A pedido da Procuradoria Geral da República está em curso na Justiça Federal do Paraná uma investigação sobre a participação do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, Antônio Palocci Filho, no esquema do Petrolão. Entre os alvos principais do processo estão contratos feitos entre a Projeto – consultoria financeira pertencente ao ex-ministro – e empresas que fizeram direta ou indiretamente negócios com a Petrobras. Com base em delações premiadas, documentos apreendidos e até na prestação de contas feitas pelos partidos, procuradores e delegados da Operação Lava Jato calculam que consultorias feitas por Palocci possam ter sido usadas para desviar cerca de R$ 100 milhões do Petrolão para os cofres do PT. “Vamos demonstrar que, assim como o ex-ministro José Dirceu, Palocci trabalhou para favorecer grupos privados em contratos feitos com a Petrobras e canalizou ao partido propinas obtidas a partir de recursos desviados da estatal”, disse um dos procuradores na tarde da quarta-feira 25.

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Até a semana passada, os procuradores observavam com lupa seis contratos da empresa de Palocci e nas próximas semanas deverão recorrer ao juiz Sérgio Moro para que autorize a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-ministro. Os documentos e depoimentos que mais têm despertado a atenção de delegados e procuradores dizem respeito às relações do ex-ministro com a WTorre Engenharia e com o Estaleiro Rio Grande. De acordo com os relatos feitos por procuradores da Lava Jato, em 2006, após deixar o governo Lula acusado de violar o sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa (leia quadro na pág. 38), Palocci teria intermediado a aquisição do Estaleiro Rio Grande pela WTorre. Meses depois da negociação e sem nenhuma expertise no setor naval, a empresa venceu uma concorrência para arrendamento exclusivo do estaleiro à Petrobras. Em seguida, a estatal fez uma encomenda para a construção de oito cascos de plataformas marítimas, em um contrato de aproximadamente US$ 6,5 bilhões. “Não é comum que uma empresa sem nenhum histórico no setor vença uma concorrência bilionária”, afirma um dos procuradores da Lava Jato. Os indícios encontrados pelo Ministério Público, porém, vão além do simples estranhamento.

Investigações promovidas pela Operação Lava Jato indicam que, por orientação de Palocci, o Estaleiro Rio Grande buscou parcerias internacionais para poder cumprir o contrato com a Petrobras. Uma das empresas procuradas para tanto foi a holandesa SBM, já relacionada como uma das mais fortes pagadoras de propinas no esquema do Petrolão. Os documentos em poder da Operação Lava Jato mostram que, no início do ano passado, um ex-executivo da SBM, Jonathan Taylor, procurou a Receita e o Ministério Público da Holanda e revelou que empresa destinara US$ 102 milhões para o pagamento de propinas no Brasil, em troca de contratos para o fornecimento de navios e plataformas a Petrobras.

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Passados quatro anos, a parceria do Estaleiro Rio Grande com a SBM não se concretizou, embora o contrato para o fornecimento dos oito cascos permanecesse em vigor. Com isso, a Petrobras passou 48 meses sem receber os cascos contratados. Agora, os procuradores investigam quais os pagamentos efetuados pela estatal ao estaleiro durante esse período. “Temos informações de que o estaleiro usou dinheiro pago pela estatal para investir em plataformas, mas não entregou nada a Petrobras”, disse na sexta-feira 27 um dos agentes da PF que atuam na Lava Jato. De acordo com dados preliminares obtidos pela Lava Jato entre 2006 e 2010 a estatal teria repassado anualmente ao Estaleiro Rio Grande cerca de R$ 25 milhões.

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Em 2010, meses antes de assumir a coordenação de campanha presidencial de Dilma Rousseff, Palocci e sua consultoria voltaram a operar em favor do estaleiro. O ex-ministro, segundo os procuradores da Lava Jato, trabalhou ativamente na venda do Estaleiro Rio Grande da WTorre para a Engevix – outra empreiteira já envolvida no Petrolão – em parceria com o Funcef, o fundo de pensão dos servidores da Caixa Econômica Federal. Um dos interlocutores de Palocci na negociação foi o vice-presidente da Engevix, Gerson de Mello Almada, atualmente preso na sede da Polícia Federal em Curitiba, apontado pelo Ministério Público como um dos principais corruptores do Petrolão. Depois de comprar o estaleiro, a Engevix obteve da Petrobras um contrato de US$ 2,3 bilhões para a construção de três navios sonda. Em janeiro desse ano, Almada admitiu aos procuradores da Lava Jato que fez pagamentos de propinas a “agentes da Petrobras” para que pudesse ganhar os contratos e na semana passada, o empresário manifestou o interesse de aderir à delação premiada. Para que seja feito o acordo, porém, o Ministério Público Federal vem insistindo para que o empreiteiro revele detalhes do envolvimento de Palocci e sua empresa na venda do estaleiro. Como boa parte dos contratos de consultoria permite o sigilo, caso o vice-presidente da Engevix não colabore, os procuradores não descartam a possibilidade de recorrer ao Judiciário para obter cópia da documentação.  

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PROPINODUTO
Ex-gerente da Petrobras, Pedro Barusco afirmou que a construção de navios-sonda,
cujo negócio teria sido intermediado por Palocci, envolveu o pagamento de
R$ 60 milhões em propina, sendo R$ 40 milhões para o PT

Com a quebra do sigilo bancário de Palocci, os procuradores da Lava Jato esperam checar informações já passadas por Almada e descobrir se houve ou não a participação do ex-ministro na elaboração do contrato de US$ 2,3 bilhões com Petrobras. Em delação premiada, o ex-gerente de serviços da estatal, Pedro Barusco, afirmou que esse negócio envolveu o pagamento de R$ 60 milhões em propinas, dos quais R$ 40 milhões teriam abastecido os cofres do PT. “Temos indícios de que durante anos o Estaleiro Rio Grande serviu como um poderoso braço para canalizar propinas do Petrolão e que essa parte do esquema seria comandada pelo ex-ministro Palocci”, disse um dos procuradores na manhã da quinta-feira 26.

Ao aprofundar as investigações sobre as relações de Palocci com o Estaleiro Rio Grande, os procuradores e delegados da Operação Lava Jato confirmaram importantes revelações feitas pelos maiores delatores do Petrolão e nas últimas duas semanas começam a traçar a participação do ex-ministro em uma ligação direta entre o propinoduto da Petrobras e recursos para a campanha eleitoral de 2010. Em um de seus depoimentos, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, assegura que Palocci teria pedido e intermediado a remessa de R$ 2 milhões para a primeira campanha presidencial de Dilma Rousseff. Na semana passada, ao analisarem a prestação de contas do PT, agentes da Polícia Federal identificaram uma doação oficial de R$ 2 milhões feita pela WTorre Engenharia ao diretório nacional do partido. O dinheiro, segundo os documentos, foi entregue em duas parcelas de R$ 1 milhão. “É muito provável que essa doação esteja ligada a venda do Estaleiro Rio Grande da WTorre para a Engevix”, afirma um dos procuradores.

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O negócio intermediado por Palocci movimentou R$ 410 milhões e foi concluído dois meses antes do primeiro repasse de R$ 1 milhão feito ao comitê financeiro nacional do PT, em 24 de agosto de 2010. O outro R$ 1 milhão caiu na conta do comitê em 10 de setembro. Para a WTorre, a venda do estaleiro foi um excelente negócio. A empresa declara ter investido cerca de R$ 170 milhões nos quatro anos em que esteve à frente das operações e vendeu o empreendimento por R$ 410 milhões. A Engevix também se deu bem, pois assumiu o estaleiro com uma encomenda de mais de US$ 2 bilhões e ainda assinou outro contrato com a Sete Brasil para o fornecimento de plataformas à petrolífera brasileira. Para a Petrobras, o negócio significou um prejuízo, segundo os procuradores da Lava Jato, ainda não calculado. O atraso na entrega das plataformas consumiu o período de 10 anos que a estatal tinha de exclusividade sobre o estaleiro e ainda a obrigou a encomendar novas plataformas da China para atender sua demanda. Além do Estaleiro Rio Grande, o ERG 1, entrou no pacote da Engevix o direito de exploração das áreas adjacentes, batizadas de ERG 2 e ERG 3.

Longe das plataformas marítimas, mas também pelas mãos de Palocci, segundo os procuradores da Lava Jato, a WTorre teria conseguido um outro negócio exclusivo e bilionário com a Petrobras. Com um investimento de aproximadamente R$ 600 milhões, a construtora ergueu no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, um moderno complexo de quatro edifícios envidraçados e, sem que houvesse qualquer tipo de licitação, assinou um contrato de locação com a estatal válido até 2039 pelo valor de R$ 100 milhões, reajustáveis anualmente. Os prédios e o contrato de locação deveriam dar lastros para a criação de um fundo imobiliário com o qual a empresa previa obter R$ 1,2 bilhão no mercado. Com tantas construtoras no País chama a atenção dos procuradores o fato de que a Petrobras, para locar uma nova sede no Rio de Janeiro, tenha optado justamente por aquela que tinha Palocci como consultor.

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Também pesam contra o ex-poderoso ministro de Lula e de Dilma Rousseff as delações feitas pelo doleiro Alberto Youseff e o testemunho de empresários da Camargo Corrêa que colocaram o setor energético na mira da Operação Lava Jato. Os procuradores tentam detalhar a participação de Palocci em favor da CPFL, a maior distribuidora de energia elétrica do País, que tem a Camargo Corrêa como principal acionista privado. O ex-ministro teria atuado junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para conseguir a aprovação de uma norma que liberou o uso de medidores de energia inteligentes para redes de alta tensão, como indústrias. Com a licença, a empresa conseguiu instalar os medidores em 25 mil unidades de consumo de oito distribuidoras em São Paulo e na Região Sul, num negócio que envolveu cerca de R$ 215 milhões. Os equipamentos garantiram privilégios à companhia como maior eficiência energética, com redução de perdas e economia na manutenção. A Companhia também teria obtido posteriormente, com auxílio do consultor, autorização do Ministério de Minas e Energia de projetos eólicos de sua subsidiária CPFL Energias Renováveis. Os procuradores querem saber se houve alguma contrapartida financeira da Camargo Corrêa ao PT em troca da ação de Palocci na Aneel. “Há indícios de que Palocci seja um dos principais elos entre os empresários envolvidos no Petrolão e o PT”, afirma um dos procuradores. Em delação premiada, o doleiro Youseff, principal operador do esquema, revelou que de fato era o ex-ministro Palocci o contato do partido com o empresário Júlio Camargo, da Toyo Setal. A empresa tem cerca de R$ 4 bilhões em contratos com a Petrobras e Camargo já fez várias delações. “Estamos finalizando alguns cruzamentos de dados para definir melhor a suposta participação do ex-ministro nos esquemas ligados à área energética”, afirmou um dos procuradores. 

Há ainda uma equipe da Operação Lava Jato que analisa a atuação parlamentar de Palocci, a partir de 2007, quando já trabalhava paralelamente como consultor. O então deputado petista teve papel destacado em todos os projetos relacionados a Petrobras que foram à votação na Câmara. Palocci foi o primeiro relator do polêmico projeto de capitalização da estatal e também nos projetos que instituiu o modelo de partilha para exploração do pré-sal, criou o Fundo Social e a empresa pública Pré-sal Petróleo S.A. (PPSA). Com o primeiro, aprovado depois de longa discussão no Congresso, o governo Dilma conseguiu injetar na estatal mais de R$ 120 bilhões, sendo que R$ 74,8 bilhões saíram do BNDES. Como não tem foro privilegiado, toda a investigação que envolve o ex-ministro será acompanhada pela Justiça Federal no Paraná e caberá ao juiz Sérgio Moro a palavra final sobre os próximos passos a serem dados pelos procuradores e delegados da Lava Jato.

Na tarde da sexta-feira 27, por intermédio de seu advogado, José Roberto Batochio, o ex-ministro informou que seu relacionamento com a WTorre se restringe a palestras proferidas ao corpo diretivo da empresa. Palocci também afirmou que nunca teve contato e desconhece a existência da Engevix e que jamais foi contratado pela CPFL para qualquer assunto. A WTorre informou que desconhece qualquer investigação e que nunca utilizou a intermediação do ex-ministro em seus negócios. Sobre o estaleiro, a empresa afirma que em 2006 participou de concorrência organizada pela Rio Bravo Investimentos S/A DTVM, administradora de um Fundo de Investimento Imobiliário que tinha o objetivo de construir um estaleiro que seria alugado posteriormente para a Petrobas. “A WTorre venceu a concorrência, construiu e entregou o estaleiro para o Fundo Imobiliário. A Petrobras tinha a prerrogativa de devolver o estaleiro ao cabo de um período de 10 anos de uso. Foi este direito que a WTorre vendeu para a Engevix”, registra a nota encaminhada pela empresa. Sobre as doações para a campanha de Dilma, a empresa afirma que fez tudo de acordo com a legislação. 



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