No final da tarde da segunda-feira 1º, o alarme soou ensurdecedor no magnífico apartamento de mil metros quadrados que ocupa todo o primeiro andar de um prédio situado na aristocrática avenida Higienópolis, em São Paulo. Charles Cosac, o dono, e alguns de seus auxiliares começaram um corre-corre frenético até descobrirem que o disparo tinha sido acidental, mas havia provocado um estrago. Era a obra Sem título, de Nuno Ramos, apelidada por seu dono de Duas gotas de óleo, até então suspensa no teto, que jazia espatifada no chão, vitimada por uma cabeçada de Farrah, a cadela pastor de Cosac. O problema maior é que o nada metafórico conteúdo da obra – alguns galões de óleo diesel – se espalhava pelo piso de mármore branco. Enquanto os empregados discutiam a melhor forma de se eliminar a gosma, Cosac, olímpico, foi resolver a questão do alarme com a firma responsável. Uma coisa de cada vez é seu mote. Foi assim que ele e o sócio, o americano de origem libanesa Michael Naify, ergueram a Cosac & Naify, que, em apenas cinco anos, se tornou a editora brasileira de maior prestígio, charme e competência, superando ou pelo menos igualando-se à badalada Companhia das Letras, de Luiz Schwarcz.

Valendo-se da talentosa combinação de dinheiro e saber nasceu a editora elogiada até pelas concorrentes. A família Cosac é de sírios que fizeram fortuna com mineração. O pai, Mustafá, com lascas de quartzo na Bahia, e a mãe, Hend (rebatizada Vitória no Brasil), com ferro em Minas Gerais. Michael Naify, cunhado de Charles, é herdeiro da família proprietária do maior número de cinemas dos Estados Unidos. Eles também são responsáveis pela introdução da televisão a cabo naquele país e já figuraram como uma das 400 maiores fortunas americanas na lista da revista Forbes. A dupla se conheceu no início dos anos 80, na Universidade de Essex, Inglaterra, e só decidiu criar uma editora dez anos mais tarde, durante uma conversa no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, em que Cosac reclamava do livro sobre o artista plástico Siron Franco, que acabara de fazer e cuja edição inicial continha nada menos que 150 erros óbvios. A saída era editar os próprios livros.

Mas Cosac, um carioca criado em Petrópolis, com 37 anos completados em setembro passado, não é uma pessoa comum. Portanto, não fundaria uma editora convencional. Seu apartamento é uma prova de sua atitude perante a vida. A sala atingida pelo lamentável acidente, além das mais variadas obras de arte, abriga um piano de cauda e um sofá para 12 pessoas. No centro, incrusta-se a peça mais valiosa, uma estátua de Cristo da Ordem Terceira do Carmo, datada do século XVIII. Ela está disposta ao lado de cinco “lápides” homenageando pessoas queridas, entre elas o falecido marchand Marcantonio Vilaça e o próprio Charles Cozac (com z, como preferia ter sido registrado). Segundo o empresário, a atitude não tem nada de mórbido, mas de amor à vida. Exatamente como as roupas que usa. Católico ortodoxo antioquino, com o pescoço sempre envolto por um “xale de Arafat”, ele normalmente é visto nos restaurantes, bares ou mesmo nas ruas usando túnicas de seda à maneira árabe.

Fumando um cigarro light atrás do outro e observando discretamente seus auxiliares digitarem as provas finais do livro do estilista Alexandre Herchcovitch, que acaba de produzir, Cosac falou sobre tudo a ISTOÉ, com a maior tranquilidade. Do seu desprezo pela Lei Rouanet, “que acaba servindo para beneficiar livros de brindes”, à sua sexualidade. “Sou um homossexual que gosta de mulheres”, diz. Em cima da mesinha, uma pilha de fotos da instalação mais recente de Siron Franco – composta de pilhas de manequins vestidos, que serão acondicionados em cubos –, batizada de Intolerância. Foi o próprio Franco quem animou Cosac a montar uma editora que preenchesse um vazio na área de arte e também se esmerasse nas traduções dos livros. Hoje, o artista plástico acredita que a Cosac & Naify seja um marco. A editora, aliás, entrou no mercado justamente lançando belos livros de arte, de qualidade impecável, vendidos a preços justos. Depois, agregou a área da moda, publicando a biografia de estilistas, história da moda e até da boneca Barbie. Há dois anos, a Cosac & Naify decidiu abraçar o segmento literário e, desde então, lança livros de autores clássicos, consagrados e novatos que fazem a festa do público e da imprensa especializada.

Refinamento – O crítico literário José Castello, por exemplo, considera a Cosac & Naify e a Objetiva as duas grandes novidades do mercado editorial nos últimos anos, apesar de ocuparem lugares opostos. “Enquanto a Objetiva se caracteriza pelos altos investimentos e a agressividade no mercado, a Cosac & Naify se destaca pelo refinamento e pela seleção rigorosa na qualidade”, enfatiza Castello, que lembra o sucesso da Companhia das Letras pelos mesmos motivos. De fato, quando surgiu, em 1986, a editora comandada por Schwarcz deixou muita gente boquiaberta diante da excelência e do conteúdo editorial. Hoje, com 1.500 títulos editados, o editor é um dos primeiros a cumprimentar o colega Charles Cosac. “Quando comparam nosso trabalho eu sinto que o deles é ainda melhor. A editora começou pequena, mas já fazendo uma coisa boa, uma coisa além, típica de país desenvolvido.”

A Cosac & Naify foi inaugurada em 1996, no antigo apartamento de Cosac, na avenida São Luís, centro de São Paulo. Ele, a divulgadora Selma Caetano e o produtor Vanderlei Lopes fizeram com unhas e dentes o livro sonhado pelo artista plástico Tunga, Barroco de lírios, marco inaugural de uma série de monografias seguidas de um volume dedicado a Leonilson, Use, é lindo, eu garanto. De Florença, na Itália, onde mora com a mulher, Simone, e os três filhos, Michael Naify coordenava acordos com as britânicas Tate Gallery e Yale University, viabilizando o lançamento dos seis volumes da Série Pelican de história da arte. Aos poucos foram se cercando de gente competente em várias áreas. Atiraram para todos os lados. Além da moda, vieram livros sobre arquitetura. Gastaram muito dinheiro administrado por Ísis de Mesquita, produziram livros elogiadíssimos e encalhes enormes até chegar 1999, o ano-chave para a Cosac & Naify, quando, como diretor financeiro, Ivo Camargo entrou em cena, vindo de um trabalho de 12 anos na área comercial da Companhia das Letras. “Foi realmente um desafio”, conta Camargo.

“Cavador de ouro” – Primeiro contratou a especialista em gerenciamento de vendas Lílian Gaspari. Com a distribuição em dia, a coleção da Tate hoje está na marca dos 100 mil exemplares. A editora funciona como uma extensão da casa de Cosac, recheada de obras por todos os lados. Para dar um involuntário toque caseiro, não raro esbarra-se com Odin, o pastor alemão companheiro de Farrah, escarrapachado no hall de entrada forrado de fotos de Arthur Omar. Logo após a “praça da discórdia” – onde os funcionários se reúnem para fofocar – fica o escritório de Augusto Massi, o “cavador de ouro” exigido por Camargo. Na qualidade de diretor editorial, ou coordenador, como prefere, o professor de literatura é responsável pela área de humanidades e pela unidade formal dos livros editados. Ele tem como ponta-de-lança a série Prosa no mundo, a cargo de Samuel Titan Jr., que comemora os 12 mil exemplares vendidos de O diabo e outras histórias, do russo Liev Tolstói, além da boa aceitação da série Literatura contemporânea, liderada por seis títulos de João Antônio em novas edições.

Sobre esta área, a crítica literária Luiza Pastor afirma que a editora vem desenvolvendo um trabalho extremamente bem cuidado e sério. O também crítico Luciano Trigo determina que no momento é a Cosac & Naify que sustenta o perfil de obras ultrasofisticadas e ultra-selecionadas. “É um projeto coerente, que aposta na qualidade. Espero que surjam outras do gênero”, diz. Mesmo com tantas loas, a editora está no vermelho. “É só uma questão de tempo para acertarmos”, garante Ivo Camargo, que prevê lucros no máximo em dois anos. Charles Cosac conta que o aporte de dinheiro cessou, mas as dívidas praticamente não existem. Agora, com o respaldo financeiro, ele não precisa ter medo que o céu lhe desabe sobre a cabeça. No máximo uma obra de arte, daquelas que custam uma fortuna.