Filho de um conde falido e uma escrava negra, Thomas-Alexandre Dumas (1762-1806) nasceu no Haiti colonial e foi vendido ainda criança pelo pai. Em Paris, fez carreira brilhante como militar. Lutou na Revolução Francesa e se tornou um importante parceiro de Napoleão, que, depois, enciumado pelo reconhecimento cada vez maior do colega alto e forte, decidiu tirá-lo do caminho. O herói, por isso, passou o final da vida encarcerado e morreu miseravelmente na pequena cidade de Villers-Cotterêts.

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RACISMO
O general Thomas-Alexandre Dumas (acima) como seu filho, escritor
Alexandre Dumas (abaixo) sentiu a segregação na pele

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Sua existência estaria completamente enterrada, não fosse seu filho, o escritor Alexandre Dumas, ter se inspirado na figura do pai para escrever romances como “O Conde de Monte Cristo” e “Os Três Mosqueteiros”. Mas a verdadeira história do militar habilidoso só veio à luz em 2013, quando o historiador Tom Reiss descobriu, naquela mesma cidadezinha francesa onde morreu
o pai de Alexandre Dumas, um cofre trancado com documentos, diários e cartas que mostram que o general lutou e matou muito mais do que um filho poderia admitir.

Tom Reiss ganhou o prêmio Pulitzer de biografia em 2013 com a obra, que agora chega ao Brasil pela Editora Objetiva. Em entrevista à ISTOÉ, Reiss conta que levou mais de cinco anos para encontrar todas as peças do quebra-cabeças. Uma delas, um documento em frangalhos, mostra que o conde chegou a passar pela fila da guilhotina comandada por Maximilien de Robespierre, graças à proximidade que tinha a alguns círculos aristocráticos no início da Revolução Francesa, um curto período de tolerância racial no país de seu pai.

“A maioria das cartas e documentos estava escondida em caixas empoeiradas em porões, e não facilmente disponíveis em bibliotecas. O tipo de coisa que você só encontra viajando”, diz. Em uma dessas viagens, ao Musée Alexandre Dumas, em Villers-Cotterêts, Reiss encontrou o material mais imporante para o trabalho.

Tão pequeno e esquecido o museu, que a museóloga responsável tinha morrido com o segredo de um cofre que pertenceu à família Dumas.

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O biógrafo explodiu o compartimento e dentro dele encontrou alguns dos materiais mais importantes para o livro como uma carta escrita durante seu período na prisão para a mulher. “Desse relato, Alexandre Dumas tirou toda a base do romance ‘O Conde de Monte Cristo’”, arrisca Reiss.

A única referência direta ao pai, segundo ele, está nos livros de memória de Alexandre Dumas. “Mas são passagens absolutamente fantasiosas”, diz o escritor, destacando o fato de o filho esconder a cor da pele do pai, que retratou também em seus romances como branco. “Ele fez isso porque ainda era muito perseguido. Mesmo tendo apenas um quarto de descendência negra, ele era chamado pela imprensa da época de ‘canibal africano’”, afirma Reiss, fã confesso do ficcionista. “A França se vê como um país liberal, mas na realidade a comunidade negra se sente completamente marginalizada. Quando meu livro foi publicado lá houve uma incrível reação de espanto. Ouvi relatos de que muitos negros chegaram a chorar ao saberem pela capa do livro que houve um herói negro na história francesa”. Certamente não foi o único.

Fotos: Leemage/UIG via Getty Images; Aventurina King; London Stereoscopic Company/Getty Images