Surgida em 2.000 A.C., a cidade de Palmira, na região central da Síria, já viveu cercos que marcaram o domínio de diversos impérios da Antiguidade. Desde os tempos romanos, ela conserva praticamente intactas as colunas clássicas dos monumentos do período. Tudo pode mudar sob o cetro da mais nova autoridade da região: o Estado Islâmico. Além de torturar e assassinar inimigos, a facção radical que tem perpetrado atrocidades no Oriente Médio decidiu agora sequestrar uma civilização inteira. O caso foi revelado no domingo 21 pelo Observatório Sírio para Direitos Humanos. Segundo a denúncia, o EI plantou, sob as ruínas, armadilhas explosivas e minas terrestres. Algumas detonações foram feitas, destroçando um precioso patrimônio. Por ora, permanece incerto se o grupo pretende mesmo devastar o lugar. “A cidade é refém nas mãos deles”, disse Maamoun Abdulkarim diretor-geral de Antiguidades e Museus da Síria. “A situação é perigosa.”

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DESTRUIÇÃO
Ruínas romanas em Palmira, minadas pelo Estado Islâmico (acima).
Radicais explodem prédio na cidade síria (abaixo)

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Na mesma semana em que o Estado Islâmico divulgou pela internet um vídeo que mostrava presos sendo afogados, os extremistas lançaram pelos ares dois mausoléus que ficavam em Palmira, mas fora do sítio romano minado. Um deles pertencia a um descendente de Maomé. “São perdas irreparáveis, destruídas para sempre”, afirma Márcio Scalercio, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio. A cidade sitiada é considerada patrimônio mundial pela Unesco, organização ligada às Nações Unidas. Ela despontou como rota comercial e suspeita-se que tenha sido fortificada pelo rei bíblico Salomão. Sua trajetória é marcada pelo controle de bizantinos, árabes, mamelucos e otomanos. As esplendorosas construções tiveram forte influência romana e persa. “Há ali uma sobreposição de povos, um caldeirão cultural. É um enorme prejuízo para entender as relações entre o Ocidente e o Oriente”, diz Vagner Porto, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.

O Estado Islâmico acabou para sempre com diversas estátuas em museus de Mossul, além de outras edificações históricas no Iraque (leia quadro). A destruição da arquitetura milenar é especialmente preocupante porque as estruturas ainda não haviam sido estudadas em profundidade. O grupo ocupa ainda 4,5 mil sítios arqueológicos na Síria, com 90% dos artefatos culturais do país situados em áreas sob conflito, de acordo com a organização independente Financial Action Task Force. As barbáries praticadas pela facção possuem raízes no wahhabismo, uma vertente do islamismo que é contra a adoração divina por meio de ícones ou templos. Vale lembrar que a iconoclastia também é professada por muitos cristãos e pela Al Qaeda e o Taliban, que em 2001 dinamitou no Afeganistão as maiores estátuas de Buda do mundo, de até 60 metros.

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Como acontece com os espetáculos mórbidos filmados e mostrados ao planeta pela web, o Estado Islâmico coloca abaixo tesouros arqueológicos para fazer propaganda de seu próprio poderio. Os alvos desses “anúncios” são a comunidade internacional ocidental, que se opõe aos extremistas, e os potenciais inimigos em outros países árabes. Com essas ações, os próprios habitantes das áreas dominadas são desencorajados a enfrentar os rebeldes por verem com os próprios olhos a aplicação dos princípios radicais da lei islâmica que a facção ardorosamente defende.

Ao se apropriar de um tesouro arqueológico, o Estado Islâmico está em busca também de dinheiro. Se por um lado o grupo elimina ícones religiosos, por outro trafica pequenos artefatos no mercado negro, usando os recursos para financiar a compra de armas, veículos e provisões para o seu exército. Depois de invadir o esconderijo de um líder insurgente em 2014, soldados iraquianos descobriram mais de 160 discos de memória com detalhes de suas finanças. Somente numa região da Síria, os extremistas levantaram US$ 36 milhões em atividades que incluíam o contrabando arqueológico. Esse dinheiro vai ajudar a manter Palmira sequestrada por um império mais obscurantista do que aqueles que a dominaram milhares de anos atrás.

Fotos: JOSEPH EID; Militant Website/AP 


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