Encurralado por uma avalanche de denúncias de corrupção, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) finalmente está jogando a toalha. Na terça-feira 18, ele formaliza a renúncia à presidência do Senado, primeiro passo para deixar o Congresso pela porta dos fundos antes que seu mandato seja cassado. O destino de Jader está selado: vai seguir o exemplo dos ex-senadores Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda para tentar preservar seus direitos políticos. Mas isso não o livrará de uma penca de processos. Depois de comprovada sua participação no desvio de recursos do Banco do Estado do Pará pela comissão de investigação do Conselho de Ética do Senado, Jader foi fisgado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal no bilionário escândalo da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Responsável pelo inquérito sobre a máfia da Sudam, o delegado federal Hélbio Afonso Dias Leite pediu ao Supremo Tribunal Federal, na última quinta-feira, a quebra dos sigilos bancários do clã dos Barbalho: do próprio Jader, de sua atual mulher, Márcia Centeno, do primo e deputado federal José Priante (PMDB-PA) e do irmão Leonel Barbalho. ISTOÉ teve acesso à farta documentação da Polícia Federal – depoimentos explosivos de empresários, cheques, bilhetes e relatórios policiais –, que fundamenta o pedido ao STF e mostra o envolvimento direto de Jader e sua família na farra com dinheiro público da Sudam. Com base nessa papelada e na quebra do sigilo de 60 mil ligações telefônicas, na quinta-feira 13 o Ministério Público Federal requereu à Justiça Federal no Tocantins o envio ao Supremo da parte do inquérito que incrimina Jader e Priante. “Provas recentes amealhadas pelos atos de investigação apontam, em um juízo preliminar, para a existência de fortes indícios da participação na trama delituosa de fraudes cometidas pelo senador Jader Barbalho e o deputado federal José Priante”, justifica o procurador da República, Mário Lúcio de Avelar.

Mais um – Além do esquema de Jader na Sudam, a petição do procurador Mário Lúcio acusa o ex-ministro e senador Fernando Bezerra (PTB-RN) de envolvimento nas fraudes. “É relevante anotar que existe, ainda, outra organização criminosa, de criação recente, vinculada ao ex-ministro da Integração Nacional Fernando Bezerra, que tinha como executores diretos o ex-secretário-executivo do Ministério Benivaldo Alves de Azevedo e o contador Geraldo Pinto da Silva”, escreve o procurador. Geraldo Pinto é acusado pela PF de participar também do grupo de Jader. No relatório que enviou ao STF, o delegado Hélbio Leite aponta Geraldo e a contadora Maria Auxiliadora Barra Martins como peças-chave no esquema de Jader e Priante na Sudam. A documentação traz revelações estarrecedoras. Tão eloquentes quanto os mais de 20 depoimentos de sudanzeiros – proprietários de projetos financiados pela Sudam – colhidos pela PF são os resultados da quebra do sigilo telefônico de lobistas e empresários que comprovam suas ligações com Jader e Priante. Também compromete a dupla de parlamentares a papelada apreendida no escritório de Maria Auxiliadora Barra e do ex-superintendente da Sudam José Arthur Guedes Tourinho, apadrinhado de Jader. Entre os documentos apreendidos na casa de Auxiliadora, está um bilhete em que a contadora registra um lembrete pra lá de comprometedor: “p/Priante: fazer declaração de que não conheço, não usei seu nome, não tenho ligação.” Em outra anotação, ela presta contas ao “Doutor”, que, segundo a PF, trata-se de Jader. Na residência de Romildo Soares, sudanzeiro e político do PMDB de Altamira, no Pará, foi recolhida uma nota em que ele nega qualquer ligação com Jader e que, estranhamente, foi remetida à imprensa a partir do fax do gabinete da presidência do Senado. Já na casa de Tourinho, a PF encontrou dois memorandos internos, um destinado a Sen. J.B. e outro para J.B., com informações sobre a tramitação de 26 projetos na Sudam.

Propina da propina – Mas o que mais complica a situação de Jader são os depoimentos de empresários que participaram das fraudes. Em depoimento prestado em 28 de agosto à Polícia Federal, o sudanzeiro Danny Guzeit contou em detalhes o esquema de fraudes na Sudam e o envolvimento de Jader, a quem descreve como amigo pessoal. Segundo Danny, numa ponta do esquema estavam Maria Auxiliadora e Geraldo Pinto, que cobravam 10% sobre os projetos fraudados aprovados na Sudam. Na outra ponta, Jader Barbalho, que ficava com 9% dos 10% da propina. Entre Maria Auxiliadora e Jader, o dinheiro transitava por intermediários, como Mário Melo, ligado à consultoria Préstimos, de São Paulo. De acordo com Danny, depois de passear por empresas e “laranjas”, o dinheiro da propina era sacado e entregue a Jader. Abaixo do senador, funcionavam como cabeças do esquema Leonel Barbalho – irmão de Jader e lobista de projetos constituídos em nome de “laranjas” – e o deputado Priante, acusado também de chantagear empresários e forçá-los a fazer contribuições eleitorais. Em depoimento à PF, o empresário Aloísio Pollmeier, da JCA Agroindustrial, revela que deu um cheque de R$ 400 mil para pagamento de comissão a José Priante e não deixa dúvida sobre o poder de Jader. Aloísio contou aos federais que, numa reunião no Palace Hotel, em Altamira, teve uma discussão com Irlendes Carmos Venzeler Rodrigues, o Alemão, assessor de Priante. Alemão exigiu que ele honrasse o cheque da propina pago a Priante. “Isso não é papel que se faça”, censurou Alemão, lembrando que a comissão, a ser dividida entre Priante e Jader, serviria para o deputado pagar uma dívida com o senador. “Jader não perdoa”, advertiu Alemão, segundo o depoimento de Aloísio Pollmeier.

Curiosidade – Outro depoimento à Polícia Federal que expõe as falcatruas na Sudam foi prestado em 30 de agosto pelo empresário Manoel de Jesus Mansur Abucater, da Agropecuária Rio Novo. Depois de explicar detalhadamente como embolsou R$ 4,9 milhões da Sudam com a ajuda de Maria Auxiliadora, ele contou uma história curiosa. Assim que foi liberada a primeira parcela de R$ 1,2 milhão, Auxiliadora desembarcou em Altamira num jatinho Sêneca para fazer a coleta de Manoel e outros 15 sudanzeiros. “Como ela quis receber a propina em dinheiro, o Banco da Amazônia (Basa) ficou sem dinheiro para pagar tantos saques.” De Mansur, exigiu em dinheiro o pagamento de dois cheques que ele havia dado em caução, no valor de R$ 470 mil. Ele pagou R$ 170 mil e precisou viajar até Belém, em companhia de um empregado de Auxiliadora, para sacar o resto do dinheiro. Auxiliadora também o orientou a montar uma empresa de prestação de serviços, em nome de “laranjas”, para fornecer notas fiscais. “Ela cuidava de tudo, forjando livros fiscais e declarações de Imposto de Renda”, diz Mansur.

Mentira – Ao mesmo tempo que as investigações na Sudam e do escândalo com Títulos da Dívida Agrária (TDAs) fecham o cerco a Jader fora do Congresso, ele caminha para o cadafalso no Conselho de Ética. Na quarta-feira 12, a comissão de investigação do Conselho apresentou relatório em que comprova ter sido o senador o principal beneficiário do desvio de recursos do Banco do Estado do Pará. Assinado pelos senadores Romeu Tuma (PFL-SP) e Jefferson Peres (PDT-AM), o relatório diz também que Jader mentiu ao Senado quando negou taxativamente que não recebera nenhum tostão da fraude do Banpará em sua primeira gestão como governador do Pará. Na reunião do Conselho, por 9 votos a 5, foi aprovada uma moção contra a volta de Jader à presidência do Senado, marcada para a segunda-feira 17. No debate entre os conselheiros, os senadores do PMDB Casildo Maldaner (SC) e Nabor Júnior (AC) chegaram a propor a formação de uma comissão para comunicar a Jader que ele não tinha mais condições de voltar ao comando do Senado. No dia seguinte, Jader cedeu e anunciou a renúncia. Em seu estilo habitual, fez pose e jogo de cena. Exigiu, por exemplo, uma reunião de presidentes de partidos governistas em que, com o aval do presidente Fernando Henrique Cardoso, seria assegurada ao PMDB a indicação de seu sucessor.

Na próxima terça-feira, a bancada do PMDB no Senado vai indicar o nome do novo presidente do Senado. No final da tarde da última quinta-feira, estava claro que o ex-presidente José Sarney era praticamente um consenso na base governista. Mas o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), corria por fora. O nome de Sarney passou a ser torpedeado pelos senadores oposicionistas Paulo Hartung (PPS-ES) e Heloísa Helena (PT-AL), que estimulavam a candidatura do colega José Alencar (PMDB-MG). Como Alencar não agrada ao Palácio do Planalto, a inclusão de seu nome no páreo serve apenas como uma tentativa de barrar Sarney. O que, na prática, ajuda Renan, parceiro de Hartung e Heloísa Helena na chamada “turma da paçoca” (ler nota no Fax Brasília, à pàg. ao lado), que vem dando as cartas no Senado desde que ACM e Jader Barbalho caíram em desgraça.

Colaborou: Ricardo Miranda (DF)