Gabriel O Pensador tem um jeito indolente como os malandros de morro. As aparências enganam, pois, assim que ele abre a boca para gritar “Até quando você vai levar porrada sem fazer nada?”, refrão da música Até quando?, sucesso nas rádios do País, mostra um colar de dentes muito brancos e bem tratados. Sem dúvida, é um garoto do asfalto da zona sul carioca. Mas os temas purulentos de algumas de suas canções só encontram paralelo em grupos musicais oriundos de favelas, de presídios, das minorias. Seu quinto álbum, Seja você mesmo, mas não seja sempre o mesmo, o consagra como o rapper brasileiro mais famoso e só competindo em polêmica com o arredio Mano Brown, figura de frente do grupo Racionais MCs. Aos 27 anos, Gabriel O Pensador tem outras vantagens. Suas canções agradam aos adultos, saudosos das antigas músicas de protesto, encantam os adolescentes pelas propostas – sempre renovadas – de mudar o mundo e conquistam o público infantil pela ginga.

A tentativa de fotografá-lo nas ruas do Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, foi um exemplo da sua popularidade. Tumulto total no cerco feito a ele por uma grande maioria de fãs mirins e juvenis, de diferentes castas econômicas. “Porrada, porrada!”, gritavam alguns meninos com caixotes de engraxate nas mãos. “Você conhece o Mário?/Cansou de ser otário”, entoava numa outra ponta a garota patricinha. “Porrada!!!”, berrou o motorista de um carro. São estrofes das novas músicas, que estão na boca do povo, refletindo a indignação geral. Corrupção, bandalheira, excesso de bundas e bundões, desemprego, racismo, drogas são alguns dos temas das composições, sempre longas e não raro divertidas, como a música Ãh. “Fui na padaria/falei bom dia/disseram ãh/Fui ver televisão/na programação só tinha ãh…” Na verdade, Gabriel não é autor de versos polidos, cheios de referências literárias ou de análises comportamentais como os de Cazuza ou Renato Russo à sua época. Mas seu discurso cru é incisivo e lhe dá a vantagem de ser democraticamente compreendido.

Injustiças – O rapper carioca tem as antenas permanentemente ligadas nas questões que o cercam, como as injustiças sociais que passam bem longe de sua condição de cidadão, mas se colocam bem perto de sua casa. Filho da jornalista Belisa Ribeiro e do médico Miguel Contino, Gabriel mora em São Conrado, bairro com o IPTU na estratosfera, mesmo sendo vizinho da favela da Rocinha, onde tem amigos fiéis conquistados na adolescência. “Dos 12 aos 15 anos, eu não expressava consciência social, estava só preocupado com o surfe. Mas meus amigos eram os caras da Rocinha”, conta. “O melhor deles, o Janjão, morava num barraco. Então, de alguma forma, eu vivia essa realidade.” Quando se aproximava dos 16 anos, transmutado em playboy e pixador de muros, aos poucos viu sua vida ganhar outros contornos, depois que começou a compor. A primeira apresentação aconteceu num baile funk na Rocinha, com o amigo Tripa. Em seguida vieram os shows para os movimentos negro e estudantil. “Cantei em cima da mesa no Realengo (subúrbio da zona norte carioca) e em boate em Caxias (Baixada Fluminense). De graça, claro”, relembra.

No início dos anos 90, um amigo levou uma fita com a música Tô feliz (Matei o presidente) para uma rádio. Sucesso instantâneo. Nasceu o rapper e foi abortado o jornalista que poderia ter se formado na Faculdade de Comunicações da Pontifícia Universidade Católica (PUC), a qual frequentou durante apenas um ano. Gabriel virou O Pensador. Mas, por que a denominação? “Tem tudo a ver com meu jeito de parar e ficar viajando…”, explica, sem muitos adendos. Embora tenha a fama de maconheiro e defenda a liberdade de escolha, Gabriel – há seis anos casado com Ana Lima – não passa de um bom, um ótimo rapaz. Não frequenta a noite, não bebe, não fuma tabaco, não usa drogas pesadas. “Já fumei maconha, hoje não mais”, afirma. Ele só se reconhece radical na atitude de jamais trocar seus ideais por dinheiro. Gabriel, o cauteloso, mede bem as palavras ao comentar o fato de sua mãe ter coordenado a campanha que elegeu Fernando Collor de Mello a presidente, em 1989. “Ela agiu como profissional de comunicação que é. Nunca cobrei nada dela. Só não conseguiria fazer um trabalho político por grana”, diz. “Mas não quero parecer melhor do que minha mãe, eu a admiro muito.”

Em geral, os arroubos de Gabriel rendem quilômetros de e-mails e cartas dos fãs, todos batendo na mesma tecla. “Se outras pessoas seguissem a mensagem que você passa, o País estaria muito melhor”, escreveu Murilo Paulucci de Oliveira, de Santo André, São Paulo. “Tenho 32 anos e me deprimo com tanta corrupção, falta de respeito, hipocrisia. Continue a se expressar assim, pois isso serve para nos aliviar”, endossou Antônio Sérgio Alves de Oliveira, de Ribeirão Preto. As identificações ainda são várias. Uma professora de geografia disse trabalhar as letras das músicas com seus alunos. Um morador de Curitiba criou um movimento social usando pedaços das composições. Também impressiona a emoção que as pessoas afirmam sentir ao ouvir suas canções. É a explicação para os mais de 2,5 milhões de discos vendidos. O mais recente, lançado no mês passado, já ultrapassou a barreira dos 100 mil. A comemoração começou com shows em Portugal e em Angola – com público nunca inferior a 30 mil pessoas – e continuará na turnê brasileira, iniciada no sábado 15, no Canecão carioca.

Até Quando?
(Gabriel O Pensador, Tiago Mocotó, Itaal Shur)
Não adianta olhar pro céu
Com muita fé e pouca luta
Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer
E muita greve, você pode, você deve, pode crer
Não adianta olhar pro chão
Virar a cara pra não ver
Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus
Sofreu não quer dizer que você tenha que sofrer!