A sequência de acontecimentos é avassaladora. Na tarde do domingo 15, dois milhões de brasileiros vãos às ruas gritar contra a presidente Dilma Rousseff. Na noite do mesmo dia, os ministros José Eduardo Cardozo e Miguel Rossetto, desalinhados nas roupas e desorientados nas ideias, rechaçam os protestos, enquanto as cidades clamam em mais um ruidoso panelaço. Na segunda-feira 16, Dilma faz um pronunciamento sobre as manifestações e ninguém, nem seu séquito, parece dar bola para o que ela diz. Ao contrário: enquanto a presidente fala, ouve-se panelaços em várias cidades do País. Na terça-feira 17, ela é informada que o escudeiro José Dirceu recebeu uma fortuna, em supostos serviços de consultoria, de empresas investigadas pela Operação Lava Jato. Também no dia 17, surge um documento atribuído ao ministro da Comunicação Social, Thomas Traumann, que espezinha o governo. Na quarta-feira 18, a rainha Dilma descobre que os súditos estão insatisfeitos. Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, seus índices de rejeição estão próximos aos do ex-presidente Fernando Collor às vésperas do impeachment – palavra que, aqui e ali, começa a circular no País. Na quinta-feira 19, o ex-diretor da Petrobras Renato Duque depõe na CPI que apura malfeitos na estatal e que deve trazer elementos para incriminar gente graúda do PT, o partido da presidente. Na sexta-feira 20, o dólar dispara, a Bolsa cai e alguém revela que o desemprego avança.  No sábado, o que virá? E no domingo? O que a nação descobrirá nos próximos dias? O que as semanas reservam ao País? Onde isso tudo vai parar?

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Mergulhada na mais grave crise política do Brasil desde a queda de Collor, em 1992,  a presidente Dilma está encastelada em um palácio que parece prestes a desmoronar. A presidente reage tibiamente. Não faz movimentos consistentes. Não toma uma decisão capaz de reverter – ou, pelo menos, estancar – o ciclo de escândalos. É uma rainha à procura da coroa perdida. Em um artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, o professor da USP Oliveiros Ferreira compara a presidente ao monarca Luís XIV. Foi ele quem disse “LÉtat cést moi” (“o Estado sou eu”). Por mais que comparações desse tipo sejam imprecisas, Dilma tem agido como se fosse a encarnação de uma soberana auto-suficiente, indiferente aos caos generalizado, incapaz de expressar um gesto qualquer de humildade, de lançar um movimento, de propor uma ação que traga alguma boa nova ao País. Oliveiros faz referências à política externa do governo brasileiro, política essa expressa nas inclinações pessoais da presidente e não nos interesses do Brasil. “LÉtat cést moi” diria uma Dilma confiante de seus propósitos. O País vai mal e a rainha encastelada não ceifa ministérios (em tempos de ajuste de contas, seria simbólico e altamente positivo enxugar a máquina), não assume os erros na condução da política econômica, não corta a corrupção pela raiz (até quando ela vai poupar antigos aliados?). Faz, enfim, apenas o que lhe convém – e não o que é necessário para tirar o Brasil do marasmo.

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Na terça-feira 17, Dilma se encontrou com o rei sem trono, o ex-presidente Lula, e foi informada que o isolamento cada vez maior pode ser perigoso para a sobrevivência dela e do próprio PT. “Se não tem verba, use o verbo”, disse Lula, sem paciência, ao ouvir a ladainha da falta de recursos e convicto de que é preciso melhorar a comunicação do governo. Lula fez lembrar a frase de Maria Antonieta. Ao ouvir de um cocheiro que o povo não tinha o que comer, a consorte da França saiu-se com um “se não têm pão, que comam brioches.”  Para ficar no campo da realeza, há alguns dias o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que “o rei está nu”, numa alusão às feridas escancaradas do governo. FHC tem lançado artilharia pesada. Falou que Dilma precisa vestir as sandálias da humildade e que a presidente “está perdendo as condições políticas de governar.” O tiroteio vem de todos os lados. Na semana passada, o senador João Capiberibe (PSB-AP) afirmou que o Brasil vive “uma cleptocracia.”

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Desde que se elegeu para o segundo mandato, a presidente tem evitado o diálogo com a sociedade. Nesse período, escalou ministros para pronunciamentos vazios, deu respostas confusas sobre os temas que preocupam o País e, nos jantares forçados com aliados, fez promessas de aproximação que se desfizeram nos dias seguintes. Mesmo quando decidiu sair da clausura, fez isso de forma atabalhoada. Na quarta-feira, 18, escalou sua equipe para o lançamento do pacote anticorrupção prometido como resposta às manifestações. Com uma plateia repleta de assessores dispostos a aplaudir os discursos, o clima estava artificialmente favorável, embora o pacote não tenha trazido nenhuma novidade. É formado basicamente por projetos que já tramitavam no Congresso e outros discutidos há anos, como a Lei Anticorrupção, que prevê a punição de empresas envolvidas em práticas relacionadas ao desvio de recursos. A norma esperou na mesa de Dilma quase dois anos por regulamentação. Na semana passada, circularam na internet reportagens sobre o pacote anticorrupção lançado, repare bem, pelo governo Lula, em 2005. É praticamente a mesma coisa que foi proposta por Dilma. Uma década passou e o PT não atualizou suas ideias.

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Antes de ser apresentado ao País, o pacote foi entregue aos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ambos investigados, repare bem novamente, por envolvimento na Operação Lava Jato. Para confirmar que o governo se tornou refém desses políticos, uma reunião na véspera do lançamento do pacote levou o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, a detalhar as propostas para um público especial. Cardozo defendeu os pontos do pacote para parlamentares como Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Benedito de Lyra (PP-AL) e Humberto Costa (PT-PE). Detalhe interessante: todos eles foram citados nas delações premiadas dos acusados de operar os desvios de recursos da Petrobras.

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Alheios ao constrangimento de precisar submeter-se aos investigados, Dilma e seus ministros comemoraram o lançamento do pacote. “Acho que esse quadro de rejeição e queda de popularidade é reversível”, disse, como se estivesse alheio à realidade, o secretário-geral da Presidência, Miguel Rossetto. O clima de otimismo durou pouco.  Uma crise política repentina ofuscou a agenda positiva que ela tentou criar. Enquanto os ministros se reuniam em seus gabinetes para avaliar a repercussão das propostas, o então ministro da Educação, Cid Gomes, fazia uma lambança na Câmara dos Deputados (leia reportagem à pág 54).

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Para colocar ainda mais obstáculos ao reinado dilmista, partidos de oposição apresentaram na semana passada um pedido de reconsideração ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, para que analise a possibilidade de a presidente ser incluída no rol de investigados da Operação Lava Jato. Embora tenha sido mencionada em depoimentos dos delatores Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, Dilma foi retirada da investigação pelo procurador-geral Rodrigo Janot. Zavascki afirmou que encaminhará o pedido ao Ministério Público Federal. Ilhada, a presidente tenta reagir, mas deixa evidente sua fragilidade e dependência do Congresso, que parece dedicado a lhe ser cada vez mais hostil. Dilma não tem sossego. Na quinta-feira 19, uma proposta aprovada no TCU (Tribunal de Contas da União) poderá levar a presidente a se tornar alvo de ações de fiscalização do órgão que apura desvios na Petrobras. Se isso acontecer, será a abertura das portas do inferno. A decisão permite que Dilma seja investigada, multada e tenha bens bloqueados. Mas isso é coisa da semana passada. Na próxima segunda-feira, na terça, na quarta e nos muitos dias à frente, Dilma provavelmente estará enredada em novos e escabrosos episódios. A rainha precisa sair de seu castelo. 


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