o que pleiteamos desde dezembro: que o FIES volte a funcionar da maneira como foi concebido”, diz Amábile Pacios, presidente da Fenep.

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Para o advogado da federação Osmar Tognolo, coautor da ação, a portaria é ilegal porque, juridicamente, esse é um tipo de texto que permite apenas regulamentar uma lei, e não alterá-la, como aconteceu no caso do FIES. “Precisaria mudar a legislação. Ainda assim, só teria de valer para contratos novos”, diz. João Batista Pacheco Antunes de Carvalho, presidente da Ação Brasileira de Cidadania pela Democracia (ABCD) e também responsável pela ação, afirma ainda que o governo está quebrando contrato. “As instituições aderiram ao FIES com base na regra antiga. Não se pode impor uma regra nova para atingir os contratos anteriores.” Carvalho ainda salienta que as mudanças são consideradas infrações à Lei Orçamentária. “A legislação veta qualquer realização de despesas sem o prévio empenho. Então, a partir do momento que o governo concedeu o FIES para esses alunos, ele ordenou uma despesa. E a partir disso foi feito um empenho. Isso teria que constar do orçamento”, diz.

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Com mais de dois milhões de contratos em 2015, o FIES é um dos principais programas federais para o acesso ao ensino superior. Ainda assim, não foi poupado nesses tempos de crise. A alegação do governo é que as mudanças no pagamento de doze para oito parcelas por ano representarão uma economia de R$ 4,2 bilhões. Do outro lado, porém, universidades têm se endividado para manter a frequência dos cursos. “Sem os repasses, as instituições estão recorrendo aos bancos e a juros altos”, afirma Amábile, da Fenep. Os cortes também limitaram o número de novos contratos, que neste ano devem somar 313,9 mil, contra 731,3 mil em 2014. Procurado, o Ministério da Educação afirma que o FNDE foi notificado da ação e a defesa será apresentada pela Procuradoria Regional Federal da 1ª Região, em nome da União, mas a entidade não sabe informar a data. Acionar a Justiça para garantir que contratos na área da educação sejam cumpridos é um novo atestado de que o ensino no Brasil é empurrado cada vez mais fundo na vala comum das não-prioridades.

Foto: ERNESTO RORIGUES/AE; João Castellano/Ag. Istoé