O mar territorial brasileiro – a chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE), que abrange 188 milhas, adotada pela Convenção do Direito do Mar da ONU, em 1982, na Jamaica – transformou-se em águas de ninguém. Pesqueiros estrangeiros, principalmente japoneses, coreanos, espanhóis e russos estão atuando ilegalmente nessa zona, ocasionando ao País um prejuízo anual de cerca de US$ 500 milhões. A Marinha de Guerra brasileira não dispõe de equipamentos modernos para fiscalizar e coibir a pesca predatória internacional. Na esfera diplomática, o Ministério das Relações Exteriores atua timidamente. Esse é o pensamento do almirante Ernani Fortuna, do Conselho Estratégico da Escola Superior de Guerra e autor de um estudo sobre o assunto: “A soberania do Brasil sobre o mar de 188 milhas acaba sendo uma ficção”, afirmou o militar.

Outra crítica à pesca ilegal e à falta de fiscalização parte do almirante Mário César Flores, ex-ministro da Marinha. Para César Flores “a zona econômica é um lero-lero”. Ele lembra que, em 1982, o Itamaraty admitiu que seriam necessários pelo menos 20 anos para que a região fosse realmente garantida. Flores acredita que o Brasil já perdeu o prazo previsto para conter a pesca ilegal. “No início da década de 80 houve até uma ameaça de extinção do camarão no litoral do Amapá, infestado por pesqueiros japoneses, coreanos e europeus”, afirmou o ex-ministro. Ele lembra ainda a existência de um programa de construção de corvetas, aprovado pelo então ministro Henrique Sabóia, no governo Sarney, que poderia contribuir para dar à Marinha condições de fiscalizar com mais eficiência o litoral e impedir prejuízos ao País.

A Marinha tem ainda um projeto para a construção de um navio-patrulha médio, com capacidade para operar com helicópteros. O problema, entretanto, é a falta de recursos. O almirante Flores diz que os barcos estrangeiros, bem equipados, procuram peixes de qualidade existentes no litoral do Norte e Nordeste, vendidos por preços elevados no mercado internacional. Em 2001, o Brasil vai se defrontar com uma séria guerra diplomática envolvendo os direitos de pesca de atuns, espadartes e peixes de bico (marlim, espadas, etc.) nas águas do Atlântico Sul, hoje nas mãos de países como Espanha, Portugal, Taiwan, EUA, entre outros. O campo de batalha será Bruxelas, na Bélgica, local da reunião, em maio próximo, da Comissão Internacional para Conservação do Atum Atlântico (ICCAT). Deverão ser estabelecidas as novas cotas para a pesca de atuns e demais peixes migratórios de águas oceânicas. “Hoje, esses países pescam mais de 70% das 600 mil toneladas de atuns e peixes afins autorizadas no Atlântico Sul”, revela o diretor do Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, Gabriel Calzavara. “Vamos exigir 50% desse volume para o Brasil, invertendo a proporção”, explica. Segundo Calzavara, a tese do Brasil e demais países do Atlântico Sul (Uruguai, Argentina, África do Sul, Namíbia e Angola) é baseada em dois critérios: a área de mar da Zona Econômica Exclusiva (que corresponde às antigas 200 milhas de mar territorial) e a dependência do país costeiro da atividade pesqueira. “O Brasil realiza hoje 98% de sua atividade pesqueira no litoral, capturando peixes que vivem e se alimentam em águas de até 200 metros de profundidade. O projeto do governo é transferir a pesca industrial para peixes oceânicos, deixando o litoral para a pesca artesanal”, adianta.

A argumentação brasileira para mudar as regras de pesca em alto-mar também se baseia na Convenção da ONU sobre os Direitos do Mar, que criou a ZEE. Dono de 4,5 milhões de quilômetros quadrados de ZEE, o Brasil está concluindo estudos sobre os recursos do oceano e da plataforma continental, para conseguir ampliar seu domínio marítimo. Já estão concluídos os levantamentos de profundidade de toda a plataforma e os estudos sísmicos, fundamentais para o conhecimento das riquezas do subsolo, como campos de petróleo e gás. Os demais estudos exigidos pela ONU para que um país possa reivindicar direitos exclusivos de exploração dessas riquezas também estão sendo finalizados pela Comissão Interministerial dos Recursos do Mar (CIRM), integrada pela Marinha e mais 12 ministérios.

“A plataforma continental do Brasil vai crescer mais 700 mil quilômetros quadrados além da área garantida pelas 200 milhas, como resultado desses estudos”, explica o capitão-de-mar-e-guerra Geraldo Joaçaba, vice-diretor da Secretaria da Comissão Interministerial dos Recursos do Mar (SECIRM), órgão da Marinha criado para coordenar todos os projetos científicos do Brasil no mar e na Antártica. Diante desse quadro e com a existência de barcos de bandeira estrangeira atuando ilegalmente na ZEE brasileira, especialmente nos litorais Norte e Sul, a Marinha pretende intensificar, com a Força Aérea, operações contra os pesqueiros ainda este ano. Serão usados 12 novos navios-patrulha. Segundo Calzavara, o melhor controle é o econômico: “Com a nova frota pesqueira, pescando dentro da nova divisão de cotas, vamos ocupar espaços. Quando barcos estrangeiros surgirem, será muito mais fácil identificá-los e avisar a Marinha, para uma ação repressiva”, garante.

Colaboraram: Hélio Contreiras (Rio) e Eduardo Hollanda (Brasília) 

“Fiscalização é rotina”
O diretor de Mar-e-Guerra da Marinha, capitão Luiz Fernando Palmer Fonseca, nega que haja problemas na fiscalização da costa e diz que atividades ilegais vêm sendo reprimidas.

ISTOÉ – A Marinha fiscaliza barcos estrangeiros que estão pescando ilegalmente?
Luiz Fernando – A Marinha realiza, rotineiramente, ações de fiscalização das atividades de pesca dentro da ZEE. Essas ações são executadas pelo Serviço de Patrulha Costeira. Os navios da Marinha contam muitas vezes com o apoio das aeronaves de patrulha da FAB.

ISTOÉ – Que medidas podem ser adotadas contra esses barcos?
Palmer – As atividades de pesca ilegal são reprimidas com a apreensão dos barcos, dos equipamentos e dos produtos de pesca, assim como com a aplicação de multas e das penas previstas na Lei 9.605.

ISTOÉ – Com que tipo de embarcação o Brasil conta para a fiscalização da pesca não autorizada?
Palmer – Para a execução de patrulha costeira, a Marinha conta com seis corvetas, seis rebocadores de alto-mar e 19 navios-patrulha, sediados nos distritos navais. Contribui, ainda, para o Serviço de Patrulha Costeira, a Força Aérea Brasileira, que, com suas aeronaves, cobre, regularmente, as águas jurisdicionais brasileiras, fornecendo aos navios em atividades de patrulha e ao Sistema de Controle do Tráfego Marítimo as informações relativas ao posicionamento de embarcações.

ISTOÉ – Quais as áreas do litoral brasileiro que despertam mais interesse nos barcos estrangeiros?
Palmer – O entorno do arquipélago de São Pedro e São Paulo, nos litorais norte, sudeste e sul e ao longo de todo o litoral brasileiro, onde se constata o interesse por atuns e similares.