Ná dentro, estudantes de colégios tradicionais transformam-se em tchutchucos e popozudas. Embalados por versos de gosto duvidoso, como Vem tchutchuca linda, vou te jogar na cama e te dar muita pressão, eles botam as mãos no joelho e rebolam os quadris com uma desenvoltura que faria muitos pais corar. “As letras são ridículas, mas gosto muito de dançar essas músicas”, explica Frances Duarte, 15 anos. Desde o início de dezembro, Frances e outros 800 meninos e meninas com idades entre 14 e 17 anos vêm lotando a festa Pancadão, na boate Ballroom, na zona sul do Rio.

O programa virou febre entre a garotada do Rio desde que o DJ Jacaré – astro funk de um programa na rádio 94 FM – passou a pilotar a mesa de som. Jacaré apresenta MCs (sigla que vem de mestre-de-cerimônia e batiza os cantores funk) e sorteia CDs entre o público, que só deixa a festa quando o som é desligado. Gênero que há muito tempo sobrevive na periferia carioca, o funk vem invadindo a zona sul. Antes dos MCs, a frequência na boate Ballroom era minguada. Os organizadores testaram outros gêneros musicais, como techno, dance e axé music. Só com o ritmo da periferia a festa estourou. “A pedido da garotada, conseguimos vencer a resistência da casa”, conta o produtor Márcio Mega. A maior aceitação do funk entre mauricinhos e patricinhas deve-se a uma transformação ideológica na música. No início da década de 90, o funk estreitou os laços com o tráfico de drogas, e as letras quase sempre faziam alusão à violência reinante e apologia às drogas. A nova safra de funkeiros privilegia rimas de duplo sentido, quase sempre de apelo sexual, mas pacíficas. Não que a violência tenha cessado. Há uma semana, três jovens foram mortos na saída do baile de uma favela na zona norte, numa troca de tiros atribuída à guerra do tráfico.

As casas noturnas da zona sul carioca começaram a adotar o ritmo para satisfazer o público ávido por esse tipo de som, mas sem disposição de se arriscar nos bailes dos bairros pobres, onde a tradição nasceu há mais de 20 anos. Carolina Leiros e sua amiga Rebeca Kaizer, de 16 anos, são fãs do Bonde do Tigrão, frequentadoras assíduas da matinê do Ballroom e enlouquecem os pais quando ouvem os CDs da Furacão 2000. Mas nunca conferiram um baile de verdade. “Tenho medo”, confessa Carolina, entre uma coreografia e outra.

Nem todos se curvam diante do medo. Loirinha e de olhos azuis, Tatiana Dias, 16 anos, dia desses arriscou-se, escondida dos pais, no baile da favela Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana. “Eles jamais permitiriam. Fui com um monte de amigos. É outro mundo, mas achei tranquilo”, conta Tatiana. Muitos jovens estão experimentando cruzar a fronteira e conhecer os bailes in loco. Lá, as caixas de som castigam os tímpanos bombeando a todo volume batidas repetitivas e letras que não primam pela poesia. Na maior parte das vezes, seus intérpretes não têm nenhuma técnica nem afinação. Mas, diga-se, a experiência tem sua graça. “O que vale é o bom humor. As músicas são boas para dançar e até minha filha de oito anos gosta e canta junto”, diz Fernanda Abreu, 39, uma das primeiras cantoras pop a abraçar o funk.

Solto pipa e cheiro cola – O baile mais disputado acontece no meio da favela de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio. De um lado, biroscas vendem cerveja a R$ 1,00. Do outro, um lixão se acumula no meio da rua, próximo ao local onde os mauricinhos estacionam seus carros importados. No espaço batizado de Castelo das Pedras, cerca de cinco mil pessoas espremem-se todos os fins de semana. Foi no Castelo que surgiu o Bonde do Tigrão, maior sucesso da temporada. O local também deu origem ao primeiro MC mirim. Trata-se de Jonathan Costa, de apenas oito anos, filho de Rômulo e Verônica Costa, padrinhos do funk carioca e donos da maior e mais famosa equipe de som da cidade, o Furacão 2000. O menino faz sucesso cantando De segunda a sexta é esporro na escola, sábado e domingo, solto pipa e cheiro cola (a versão oficial, que não é cantada nos bailes, é solto pipa e jogo bola). Apesar da timidez e da vozinha fraca, Jonathan agradou e deve gravar seu primeiro CD em fevereiro, pelo selo da família.

Um dos atrativos do Castelo das Pedras é a segurança. Seu proprietário, o sargento da PM Geiso Turques, proíbe a execução de músicas com letras violentas e pune eventuais brigas convidando os baderneiros a se retirarem do recinto. Graças a 25 seguranças, não há registro de confusões nem de carro roubado. Por conta disso, atrai famosos, como os jogadores Romário, Edmundo e Ronaldinho Gaúcho, e artistas, como Vitor Fasano e Alexandre Barilari. A comunidade local recebe os visitantes ilustres de braços abertos. “As popozudas da zona sul só deixam o baile mais glamouroso”, elogia o dançarino Rodrigo Silva, 18 anos. 

Os ídolos da galera

O verão já tem um hit: Quer dançar, o tigrão vai te ensinar, Eu vou passar cerol na mão, Vou sim… O funk Cerol na mão, do grupo Bonde do Tigrão, pôs todo mundo para dançar com as mãos em forma de garrinhas de tigre nas festas mais ecléticas do Rio, do réveillon na casa do cineasta Silvio Tendler ao agito na sofisticada churrascaria Porcão Rio’s. O sucesso, de autoria do vocalista Leandrinho, 20 anos, e do pai de outro integrante da banda, Tiaguinho, nasceu num papo descontraído num bar na Cidade de Deus, uma das favelas mais violentas do Rio. Depois de ser incluída num dos CDs da Furacão 2000 e consagrar-se no Castelo das Pedras, no final do ano passado, a música caiu na boca do povo. Também virou alvo de disputa judicial. De propriedade da Furacão 2000, foi lançada em coletâneas de gravadoras como Universal e Sony, que deverão responder a ação na Justiça por uso indevido. A Sony, aliás, se adiantou e acaba de fechar um contrato com o grupo para lançá-lo no Carnaval. A banda começa a provar o irresistível sabor da fama, com shows marcados pelo Brasil e um novo sucesso nas rádios, Tchutchuca.

ISTOÉ – O que fazia antes de se tornar cantor?
Leandrinho – Era empacotador do Paes Mendonça
da Barra.
ISTOÉ – Esperava este sucesso?
Leandrinho – A gente botou na cabeça que era isso que queria fazer e acreditou.
ISTOÉ – Desde que idade frequenta os bailes?
Leandrinho – Desde os 14 e comecei a compor com 18.
ISTOÉ – Já mudou a sua vida desde que o sucesso começou?
Leandrinho – A gente conheceu o Claudinho e Buchecha e foi no programa da Xuxa. Ela é muita areia para o meu caminhão.