Um levantamento realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional, órgão ligado ao Ministério da Justiça, revelou que o Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, índice que expõe as mazelas de seus presídios. Na pesquisa, divulgada na terça-feira 23, o Brasil está atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. O número de presos é muito superior às 377 mil vagas do sistema penitenciário e o déficit é de 231 mil. Um espaço concebido para custodiar 10 pessoas prende 16 indivíduos. “No Brasil existe a cultura do encarceramento, embora existam medidas cautelares, os juízes sempre preferem as prisões”, disse à ISTOÉ o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. “Além do problema da superlotação, as penitenciárias são escolas de criminalidade em que pequenos delinquentes são cooptados por chefes de grandes organizações.” Juristas afirmam que cerca de 70% das pessoas que passam pelo sistema prisional reincidem, enquanto dados divulgados pela Fundação Casa apontam que o índice de reincidência de jovens infratores é de 15%. Entre 2000 e 2014, a taxa de encarceramento aumentou 119%. A projeção para os próximos anos é sombria: caso mantenha esse ritmo, em 2022 a população de detidos no Brasil ultrapassará a marca de um milhão de indivíduos.

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Superpopulação, condições precárias de infraestrutura e saúde,
alta taxa de reincidência e violência: retrato dos presídios brasileiros

Um dos maiores problemas do sistema prisional é o elevado número de pessoas privadas de liberdade em regime provisório. A pesquisa revelou que quatro entre dez presos ainda não foram julgados. Para a advogada da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados de São Paulo, Adriana de Melo Nunes Martorelli, a emissão da pena é morosa. “A Justiça lança no cárcere pessoas que cumprem pena sem terem sido julgadas e ficam na prisão um tempo maior do que deveriam”, afirma. Fatores como esses contribuem para a superlotação. Para a coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes e ex-diretora do sistema penitenciário do Rio de Janeiro, Julita Lemgruber, o aumento da população carcerária está relacionado ao mau funcionamento da Justiça criminal. “Fizemos pesquisas mostrando que dois em cada três presos não recebem pena privativa de liberdade ao final do processo. Ou seja, muitos foram mantidos ilegalmente”, diz.

Ao invés de combater a criminalidade, o uso excessivo da prisão provisória pode endossar o aumento da violência. “O sujeito que passa pela detenção pela primeira vez será estigmatizado, terá dificuldades para arrumar emprego e de se reintegrar à sociedade”, afirma Renato de Vitto, diretor do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça. “É um remédio que está matando pacientes.” No País, faltam políticas que enxerguem as punições além do sistema prisional. Segundo dados do Depen, em 2012 foram investidos R$ 11 milhões em penas alternativas, enquanto que para a área de engenharia e arquitetura de presídios foram destinados R$ 361 milhões. “As penas alternativas são negligenciadas no Brasil”, afirma Ivan Marques, diretor executivo do Instituto Sou da Paz. “O índice de reincidência de uma pessoa que cumpre medida alternativa é muito menor do que aqueles que cumprem pena no sistema prisional”, diz o especialista. 

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Quando os presos prestam serviços à sociedade, a ressocialização tende a ser maior. “Mas a prestação precisa ser revestida de um caráter público, para que a comunidade perceba que, além de útil, também ajuda o sujeito que cometeu um crime”, afirma Julita Lemgruber. O gravíssimo quadro apontado pelo Departamento Penitenciário Nacional mostra que, na questão da segurança pública, devem ser estabelecidas prioridades. Aprovada para crimes graves na Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda Constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos pode elevar os indicadores já negativos. “Não cabe mais abrir a porta do sistema prisional e jogar a população jovem num ambiente caótico”, diz De Vitto, do Depen. Segundo o ministro da Justiça, a decisão trará consequências que se estenderão por décadas. “Será o maior caos no sistema prisional que já tivemos na nossa história”, diz.

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Foto: Gláucio dettmar/Ag. CMJ  


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