Foi durante um bombardeio em Damasco, na Síria, em 2013, que Mazen al-Sahli, 45, perdeu sua casa e seu restaurante, na guerra que atormenta o País há quatro anos. Refugiado no Brasil há um ano, ele conta sua história do sofá da casa que alugou em Guarulhos, na Grande São Paulo, sentado de costas a uma parede decorada com frases do Corão. Sahli dá um gole no café, fixa o olhar no vazio, suspira e repete: “Você não sabe o que é a guerra.” Na capital síria, ao se ver rodeado pelos destroços do que um dia foi seu lar, vagou pela cidade ao lado do filho, Mohammad al-Sahli, 16 anos, e da mulher, Halema Helal, 40 anos. Moraram durante sete meses em uma escola e na casa de parentes. Solicitaram refúgio na Alemanha, na Suécia e no Brasil, mas a única embaixada que deferiu o pedido foi a brasileira. Desembarcaram aqui no dia 12 de janeiro de 2014, dormiram três dias na mesquita de Guarulhos e se mudaram para uma casa nas redondezas. A fonte de renda são os doces sírios feitos nos fundos de onde vivem. “Estamos reconstruindo a vida aos poucos”, diz. “É difícil recomeçar, mas foi melhor ter vindo para cá do que ficar em um lugar onde não podíamos mais sair por medo de morrer.”

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Nasr Alden Moughrabiah mora próximo à mesquita do Pari, no centro
de São Paulo, e espera pelos pais e pelo irmão,
que devem se mudar em breve

A vinda de al-Sahli e sua família foi facilitada por uma resolução criada pelo governo brasileiro em 2013 para desburocratizar a concessão de visto para sírios fugidos da guerra. Esse foi o motivo do aumento do número de refugiados dessa nacionalidade, que chegou a 1.740 em 2014, tornando-os o maior grupo entre os 7.662 asilados no País. No começo do conflito, em 2011, eram apenas 16. A maioria dos sírios que chega ao Brasil é de homens sozinhos, entre 20 e 30 anos, com ensino superior e inglês fluente. Formado em contabilidade, Nasr Alden Moughrabiah, 31 anos, fugiu da Síria para não servir o exército. “Teria que pegar em armas e matar pessoas. Não ia conseguir passar por isso.” Ele chegou em fevereiro de 2014 e alugou um apartamento no Brás, no centro de São Paulo. Hoje trabalha como representante de uma marca de jeans e diz que o pai, a mãe e o irmão só estão esperando venderem a casa de Damasco para se mudarem para cá.

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Moughrabiah escolheu viver nas redondezas da mesquita do Pari, também no centro, por causa do comércio e da forte presença islâmica na região. A própria mesquita virou ponto de referência, seguindo dizeres do Corão, que prega o dever do muçulmano em prestar caridade a viajantes desamparados. “Somos como uma tábua de salvação”, afirma a funcionária pública Layla Ielo, brasileira convertida ao islamismo e uma das fundadoras do Oasis Solidário, grupo que presta apoio aos refugiados.

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A ideia de criar o Oasis Solidário, em 2013, surgiu de uma conversa entre Layla e Amer Mohamad Masarini, sírio que vive no Brasil há 19 anos. Hoje eles mantêm diálogo direto com a Prefeitura de São Paulo e o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do governo federal, na tentativa de desenhar um panorama mais esperançoso. Masarini, no entanto, se diz desanimado. “O Brasil abriu as portas, e isso é ótimo, mas assim que o avião pousa os refugiados encontram problemas: poucas pessoas podem lhes dar informações em inglês, quem dirá árabe. Já recebi telefonema de funcionários do aeroporto me pedindo ajuda”, afirma. Para Manuel Nabais da Furriela, presidente da comissão do direito do refugiado, asilado e da proteção internacional da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), a estrutura de apoio precisa melhorar. “O governo tem de se articular melhor para dar conta do contingente, que deve aumentar em 2015. A maior parte da ajuda vem do terceiro setor.”

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Há um ano procurando emprego no Brasil, Abdulbaset Jarour, 25 anos, trabalhava em uma loja de produtos eletrônicos em Aleppo, uma das cidades mais afetadas pela guerra, quando foi convocado para servir o Exército, em 2010. Tornou-se motorista, mas nem por isso deixou de presenciar conflitos e assassinatos. Resistiu a fugir da Síria até que o quartel em que dormia foi bombardeado durante a madrugada. Há um ano no País, diz que fez amigos por aqui e não pensa em voltar. Dois dias depois de conversar com ISTOÉ, Jarour soube que a mãe foi gravemente ferida em um ataque com bombas na Síria. A guerra, para esses refugiados, continua mais presente do que nunca.

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FOTOS: João Castellano/Istoé; Airam Abel 


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