A luz vermelha de alerta foi acesa no Planalto. Pela primeira vez, desde o início da crise política, o governo admite que a situação da presidente Dilma Rousseff beira o insustentável. Ninguém mais esconde a gravidade do momento. Isolada, registrando o pior índice de popularidade da redemocratização – míseros 9% -, com sua base política e social em frangalhos, e sob o risco de ser abandonada pelo próprio vice-presidente e por ministros estratégicos do governo, Dilma se depara com o caos à sua volta. Percebe-se fragilizada em quase todas as frentes políticas. Nunca, como agora, as condições para um possível impeachment da presidente da República estiveram tão nitidamente postas. No TCU, encerra-se na próxima semana o prazo para a presidente se explicar no episódio conhecido como pedaladas fiscais, artifício usado pelo governo para maquiar as contas públicas e simular um resultado fiscal diferente da realidade. O entendimento no tribunal é que dificilmente as contas de 2014 de Dilma serão aprovadas dado o grau de devastação da contabilidade do governo. Fatalmente a presidente será responsabilizada num processo que pode, se avalizado pelo Congresso, culminar com o seu afastamento por 180 dias para responder por crime de responsabilidade.

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No TSE, o cenário é ainda mais sombrio para Dilma, o PT e o Planalto. O tribunal investiga a existência de irregularidades na campanha cujo desfecho pode ser a cassação do diploma de Dilma por abuso de poder político e econômico. Na última semana, os ministros do TSE impuseram uma derrota ao governo por unanimidade numa ação em que o PT tentava barrar a convocação do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, pedida pelo PSDB. Graças a esse infortúnio que expõe a fraqueza do governo num foro decisivo para o destino da presidente da República, no dia 14 de julho, Pessoa irá repetir no TSE o explosivo depoimento dado à Justiça em regime de delação premiada. Aos procuradores da Lava Jato, Pessoa revelou ter doado à campanha de Dilma à reeleição R$ 7,5 milhões em dinheiro desviado de contratos da Petrobras, depois de pressionado pelo então tesoureiro Edinho Silva, hoje ministro da Comunicação Social. O empreiteiro ainda entregou aos procuradores uma planilha com título autoexplicativo: “Pagamentos ao PT por caixa dois”, numa referência ao repasse ilegal de R$ 15 milhões ao então tesoureiro petista, João Vaccari Neto, e de R$ 750 mil a José Filippi, responsável pelas contas de campanha da presidente em 2010. Em reuniões internas do PMDB, José Sarney, experiente cacique político e interlocutor de Lula durante seus dois mandatos, avaliou, sem meias palavras: “A possibilidade da queda de Dilma é cada vez mais real”. Para Sarney, a escalada de más notícias para o governo não cessa e o cerco se fecha no momento em que a base de sustentação de Dilma no Congresso desaba como um castelo de cartas. O temor no Planalto é reforçado pelo fato de o doleiro Alberto Yousseff ter feito uma revelação tão grave quanto a de Ricardo Pessoa no mesmo processo no TSE, onde o governo demonstra não dispor de apoios sólidos. Yousseff disse ter sido procurado por um emissário da campanha da presidente Dilma no ano passado para repatriar cerca de R$ 20 milhões depositados no exterior. Ele só não executou a operação porque foi preso em março com a eclosão da Operação Lava Jato. “Uma pessoa de nome Felipe me procurou para trazer um dinheiro de fora e depois não me procurou mais. Aí aconteceu a questão de prisão e eu nunca mais o vi. Se não me engano, o pai dele tinha uma empreiteira”, disse o doleiro. Questionado se o dinheiro teria como destino a campanha de Dilma, Yousseff foi taxativo: “Sim, mas não aconteceu”. A conversa teria ocorrido 60 dias antes de sua prisão.

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Além de Yousseff, foi ouvido pelo ministro-relator João Otávio Noronha do TSE o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e um personagem pouco conhecido do grande público, mas com potencial para levar ainda mais complicações a presidente. Segundo apurou ISTOÉ, em depoimento sigiloso à Justiça Eleitoral, o ex-diretor de estudos e políticas sociais do IPEA Herton Ellery Araújo contou que foi pressionado pelo governo para não divulgar, durante a campanha, dados que pudessem prejudicar a reeleição da petista. Um desses dados dizia que o número de miseráveis no Brasil havia aumentado entre 2012 e 2013, contrastando com o discurso entoado por Dilma em peças publicitárias na TV e no rádio, e em comícios País afora. Araújo não suportou a interferência e pediu exoneração do cargo. “Nós não pudemos divulgar os dados da extrema pobreza da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios”, confirmou o ex-diretor em entrevista à ISTOÉ. Para ele, o “governo errou a mão, fez besteira”. “A pessoa não pode fazer o que quer para ganhar eleição”, disse. Além de abuso de poder político, ao impedir a divulgação de dados oficiais negativos, Dilma pode responder por falsidade ideológica. O depoimento de Araújo levou o TSE a convocar Marcelo Neri, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, a prestar esclarecimentos. O ex-ministro terá de dizer de quem partiu a ordem no Palácio do Planalto para impedir a divulgação da pesquisa.

De acordo com assessores palacianos, Dilma reage mal ao isolamento imposto por antigos parceiros e aliados e às pressões as quais está submetida. Em vez de ampliar a interlocução, fecha-se em copas. Isso explica a escalada de declarações estapafúrdias dos últimos dias.

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Na semana passada, somou-se à trapalhada das citações de termos como “mulher sapiens” e à “saudação da mandioca”, a inacreditável tentativa de desqualificar o depoimento de Ricardo Pessoa, comparando o papel do colaborador da Justiça ao de delatores torturados pelo regime militar e ao do traidor da Inconfidência, Silvério dos Reis. “Eu não respeito delator”, disse Dilma (leia mais em box à pág. 33). Em conversas reservadas, a presidente chegou ao despautério de dizer que poderia anular os benefícios concedidos ao empreiteiro. A atitude desastrosa da presidente gerou reações inflamadas no meio jurídico. O ex-presidente do Supremo, Joaquim Barbosa acusou Dilma de incorrer em crime de responsabilidade. “A Constituição não autoriza o presidente a investir politicamente contra as leis vigentes, minando-lhes as bases. Atentar contra o bom funcionamento do Poder Judiciário é crime de responsabilidade. Colaboração ou delação premiada é um instituto penal-processual previsto em lei no Brasil”, criticou Barbosa. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tentou defender a chefe, atribuindo sua fala a um arroubo de “honestidade intrínseca”. A emenda ficou pior que o soneto. Os elementos trazidos por Ricardo Pessoa também motivaram uma nova representação da oposição, liderada pelo senador Aécio Neves (PSDB), na Procuradoria- Geral da República (PGR), pedindo a abertura de investigação contra Dilma por crime de extorsão. Para juristas, a delação reforçou a tese do impeachment. O o episódio relatado pelo dono da UTC ajudaria a explicar a omissão de Dilma diante do Petrolão. Para o advogado Eduardo Nobre, especialista em direito eleitoral, as novas denúncias reforçam os indícios contra Dilma e o PT. “É preciso levantar o quanto o valor arrecadado ilicitamente para a campanha interferiu no resultado das eleições. Se as investigações puderem mostrar isso, reforça o pedido de afastamento”

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Em 2005, auge do escândalo do mensalão, o governo petista contava com a liderança e o carisma de Lula, sua capacidade de mobilização e, principalmente, com a sustentação do Congresso. É tudo o que o atual governo não dispõe hoje. O retrato do esfacelamento da base governista no Congresso foi a aprovação, na semana passada, do aumento de 78% para os servidores do Judiciário – medida inviável economicamente para País às voltas com um necessário ajuste fiscal para disciplinar as contas públicas. Se no Congresso, uma das principais arenas de batalha de um presidente ameaçado de afastamento, o governo demonstra estar anêmico, no próprio Palácio do Planalto a situação não é muito diferente. A interlocutores, o vice-presidente Michel Temer ameaçou abandonar o barco da articulação política com o Legislativo. A atribuição coube a Temer no início do ano, quando a presidente percebeu que o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, havia perdido as rédeas da negociação com os partidos aliados. A saída de Temer da articulação, neste momento, representaria o abandono da presidente pelo seu próprio vice-presidente. Além dos significado político do gesto, Dilma perderia o principal elo entre o PMDB, maior partido da base, e o Planalto. Assim sendo, a fagulha detonadora do processo de afastamento da presidente ficaria muito próxima de ser acesa. Na semana passada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tornou público o desejo de ver Temer fora da negociação com o Congresso, jogando mais combustível na crise.

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Em 1992, quando o ex-presidente Fernando Collor foi apeado do poder, o estopim foram as revelações do motorista da Presidência, Eriberto França, publicadas por ISTOÉ. Em reportagem exclusiva, depois reafirmada na CPI, Eriberto revelou que PC bancava as despesas da família do presidente, como a compra de um Fiat Elba e a famosa reforma na Casa da Dinda, um imóvel particular transformado em residência oficial. Hoje setores do PT classificam a movimentação pelo impeachment da presidente de golpe. Em 1992, Collor repetia a mesma ladainha: “Uma minoria quer realizar o terceiro turno das eleições. Vou defender a Constituição, doa a quem doer. Os que conspiram contra mim são golpistas e formam o sindicato do golpe”. Então na oposição, os petistas, os mesmos que hoje bradam contra o que chamam de forças golpistas, atestavam a constitucionalidade do processo. “Não há mais condições éticas e políticas para governar. O impeachment é uma solução constitucional”, disse José Dirceu, deputado do PT, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em junho daquele ano.

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Remontar àquela época ajuda a desnudar a maleável ética do petismo, com a sua retórica que oscila ao sabor de sua conveniência. Mas expõe, principalmente, a surpreendente similaridade entre os dois momentos decisivos para a história do Brasil. Como há 23 anos, com Collor, o índice de rejeição do governo Dilma beira os 70%. A presidente da República não consegue mais ir à rua sem se defrontar com um cartaz pedindo a sua saída. Seus ministros não têm paz sequer para comer fora de casa. Dona Leda Collor, mãe do ex-presidente, também enfrentou a ira dos manifestantes no auge do processo de impeachment contra o filho, quando foi internada num hospital em Botafogo, no Rio. A mais importante das correspondências entre os dois episódios, porém, é que, também a exemplo de julho de 1992, neste julho de 2015 começam a se desenhar as condições para o afastamento da presidente da República.

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O impeachment à brasileira pode ter vícios de origem. É mais político do que jurídico. Desde sempre. Afastado pelo Congresso, Collor foi absolvido no STF. Mas o impeachment é constitucional. Está disciplinado em lei. No artigo 85 e na Lei 1.079, de abril de 1950. Não se pode reduzir a discussão, como fazem cabeças coroadas do PT, ao questionamento da índole e dos reais propósitos de alguns dos defensores da saída da presidente. Até porque os petistas, hoje associados a toda sorte de desvios e práticas de corrupção, não reúnem mais condições de fazê-lo. Dizer que os adversários cometem exatamente os mesmos malfeitos que lhe estão sendo atribuídos não anula a questão central: quem está no poder é Dilma, o esquema em investigação ocorreu no seio da maior estatal brasileira, a Petrobras, durante a gestão petista e é isso que está em julgamento agora. Ademais, todos sabiam que, entre os que defensores do impeachment de Collor, havia políticos oportunistas. O que não se sabia, na ocasião, é que os maiores oportunistas eram os que estavam na linha de frente daquele processo e seriam os que mais se beneficiariam dele anos depois – os petistas.

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Foto: Alan Marques/Folha Press, Paulo Lisboa/Brasil Photo Press/Folha Press; Kena Betancur/AFP; Jorge William/Ag. o Globo; Ailton de Freitas/Ag. o Globo, George Gianni; Sergio Lima/Folha Press; Adriano Machado/Ag. Istoé 


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