É difícil as leis acompanharem os avanços tecnológicos. No caso da música brasileira, que como no resto do planeta hoje chega do compositor ao ouvinte por um clique, a distância entre as regras e as possibilidades é enorme. As leis de direitos autorais – reguladas pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad – são caldo de cultura para disputas longuíssimas que impedem que composições cheguem aos ouvidos do público até mesmo pelas mãos de seus autores.

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Uma das brigas mais famosas gira em torno da banda Legião Urbana, criada nos anos 1980. O vocalista Renato Russo morreu em 1996.
À época, o filho Giuliano Manfredini tinha sete anos de idade. Mesmo assim, ele tem hoje mais direito sobre o legado da banda que Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos, que ao lado de seu pai formaram o Legião Urbana. “Não ­podíamos utilizar o nome que criamos juntos, pois ele foi transformado em marca”, conta Villa-Lobos.

Manfredini, que está preparando o lançamento dos diários do pai pela Companhia das Letras, a partir de julho, discorda. “Nosso objetivo é preservar a memória de meu pai e perenizar a sua obra, conforme desejo que ele manifestou publicamente”, diz o herdeiro. O produtor quase impediu o uso do nome do grupo em tributos como o realizado pelo ator Wagner Moura, ao lado dos dois integrantes da banda em 2012, mas acabou cedendo poucos dias antes, em troca de dinheiro e ingressos. Agora, entre os seus projetos para os 30 anos de lançamento do primeiro disco da banda de seu pai, ele incluiu uma turnê pela Europa de uma banda cover do Legião.

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Alexandre Magno Abrão, o Chorão da banda Charlie Brown Jr., deixou os herdeiros em guerra após sua morte por overdose em 2013. O espólio do cantor é disputado entre a viúva, Graziela Maria, e o filho de seu primeiro casamento, Alexandre Abrão.

O filho é considerado seu sucessor legítimo, mas Graziela tenta reverter a situação, com o apoio dos integrantes da banda. Não é preciso morrer para ter a obra posta em disputa. João Gilberto, intérprete de “Chega de Saudade”, briga com a EMI desde 1992 pelo direito sobre a obra seminal da bossa-nova. Conseguiu aval da Justiça, mas a empresa reteve a matriz da gravação, impedindo o projeto do cantor de lançar sua obra completa. Segundo Adriana Vendramini, advogada do Copyrights, escritório que presta consultoria sobre o assunto, os projetos de lei sobre direitos autorais em trâmite no Congresso Nacional podem desembaraçar o imbróglio burocrático que levou a situaões como essas. Até cair em domínio público – o que deve ocorrer 70 anos depois da morte de João Gilberto – “Chega de Saudades” corre o risco de ficar confinado a item enciclopédico.

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PROFISSÃO: HERDEIRO
O produtor Giuliano Manfredini, filho de Renato Russo, que vai publicar os
diários do pai e relançar o primeiro disco do Legião Urbana depois de 30 anos

Foto: Adriano Vizoni/Folhapress; Divulgação; ARCOS DE PAULA/ESTADãO CONTEÚDO/AE