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É cada vez maior o número de brasileiros que precisam entrar na Justiça para conseguir acesso a remédios. A repórter de ISTOÉ Fabíola Perez explica, em vídeo, como é a luta dessas pessoas.

Há dez anos, a professora Denise Maria Bassi Pelogia, 50 anos, vai até a Departamento Regional de Saúde de Taubaté, cidade do interior de São Paulo, para retirar gratuitamente um medicamento a que tem direito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Vítima de uma doença crônica, a trombocitopenia, que se caracteriza pela destruição das plaquetas do sangue, ela gastaria R$ 2,5 mil por mês se precisasse comprar o remédio que controla seu mal. Mas nos últimos meses, ao invés do medicamento, ela recebeu de um funcionário apenas o desejo de sorte na continuidade do tratamento. “Primeiro eles falam que o dinheiro não chegou, depois que não têm como buscar a medicação”, diz. “É como se a nossa vida estivesse nas mãos dos governantes que administram esses recursos”, afirma a professora, que precisa tomar três cápsulas por dia e gastaria 70% do seu salário se tivesse que comprar a droga. Em meio à urgência para resolver seu problema, Denise não viu outra saída a não ser recorrer à Justiça por seus direitos. A professora está longe de ser um caso isolado. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que em 2011 tramitavam no País mais de 241 mil processos de pessoas de todas as classes sociais que recorreram aos tribunais para conseguirem medicamentos e tratamentos de alto custo. Em junho do ano passado, esse número saltou para 393 mil, representando um aumento de 63%. “Isso tem acontecido pela má gestão do dinheiro público, a verba não chega aos estados porque não foi liberada em quantidade suficiente para atender às demandas da população”, afirma Julius Conforti, advogado especialista em Direito da Saúde.

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ESPERA
Apesar de ter seu remédio na lista do SUS, a professora Denise
Maria Bassi Pelogia passou meses sem recebê-lo

Somente depois de entrar com uma ação judicial contra o Estado, com o auxílio da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), a professora obteve a medicação. Mas, segundo ela, até hoje há lentidão na distribuição. “Desde o início do ano o medicamento atrasou mais de 20 dias em março e abril”, diz. De acordo com o Ministério da Saúde, o SUS é responsável pelo fornecimento de 269 medicamentos de alto custo. Apesar do investimento de R$ 4,89 bilhões em 2014, o governo federal gastou no mesmo ano R$ 843 milhões em ações judiciais – um aumento de 502% em relação a 2010. As ações judiciais não oneram apenas a União, mas estados e municípios. “Quando cobramos as secretarias estaduais eles afirmam que está faltando verba, que houve diminuição no repasse, o que influencia a compra de medicamentos e aumenta o número de pessoas procurando a associação”, afirma Andrea Bento, advogada da Abrale.

Há um ano e meio, a psicóloga Luana Cezar, 30 anos, foi diagnosticada com a doença de Wilson, caracterizada por um elevado nível de cobre na urina. Desde então, ela passou a receber do Hospital das Clínicas de São Paulo o medicamento Trientina. Luana toma quatro comprimidos por dia e teria de gastar por mês R$ 10 mil com a medicação. Mas desde dezembro do ano passado, sem maiores explicações, parou de receber. “Entrei com uma ação em março e a juíza autorizou o recebimento com um prazo de cinco dias para o governo fornecer o remédio”, diz. “Na Secretaria de Saúde, me disseram que a situação está complicada e, quando pedem a liberação de recursos, o governo fala que não tem verba.” Luana foi informada que o medicamento demoraria 80 dias para chegar. Vítima de uma doença rara e grave, a psicóloga tem recebido doações da Associação dos Portadores de Doentes de Wilson para não ficar totalmente desabastecida da substância.

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DIREITO
A psicóloga Luana Cezar: seis meses sem medicação
e ação na Justiça contra o governo

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Os processos que se avolumam nos tribunais não são só de pacientes que carecem de remédios constantes na lista do SUS. Há casos de doentes que precisam de medicamentos importados, ainda sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em outras situações, as drogas já possuem registro, mas ainda não foram incorporadas à lista de medicamentos do SUS. “O financiamento do SUS é insuficiente para atender a população e não acompanha a evolução da medicina”, afirma Silvio Eduardo Valente, presidente da Comissão de Direito Médico da Ordem dos Advogados de São Paulo. “Se um câncer de mama responde a um novo fármaco, o juiz acaba concedendo o direito ao paciente. Por outro lado, há um alto custo para o SUS, que é feito para oferecer assistência de saúde ao maior número de brasileiros possível.” De acordo com o secretário do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa da Silva Júnior, quando os laboratórios pedem medicamentos muito caros, a recomendação é não incorporar. “Não podemos ter insegurança, é preciso esperar até que as tendências científicas se consolidem.” Sabe-se também que, por trás de algumas ações judiciais, pode haver a pressão de laboratórios para a introdução de determinados medicamentos na lista.

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Diante da alta demanda na Justiça, o CNJ criou núcleos de apoio por todo o País. Neles, os magistrados são assessorados por médicos e enfermeiros para entender a necessidade ou urgência de determinado medicamento. Segundo a conselheira do CNJ Débora Ciocci, o objetivo é fornecer informações para que os magistrados entendam as questões clínicas apresentadas nas ações antes mesmo de abrirem os processos. Apesar disso, a má gestão dos recursos pelo governo federal e a falha na entrega dos remédios a que a população tem direito têm causado prejuízo aos cofres públicos e, sobretudo, à saúde de milhares de brasileiros.

Fotos: Gabriel Chiarastelli; Stefano Martini  


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