Apesar das evidências da supremacia do Congresso na relação com o Executivo, a presidente Dilma Rousseff segue desafiando a lógica política e ignorando preceitos básicos de relacionamento entre os Poderes. Como se não entendesse que quem personifica a atual crise é ela, a presidente comete equívocos em série. O último desastre na articulação política do governo foi o movimento realizado na semana passada afinado com o ministro das Cidades, Gilberto Kassab. Contrariando as expectativas – principalmente do já enfurecido PMDB –, Dilma segurou por um dia a sanção de uma lei que inibia o surgimento de novas legendas. Dessa forma, permitiu que os aliados de Kassab apresentassem o pedido de recriação do PL (Partido Liberal) à luz de regras mais flexíveis. Se a presidente não tivesse participado do jogo combinado com Kassab, o PL ficaria submetido às normas rigorosas impostas por um projeto aprovado pelo Congresso há duas semanas.

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DESNORTEADA
Mergulhada numa crise sem precedentes na era petista, Dilma Rousseff ignora
a liturgia política e sofre sucessivas derrotas no Congresso

Por trás do renascimento do PL reside uma estratégia do governo para enfraquecer o PMDB. A intenção do Planalto ao estender tapete vermelho para a chegada da nova velha legenda é atrair para uma espécie de “centrão”, comandado pelo PL, aliados insatisfeitos de legendas diversas, sem que eles sejam punidos pela regra da infidelidade partidária. Assim, imagina que conseguirá reequilibrar as forças políticas no Congresso, hoje pendendo fortemente para o lado do PMDB. Não por acaso, o partido reagiu com virulência e classificou o acerto entre o Planalto e o Kassab de “molecagem”. Para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a manobra foi um golpe e ameaçou retaliar, levando as relações entre o Legislativo e o Executivo a um nível de desgaste irreversível. “Vamos reagir à altura”, disse ele a aliados, logo depois de retornar de um encontro com o vice-presidente Michel Temer (PMDB) na noite de terça-feira 24.

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SINAL VERDE
Ministro das Cidades, Gilberto Kassab recebe o apoio do Planalto para recriar
o Partido Liberal, que será liberal só no nome e atrairá políticos governistas

A articulação mais uma vez atabalhoada do governo surpreende pelo momento delicado vivido por Dilma. Não bastassem os escândalos de corrupção envolvendo o PT, a crise política e a deterioração da popularidade da presidente, em meio a protestos e panelaços pelo País, o Congresso tem imposto derrotas sucessivas ao Planalto desde o início do ano. Hoje, os presidentes da Câmara e Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, dão as cartas como se vivêssemos sob um regime parlamentaria. “A presidente ainda não sabe, mas hoje quem governa o Brasil é o Renan e o Cunha”, afirmou o senador Aécio Neves em entrevista à ISTOÉ publicada na última semana.

A equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, insistia na quarta-feira 25 para que o Senado não votasse o projeto de lei que dará prazo de 30 dias para o governo alterar o indexador das dívidas de Estados e municípios com a União. Um dia antes, com votos do PMDB e do próprio PT, a Câmara havia derrotado o governo estendendo o tempo para a negociação das pendências. A mudança prevê a correção pela taxa básica de juros Selic ou pelo IPCA mais 4% ao ano, em vez do indexador atual do IGP-DI mais 6% a 9% ao ano. A troca aliviaria a situação fiscal dos Estados e das prefeituras. Segundo a contabilidade oficial, a proposta nunca foi regulamentada porque dará prejuízo superior a R$ 1 bilhão por ano nas contas públicas.

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O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mesmo a contragosto do seu partido, havia sido o fiador do adiamento da votação da proposta sobre as dívidas dos estados para dar tempo do governo apresentar uma saída alternativa. Mas o acerto do governo com Kassab cuja conseqüência mais imediata é o enfraquecimento do PMDB voltou a atiçar a ira de Renan. Para ele, a estratégia pode azedar de vez as relações do partido com o governo. A reação já está em curso. Cunha e Renan combinaram de fazer uma “pauta expressa” de votações, onde – esperam – o governo não terá tempo para reagir. Oficialmente, o argumento é de que seria uma forma de demonstrar independência do Legislativo e aprovar as matérias de acordo com as intenções parlamentares, em vez de apenas seguir orientações governistas. Nos bastidores, a ideia é considerada a primeira resposta às demonstrações de Dilma Rousseff de encarar um enfrentamento direto com o Congresso e seus caciques. Para os presidentes das duas Casas, a presidente não terá outra alternativa senão negociar.  


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