Começou como uma inocente conversa no WhatsApp. Um homem solitário, que vivia praticamente recluso no alto de seus 57 anos, procurava uma amiga com quem pudesse dividir suas angústias e alegrias. A troca de mensagens entre a dupla logo evoluiu para uma amizade real, que depois se transformou em paixão, consumada em diversas ocasiões. A história poderia ser apenas o início de um lindo caso de amor, não fosse por dois detalhes sórdidos: ele, José Quintela Arias, é um frade franciscano da cidade de Pedrafita do Cebreiro, na Galícia, um dos principais pontos de parada do famoso Caminho de Santiago, na Espanha; ela uma jovem de apenas 16 anos, que frequentava a igreja até então dirigida por Arias. O escândalo de abuso sexual entre o religioso e a adolescente veio à tona após a prisão de Arias, em 23 de fevereiro e deixou toda a comunidade da região em estado de choque. O frade está sendo acusado de abusos sexuais à menor e ao primo dela, que é deficiente mental, além de indução à prostituição e apropriação indevida de dinheiro doado por fiéis. Mais um caso para a coleção de problemas do Vaticano, que, desde a chegada de Francisco, há dois anos, elegeu o combate à pedofilia como uma de suas principais bandeiras.

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Acima, Frei Arias em Compostela: ele ajudava os peregrinos e escondia uma
vida pessoal perversa. Abaixo, papa Francisco , que luta contra os pedófilos

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Conhecido como “Pepe, o franciscano”, Arias era a figura mais famosa do santuário de O Cebreiro, porta de entrada da região da Galícia no caminho francês que leva a Santiago de Compostela, rota que atrai anualmente milhares de peregrinos de todo o mundo. Há cinco anos no comando do templo, ele era querido por muitos desses viajantes, que reconheciam sua notória generosidade. Contam esses peregrinos que Arias comprava sapatos para os andantes que chegavam até ele com calçados furados e pagava refeições para aqueles que não tinham dinheiro para se alimentar. Por isso a indignação dos fiéis é tão grande. Segundo investigações da polícia espanhola, o religioso manteve relações sexuais durante um ano com a jovem, que hoje tem 17. Os encontros aconteciam em um hotel em outra cidade, na casa de Arias no município de Ourense, e principalmente, na própria sacristia, depois de encerradas as atividades paroquiais.

O abuso ao jovem com deficiência mental teria ocorrido após o frade pedir à adolescente que chamasse uma terceira pessoa, para fazerem sexo a três. Em depoimento, a garota, que garante que todas as relações com o religioso foram consentidas, disse que sugeriu seu primo, então com 19 anos. Na casa de Ourense, o franciscano teria oferecido gim e rum aos jovens e depois pedido que eles tirassem as roupas e fizessem sexo, enquanto fotografava o ato com o celular. Apenas na pasta de mensagens “enviadas” do smartphone do frade, a polícia encontrou 250 fotos de caráter sexual, e em muitas delas figuram ele e a jovem. Ainda em depoimento, a adolescente afirmou que recebia dinheiro de Arias após os encontros sexuais, em quantias que variavam de 100 a 300 euros, provenientes de doações dos fiéis e dos milhares de peregrinos que passavam pelo santuário turístico. A trama só foi descoberta quando uma vizinha alertou a polícia depois de ler uma mensagem provocativa enviada pelo padre a outra jovem do povoado próximo ao templo.

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O episódio do demônio de Compostela retoma a discussão sobre os casos de pedofilia e abuso sexual na Igreja Católica. Após os primeiros escândalos sobre o tema repercutirem, no início dos anos 2000 (leia quadro), milhares de outras denúncias foram feitas em relação à má conduta sexual de padres em várias partes do mundo. Frente a essas acusações, o combate à pedofilia e ao abuso sexual na Igreja ganhou fôlego sob a regência de Bento XVI e é uma das principais metas do pontificado do papa Francisco. No ano passado, o argentino escreveu a bispos exigindo tolerância zero em casos de abusos, e, pela primeira vez, a Igreja divulgou um balanço da condução interna desses episódios. De 2004 a 2014, 848 padres foram expulsos e 2.575 punidos por relatos de abuso sexual. “Francisco tem defendido a política da transparência e estimulado os bispos a denunciar às autoridades casos de abuso sexual”, diz Brenda Carranza, socióloga da religião e professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. “Dessa forma, ele busca restabelecer a imagem da Igreja e a credibilidade da instituição perante a opinião pública”. Casos como o de Santiago de Compostela, e de muitos que ainda estão escondidos nas sacristias pelo mundo, mostram que esse caminho é longo e tortuoso.

Fotos: Pedro Agrelo; Max Rossi / AP Photo