Quatro ex-presidente, cerca de quatro horas de debates e uma platéia com a elite do empresariado brasileiro. Esses ingredientes fizeram com o que a primeira sessão do Fórum de Líderes Empresariais, iniciado neste domingo na Ilha de Comandatuba, na Bahia, vivesse um clima de nostalgia latino-americana. Com as crises econômica e política voltando a se instalar nos principais países do continente, os discursos dos antigos chefes de Estado de Brasil, México, Bolívia e Uruguai soaram como boa música para uma platéia insatisfeita com os etuais estágios das nações. O ex-presidente Fernando Henrique cardoso, por exemplo, sequer precisou falar para ser aplaudido de pé. Já no noite de sábado, recebeu a ovação de mais de 500 pessoas apenas por ter sua presença anunciada pelo organizador do evento, o empresário João Doria Jr., presidente do Lide. No dia seguinte, ao discursar, veria a cena se repetir.

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FHC: "O povo não reconhece a eficiência da democracia brasileira"

 

O sol brilhava forte do lado de fora do centro de convenções quando FHC iniciou seu pronunciamento criticando o isolamento comercial e político brasileiro. Segundo ele, o País tem ficado à margem do processo de globalização ao concentrar suas relações em dois ou três acordos bilaterais com países sem expressão, enquanto nações como o México possuem mais de 30 com parceiros de peso como os Estados Unidos e o Canadá, entre outros. Depois da análise externa, o ex-presidente voltou seu discurso para o cenário interno. Para ele, "o povo não reconhece a eficiência da democracia brasileira", porque "quer, precisa mas não recebe" os serviços básicos como saúde, segurança, educação mobilidade e respeito. "Nada se faz sem liderança e a coragem para escolher e lutar pelo que acredita", declarou ao final de sua apresentação. Mais uma vez a platéia levantou-se para aplaudir.

A reverência da platéia parece ter contagiado o boliviano Jorge Quiroga, que presidiu seu país entre 2001 e 2002. Ele iniciou seu discurso rotulando FHC como o maior estadista da América Latina de todos os tempos. Descontraído, roubou ao falar da sua ligação e admiração pelo Brasil desde criança. Disse que nunca vai esquecer a seleção brasileira da Copa de 70 e citou todos os jogadores por ordem das suas posições. Então, emendou uma série de analogias que arrancaram risos da audiência. Afirmou, por exemplo, que o Fórum de Comandatuba é tão importante quanto o de Davos, com as vantagens de ser na Bahia, com sol, povo amigável e ótima comida. E usou o futebol para fazer uma dura crítica bloco comercial da América do Sul. "O único lugar que o Mercosul funciona é em Barcelona, com o trio Neymar, Suarez e Messi". Ao classificar a situação na Venezuela como insustentável, disse o que a maneira do presidente Nicolas Maduro lidar com os adversários é "como se Dilma mandasse prender o Aécio para calar a voz da oposição". Por isso, defendeu uma ação forte do governo brasileiro em defesa dos presoss políticos na país vizinho. "O posicionamento e um pedido firme do Brasil para soltar os prisioneiros e por eleições livres teria um peso inestimável para o desenvolvimento da América Latina", afirmou Quiroga. 

Empresário e governante mexicano entre os anos 200 e 2006, Vicente Fox falou em seguida, defendendo um posicionamento mais firma da iniciativa privada. Para ele, os empresários não podem ficar apenas como passageiros no carro e deixar outros guiarem. Como geradores de recursos, têm que se unir e virar o jogo. Nas suas palavras, "não há melhor líder do que o comprometido com a proposta e a realização". Reiterou também que os países da AL têm de se empenhar em buscar acordos bilaterais com países desenvolvidos. Citou os exemplo do México — onde, com o apoio e parceria com o EUA, em pouco tempo foram implantadas mais de dez fábricas, a maioria da indústria automobilística , gerando milhares de empregos — e a Índia, que através destes acordos exportou US$ 180 bi em tecnologia de informação. "Os líderes têm que ter foco em interesses superiores a regiões, países, partidos e ideologias", afirmou.  

O quarto ex-presidente a discursar em Comandatuba foi Luiz Alberto Lacalle, chefe do governo uruguaio entre 1990 e 1995. Ele, da mesma maneira que Fox, convocou os empresários a serem mais participativos. Para ele, quando a economia vai bem, o empresariado esquece os seus deveres com a sociedade. E acabam sem voz ativa nos momentos de dificuldade. A crise política venezuelana também ocupou boa parte de seu pronunciamento. Para ele, governos têm de ter prazos de validade e não se manter a qualquer custo no poder, como acontece com Maduro na Venezuela e Rafael Correa no Equador. "Estes tipos de governos são danosos para a América Latina e para a democracia", afirmou Lacalle. Uma consequência dessa perpetuação no poder seria, para ele, o fato de os jovens latinoamericanos não acreditarem mais na política e na instituições. "Em alguns países, não acham que o seu voto mudaria alguma coisa".

Lacalle foi outro que decretou a falência do Mercosul. "É um cadáver", afirmou, coorborando a opinião de seus antecessores na tribuna de que os acordos bilaterais são essenciais. Disse que quando era presidente sabia que o voto do Uruguai na ONU valia a mesma coisa que o da China e que, por isso, na hora de uma votação procurava negociar o máximo de benefícios para o seu país. Lacalle defendeu a liberdade total do comércio no continente. "Quero pegar meu caminhão com mercadorias no Uruguai e vender em São Paulo, sem burocracia, e vice versa."
Ao final dos discursos, um animado debate entre os quatro líderes acendeu ainda mais a platéia. Muitos consideravam o encontro histórico e diziam ter sido aquele o melhor debate já realizado em Comandatuba. A defesa do papel da iniciativa privada e as críticas aos regimes autoritários arrancaram seguidos aplausos. Ao final, perguntado sobre o assunto, FHC disse que todos têm que protestar contra a situação da Venezuela, suas prisões sem sentido contra a democracia, das degolas no Oriente Médio, das violações dos direitos humanos em diversos países. Então, levou os três colegas ao púlpito. Ovação final!