O ambiente era repugnante. Antes mesmo de entrar no canteiro de obras, sentia-se o cheiro dos banheiros sem limpeza havia mais três meses. Os bebedouros estavam tão sujos que os trabalhadores passaram a levar água potável de casa. Por trás da operação que flagrou essa ausência de condições de trabalho em Itabirito, Minas Gerais, estava o auditor fiscal Marcelo Campos. A ação, liderada por ele e realizada em fevereiro, encontrou 309 pessoas submetidas a condições análogas à escravidão nas obras da maior produtora de minério de ferro do mundo, a brasileira Vale. “Era impossível respirar ali”, afirma Campos, que coordena o Projeto de Combate ao Trabalho Escravo no estado. Por meio de uma denúncia anônima, eles souberam que os funcionários eram submetidos a jornadas exaustivas, condições degradantes e foram vítimas de fraudes e promessas enganosas. Embora fossem empregados de uma empresa subcontratada, a Ouro Verde, os auditores consideraram a terceirização ilícita e autuaram a Vale por 32 infrações trabalhistas. “Quando vamos a campo, percebemos que as irregularidades têm relação com o processo de terceirização, é comum vermos empresas que querem economizar oprimindo os direitos dos trabalhadores”, diz Campos.

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LUTA
Acima, o procurador Luiz Fabre, que alterou a lei para punir toda a cadeia
produtiva do setor têxtil. Abaixo, Juliana Armede (à esq.) e sua equipe 

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Em 2014, 1.590 pessoas foram resgatadas em 149 operações de fiscalização como a descrita acima. Acompanhados de policiais, procuradores, auditores e fiscais costumam percorrer quilômetros de distância em cidades do interior do País ou localizar trabalhadores em pequenas oficinas de regiões metropolitanas para flagrar e punir empresas que utilizam mão de obra escrava. Algumas vezes, a denúncia vem de algum ex-funcionário. Em outros casos, as equipes organizam operações de fiscalização em canteiros de obras, regiões que concentram atividades do agronegócio, do setor têxtil e da mineração. “Sempre recebemos denúncias do meio rural, mas nos últimos cinco anos começamos a perceber mais ocorrências urbanas e recentemente passamos a resgatar universitários em condições degradantes em cruzeiros”, afirma o auditor fiscal Alexandre Lyra, chefe da Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo.
Nas estradas de terra que cortam a cidade de Alta Floresta, com pouco mais de 48 mil habitantes, na fronteira entre Mato Grosso e Pará, o procurador Rafael de Araújo Gomes participou de sua primeira operação de resgate. Lá, segundo ele, as denúncias eram semanais. “Partíamos rumo à fazenda com os policiais e, quando chegávamos, os trabalhadores costumavam se esconder e os donos das propriedades quase nunca estavam”, diz. “Situações degradantes, cerceamento de liberdade e a falta de condições de saúde atingem a dignidade das pessoas e tornam o ambiente insustentável. ”

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Juliana Armede se dedica ao combate do trabalho escravo no meio urbano desde 2011. Como coordenadora da Comissão de Erradicação do Trabalho Escravo da Secretaria Estadual de Justiça de São Paulo, ela atua principalmente no setor têxtil, que lidera casos de exploração – foram 159 resgates no ano passado, a maioria de estrangeiros. Para ela, essas operações revelam questões sociais que muitas vezes passam despercebidas. “Eles chegam do país de origem direto para o local de trabalho e não fica claro que estão sendo explorados”, diz. O procurador do Ministério Público do Trabalho Luiz Carlos Fabre é autor da medida que pune as grandes empresas do setor de varejo têxtil que contratam serviços de pequenas oficinas. Segundo ele, toda a cadeia deve ser responsabilizada. “Há uma preocupação econômica, um efeito corrosivo que oferece uma vantagem competitiva para o explorador”, afirma. “Estamos batalhando para que haja uma diminuição na demanda por esse tipo de mão de obra.” O problema, porém, é que a luta pelo fim da exploração pode estar ameaçada. Em dezembro, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias entrou com uma ação de inconstitucionalidade e suspendeu no Supremo Tribunal Federal a publicação do cadastro de empregadores flagrados com trabalho escravo. Conhecida como lista suja, a publicação semestral continha 572 nomes de pessoas e empresas e era um dos melhores instrumentos de prevenção.

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Fotos: Airam Abel e Kelsen Fernandes/Agência Istoé 


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