Nos primeiros meses do segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff acumulou seguidas derrotas no Congresso. Os reveses no Parlamento tiveram como causa principal a revolta dos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com a inclusão de seus nomes no rol de investigados da Operação Lava Jato. Os dois culpam o Palácio do Planalto pelo fato de a Polícia Federal e o Ministério Público terem encontrado indícios de que participaram dos desvios de dinheiro da Petrobras. Sem força política para vencer Cunha e Renan e pressionada pela necessidade de aprovar as Medidas Provisórias do ajuste fiscal, a presidente decidiu falar a linguagem que mais agrada aos congressistas. Mais uma vez, o método adotado para conquistar os votos indispensáveis é a distribuição de cargos federais para apadrinhados de deputados e senadores. Como se fosse uma feira livre, o Palácio abriu a temporada de negociações para o preenchimento de vagas abertas no segundo e no terceiro escalões. Convocado para a missão, o vice-presidente Michel Temer dispõe de uma relação de quase 200 postos a serem entregues aos aliados. No pacote estão o comando de 10 autarquias e 20 diretorias de agências reguladoras que, juntas, acumulam orçamento de mais de R$ 21 bilhões anuais. Além de administrar cifras milionárias, os indicados pelos parlamentares terão pelo menos 2,3 mil cargos comissionados para seus cabos eleitorais.

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A distribuição de empregos federais para os partidos tem um ritual estabelecido. Grandes legendas da base aliada, como PMDB, PP, PR, PSD e PTB, deixaram na mesa do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, extensas listas com o nome dos pretendentes e o local onde querem se alojar pelos próximos anos. Mais contidos, PCdoB e PRB aguardam a boa vontade do Planalto. Quando acertou a liberação de cargos em troca do apoio nas votações das medidas provisórias 665 e 664 (que alteram regras no seguro-desemprego e benefícios previdenciários),Temer garantiu aos aliados que o Diário Oficial confirmaria as nomeações antes do início da segunda quinzena de maio. Embora a Câmara tivesse aprovado a MP 665 na quarta-feira 6, a expectativa não se confirmou. Prevendo descontentamento da base, o vice-presidente procurou Dilma e comparou as negociações parlamentares ao compromisso de gastos com cartões de crédito. “Quando a fatura vem, tem que pagar”, advertiu Temer.

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CARTAS NA MANGA
Convocado para a missão de distribuir cargos, o vice-presidente Michel Temer
dispõe de uma relação de quase 200 postos a serem entregues aos aliados

Na quarta-feira 13, a base aliada votou a favor da MP 664. Mas o atraso no pagamento da fatura gerou uma multa pesada: na mesma sessão, Eduardo Cunha pôs em votação e aprovou uma emenda do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), que propõe nova regra de cálculo para o fator previdenciário – mudança rejeitada pelo governo. A derrota nem pode ser creditada a Temer. A presidente demorou a confirmar a liberação dos cargos e o próprio relator da MP 665, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), apoiou a emenda que muda o fator previdenciário. O petista abriu caminho para outros nove colegas votarem contra o Planalto.

Se a presidente não preencher, até a próxima semana, as páginas do Diário Oficial com nomeações, o Senado ameaça aumentar o valor cobrado do Planalto. Renan afirmou que os senadores também têm intenção de mexer no fator previdenciário. Ele anda emburrado com o governo e seu humor não melhorou nem mesmo com a carona que Dilma lhe ofereceu no avião oficial para irem ao enterro do senador Luiz Henrique, peemedebista de Santa Catarina que faleceu no domingo 10, vítima de infarto. Renan aceitou o convite e levou outros parlamentares. Os convidados, no entanto, se disseram maltratados pela presidente, que não saiu de sua poltrona para conversar com eles. Interpretado como descortesia, o gesto só piorou as coisas.

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TROCA DE FAVORES
Mercadante, da Casa Civil, recebeu da base aliada uma lista
com o nome dos pretendentes aos cargos

Diante do cenário desastroso, o ex-presidente Lula esteve em Brasília, na quinta-feira 14, para almoçar com Renan. O presidente do Senado disse se sentir desprestigiado. Na lista gerenciada por Temer, o senador alagoano viu crescer o espaço de outras siglas, como o PSD, e de colegas de partido. O senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) indicou Marcos Costa Holanda para o Banco do Nordeste, nomeação que saiu no início do mês. Renan, que tinha Vinicius Lage no Ministério do Turismo, passou pelo constrangimento de ver o afilhado substituído por Henrique Eduardo Alves, do PMDB do Rio Grande do Norte, na pasta. Agora, Renan aguarda as indicações para a Agência Nacional de Transportes Terrestres para abrigar aliados.

Pelo que ficou acertado até a semana passada, a contribuição do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do líder do partido, deputado Leonardo Picciani (RJ), na votação das medidas provisórias será recompensada com cargos na diretoria da Companhia Docas do Rio de Janeiro. O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, tem atuado como uma espécie de relações institucionais do governo no Congresso e, por isso, será contemplado com a Superintendência da Zona Franca de Manaus. Braga vai perder o cargo indicado na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia. A Sudam vai para a cota do senador Paulo Rocha (PT-PA). Para o ministro, porém, foi uma troca vantajosa, pois a Suframa tem orçamento seis vezes maior do que a autarquia que cuida os assuntos da Amazônia.

Embora tenha recebido o Ministério do Turismo, Henrique Eduardo vê ameaçado seu espaço no rateio de cargos do governo. O PSD, do ministro das Cidades, Gilberto Kassab, pressiona para ganhar o Departamento Nacional de Obras de Combate à Seca. A autarquia conta com orçamento de R$1,2 bilhão e suas obras têm grande visibilidade para a população mais pobre do Nordeste e Norte de Minas Gerais. 

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O PP também conseguiu um lugar cobiçado. Diante da ameaça de rebelião do partido nas votações do pacote de ajuste fiscal, o governo sinalizou com a entrega da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), ligada ao Ministério da Integração, ao senador Ciro Nogueira (PP-PI). A Codevasf ganhou popularidade no interior do Nordeste com a distribuição de cisternas para famílias da área de grandes secas. O orçamento da autarquia é de R$ 1,1 bilhão.

A feira de cargos comandada por Dilma pode contar, ainda, com o Ministério do Trabalho. Após o presidente do PDT, Carlos Lupi, afirmar em entrevista que o PT “roubou demais”, o governo aguardava que o ministro Manoel Dias deixasse a Esplanada. Isso não aconteceu e, para piorar, toda bancada do PDT votou contra a orientação do Planalto na apreciação das medidas provisórias. Dilma ofereceu a pasta ao PMDB, que não demonstrou interesse. Mas não falta quem queira: o PT, rapidamente, se candidatou a ocupar o ministério. 

Fotos: José Cruz/Agência Brasil; Mila Cordeiro/ Ag. A TARDE


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